Falou e Disse
Durante a semana passada o país comemorou
duas datas significativas: o Dia da Criança e o Dia do Professor.
O comércio saltitou… as famílias, mesmo com
poucos recursos, foram às compras para presentear as crianças, a maioria com
geringonças de plástico feitas na China ou outros países com mão de obra
escrava.
No Brasil, a pobreza avança e atualmente
crianças e professores vivem situações muito difíceis neste momento do país em
redemocratização.
Eu gostaria de escrever sobre coisas boas,
mas quando saio à rua deparo-me com famílias inteiras ao longo do canal de
Setúbal (Recife), esperando que alguém lhe estenda a mão com um alimento.
Fico pensando, me perguntando, porque o
país não consegue dar passos firmes pela nossa dignidade?
Não sei!
Segundo o Jornal do Commercio, dados computados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2010 e 2019 apontam que apenas em Pernambuco, onde vivo, a população que mora em palafitas cresceu 27,9%. Recife, a capital, e Jaboatão dos Guararapes, a segunda maior cidade, lideram na modalidade deste tipo de moradia.
Entre os mais de 20 milhões de pessoas
passando fome encontramos crianças na rua catando lixo, sem ir à escola,
vítimas dos abusos do trabalho infantil e outros tipos de violência. Eu achava
que tínhamos vencido essa miséria.
Encontramos também professoras – a maioria no ensino básico é mulher – se reinventando na sua profissão e em vários tipos de trabalho para manter a sobrevivência.
Professores são desqualificados por
autoridades públicas e políticas governamentais que não consideram a
importância de suas funções para uma nação que se quer desenvolvida. Durante a
pandemia, os professores tiveram de se reinventar para que construíssem
caminhos da aprendizagem para seus alunos, a grande maioria do ensino básico, e
de famílias também sofridas pela pobreza.
Professores e crianças neste mundo moderno
são pessoas indissociáveis e suas relações no processo de aprendizagem são
fundamentais para o crescimento pessoal da população e para o desenvolvimento
do país. Segundo o MEC, cresce a procura pelos cursos de licenciatura nos
últimos 10 anos.
Há quase 100 anos a sociedade brasileira
fala sobre a importância do professor e da necessidade de proteger e educar
crianças. Mas, não consegue.
A sociedade não exige e governos não têm o
foco. Somos quase os últimos no mundo.
Pobre Brasil!
Em alguns estados, professores registram
sete anos sem aumento no salário, mas continuam recebendo congratulações dos
seus governantes.
Em 2020 existiam no Brasil 179.533 escolas
públicas e privadas de Educação Básica e um total de 47,3 milhões de matrículas
nesse nível de ensino. Em relação às matrículas em creche, elas cresceram 19,8%
no período de 2015 a 2020. Os dados fazem parte da primeira etapa do Censo Escolar
da Educação Básica de 2020, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Em 2020, também de acordo com o Censo,
foram contabilizados 2,2 milhões de professores e 161.183 diretores atuando nas
179,5 mil escolas de Educação Básica no Brasil. 80,6% dos diretores são do sexo
feminino e 88,2% têm formação superior.
As primeiras escolas no mundo foram
fundadas na Europa no século XII, se considerarmos o formato de escola que
temos atualmente. No entanto, na Grécia antiga, as crianças eram educadas de
modo informal, sem a divisão dos conhecimentos em currículos. Mas o que havia
em comum era a presença do professor.
Estima-se que por volta de 4.000 anos a.C
os sumérios – um povo que habitava uma região ao sul da Mesopotâmia –
desenvolveram a escrita cuneiforme, considerada uma das primeiras formas de
escrita. O saber escrever era ensinado em casa de pai para filho.
Os ricos, como sempre, pagavam os
preceptores, pessoas de notável saber que acompanhavam seus filhos no processo
de aprendizagem relacionados a questões dos seus interesses.
Até as escolas modernas, as primeiras
escolas eram locais modestos, onde os mestres ensinavam às crianças noções de
lógica, gramática, física, poesia, música… durando séculos esse modelo.
Na verdade, as primeiras escolas resultaram
de instituições de caridade, geralmente católicas, que ensinavam a ler,
escrever, contar e ao mesmo tempo transmitiam as lições do catecismo.
Essa noção de que aprendizado anda junto
com religião perdura até hoje. A mídia é plena de notícias de considerada
revolta quando a escola retira um crucifixo que estava pregado na parede da
sala de aula, como se essa questão fosse fundamental para os objetivos da
aprendizagem dos seres humanos.
