Correio Braziliense / Estado de Minas
A CPI foi bem-sucedida ao
revelar os erros cometidos pelo governo durante a pandemia, mas também teve
seus momentos de histrionismo e de dribles a mais
Antes mesmo de ser indiciado pela CPI do
Senado que investiga a atuação do governo durante a pandemia do novo
coronavírus (covid-19), o presidente Jair Bolsonaro sentiu o golpe. No
cercadinho do Palácio da Alvorada, onde manda seus recados por meio de
apoiadores e da imprensa, chamou de “bandido” o relator da comissão, senador
Renan Calheiros (MDB-AL), que pretende lhe imputar 11 crimes, sendo três
gravíssimos: homicídio, crime contra a humanidade e genocídio. “O que nós
gastamos com auxílio emergencial foi o equivalente a 13 anos de Bolsa Família.
Tem cara que critica ainda. O Renan me chama de homicida. Um bandido daquele.
Bandido é elogio para ele. O Renan está achando que eu não vou dormir porque
está me chamando de homicida, está de sacanagem”, estrilou.
No cronograma da CPI, o relatório será apresentado na terça e votado na quarta-feira, o que promete uma semana quente no Senado. A tropa de choque do governo deve se mobilizar para barrar o relatório, que proporá o indiciamento da cadeia de comando do governo no auge da pandemia, ou seja, entre outros, do então ministro da Casa Civil, general Braga Netto, hoje ministro da Defesa; do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do seu ex-secretário-executivo Élcio Franco, aquele da faca ensanguentada na lapela — além do presidente Bolsonaro e dos supostos integrantes do chamado “gabinete paralelo”, o que inclui seus filhos Flávio, senador; Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador carioca; o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); o deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania; e os médicos Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi.
A CPI foi bem-sucedida ao revelar os erros
cometidos pelo governo durante a pandemia, mas também teve seus momentos de
histrionismo e de dribles a mais. Existe uma maioria robusta para aprovação de
um relatório consistente; dificilmente, porém, haverá maioria para a imputação
do crime de genocídio a Bolsonaro. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE),
por exemplo, defende o foco na cadeia de comando e o indiciamento apenas
naqueles crimes sobre os quais há provas irrefutáveis. Delegado de Polícia
Civil, tem experiência no ramo. A CPI não é um tribunal, é uma comissão de
inquérito; seu relatório será remetido a diversas esferas, da Justiça de
primeira instância ao Supremo Tribunal Federal (STF); do Tribunal de Contas da
União (TCU) à Procuradoria-Geral da República (PGR), da Receita Federal à
Polícia Federal.
Genocídio
“O que passa na cabeça do Renan Calheiros
naquela CPI? Eu vi que… O que passa na cabeça dele com esse indiciamento? Esse
indiciamento, para o mundo todo, vai que eu sou homicida. Eu não vi nenhum
chefe de Estado ser acusado de homicida no Brasil por causa da pandemia. E olha
que eu dei dinheiro para todos eles (governadores)”, disse Bolsonaro, traindo o
temor de que essa venha a se tornar a maior dor de cabeça de sua vida. Uma
coisa é responder às acusações na Presidência, outra é ter que fazê-lo, caso
não seja reeleito, na planície, como simples cidadão.
São acusações pesadas: epidemia com
resultado de morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo;
incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de
verbas públicas; prevaricação; genocídio de indígenas; crime contra a
humanidade; crime de responsabilidade, por violação de direito social e
incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo; e homicídio comissivo
por omissão no enfrentamento da pandemia. Como o relatório da CPI será acolhido
no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda? Criado pelo Tratado de
Roma, em 1998, o órgão ligado à ONU foi ratificado por 66 países, entre os
quais o Brasil. A imagem internacional de Bolsonaro é péssima.
A Corte tem competência para julgar os
chamados crimes contra a humanidade, assim como os crimes de guerra, de
genocídio e de agressão. O Estatuto define genocídio como qualquer ato
praticado “com intenção de destruir total ou parcialmente grupo nacional,
étnico, racial ou religioso”. Crime contra a humanidade é “qualquer ato
praticado como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma
população civil e com conhecimento de tal ataque” (por exemplo, “práticas que
causem grande sofrimento ou atentem contra a integridade física ou saúde mental
das pessoas”).
Nenhum comentário:
Postar um comentário