Em 1554 foi fundada a primeira escola no
Brasil, em Salvador, pelos Jesuítas, e posteriormente em São Paulo, cuja data
também marca a fundação da cidade. Ensinava-se a ler, escrever, matemática e
doutrina católica.
Mas, para além do ensinar a ler e escrever,
qual o objetivo da educação para a escola? O que aprendemos com alguns
pensadores, educadores brasileiros que muito fizeram para que o nosso país
tivesse uma educação pública de qualidade?
“As novas responsabilidades da escola eram,
portanto, educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens
dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro;
e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade.
Para isso, seria preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova
visão da psicologia infantil”. (Marcio Ferrari à respeito das ideias de Anísio
Teixeira, o inventor da escola pública brasileira)
Para Darcy Ribeiro, a Educação de qualidade
viria com os CIEPs. “O projeto teve como objetivo oferecer às crianças uma
educação de qualidade que transcendia os bancos escolares, agregando atividades
culturais e esportivas, acompanhamento médico e odontológico, com refeições
balanceadas e saborosas, professoras capacitadas, equipamentos modernos,
princípios de higiene e acesso aos livros. Para as crianças sozinhas existiam
os “pais sociais”. Era uma revolução. Para Darcy, uma escola “comum,
ordinária, de todo o mundo civilizado”, porém, dentro da realidade brasileira.
O projeto de prover o Brasil de um sistema
de ensino de qualidade para crianças e jovens sonhado por Darcy Ribeiro não se
realizou de forma duradoura, mas é inegável a importância que representou para
a Educação no Brasil. Durante alguns anos, em um esforço hercúleo, funcionou
uma rede de escolas e bibliotecas que poderia ter sido o diferencial para a
sociedade brasileira. A experiência dos CIEPs comprovou ser possível ampliar
para todos, em especial para a parcela majoritária dos grupos menos
favorecidos, um ensino de qualidade voltado para a formação de cidadãos bem
formados e críticos. Porém, como Darcy vaticinou: ”A crise da educação no
Brasil não é uma crise, é um projeto”. Ana Lígia Medeiros
Para Paulo Freire, a educação pode
transformar pessoas que conseguem ler o mundo e transformá-lo… por meio de uma
transformação cultural e da práxis transformadora de todos os cidadãos no
exercício da cidadania. Para ele, a educação é ato de amor, de coragem e se
funda no diálogo. O debate no diálogo enriquece a vida e faz avançar a
consciência sobre si e o coletivo.
“Em Paulo Freire, a abordagem da educação
não é unilateral. Não há uma relação linear de poder, mas um processo dialético
em que educador e educando estão imersos numa aventura de descoberta
compartilhada. Por isso é [a educação] uma concepção revolucionária,
comprometida com a libertação humana” (GAYATO, 1989, p. 12).
Voltando à questão professor/criança,
objeto desta minha reflexão em tempos tão áridos, há uma clara necessidade
neste país – já refletida e reconhecida por muitos – de que é preciso reconhecer
e valorizar a importância dessa relação, porque é dela que poderemos
realimentar a nossa essência numa sociedade cada vez mais em constante
construção e desconstrução de valores, saberes, amores, conhecimentos, astúcias
e dominações.
Paulo Freire trata muito bem dessa questão
em seus escritos. “Em Paulo Freire, a abordagem da educação não é unilateral.
Não há uma relação linear de poder, mas um processo dialético em que educador e
educando estão imersos numa aventura de descoberta compartilhada. Por isso, é a
educação uma concepção revolucionária, comprometida com a libertação humana (In
A EDUCAÇÃO EM PAULO FREIRE COMO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO-Idanir e Arnaldo.
No entanto, vale a opinião de Darcy, quando
falava: “Uma coisa que sempre cogito, que sempre estou me perguntando, como é
que o Brasil conseguiu ser tão ruim em educação e continua sendo tão ruim em
educação? A única explicação que tenho é que é um defeito da nossa classe
dominante. A nossa sociedade é uma sociedade enferma de desigualdades. Suponho
que a causa básica está em que somos descendentes dos senhores de escravos.
Fomos o último país do mundo, nós e Cuba, a acabar com a escravidão e a
escravidão cria um tipo de senhorialidade que se autodignifica, que se acha
branca, bonita, civilizada, come bem, é requintada, mas que tem ódio do povo,
trata o povo como carvão para queimar. Então, na realidade, é uma classe
dominante de filhos de senhores de escravos que vê o povo como a coisa mais
reles, não tem interesse em educar o povo e também não tem interesse em que o
povo coma”.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário