O Globo
É um tema que trata de uma questão íntima,
mas se tornou um grande debate político: a distribuição gratuita de absorventes
para estudantes pobres, presidiárias, mulheres em situação de rua. O projeto é
de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE) e foi vetado por Bolsonaro.
Desde a década de 1960, alguns homens, como
eu, foram alertados sobre a importância da menstruação na psicologia feminina.
A aparição do livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo” nos despertou para
essa e outras importantes realidades da vida da mulher. Lembro-me de sua
célebre frase: é difícil sentir-se uma princesa com um pano ensanguentado entre
as pernas.
O projeto aprovado na Câmara não se limita
apenas ao marco psicológico da menstruação, mas também a sua dimensão social e
econômica: milhares de estudantes pobres deixam de ir à escola por falta de
absorventes adequados.
De uma certa maneira, o tema já foi discutido na administração de Fernando Haddad em São Paulo e no próprio governo Dilma. Não prosperou. Com o avanço da presença feminina na Câmara, foi possível aprovar o projeto, mas não está havendo, acho eu, o debate necessário com Bolsonaro.
Muitas mulheres afirmam, com razão, que, se
os homens menstruassem, o caminho do projeto seria mais fácil. Não se pode
aplicar o argumento à Câmara, onde a ideia triunfou apesar da maioria
masculina.
Mas é aplicável a Bolsonaro, e há
argumentos para isso. Quem acompanha, como eu, as declarações dele, sabe que,
em muitos momentos, revelou preocupação com a higiene íntima masculina.
Talvez pela experiência em quartéis com
soldados pobres e menos escolarizados, Bolsonaro acha que esse problema deveria
ser abordado pelo governo. Segundo ele, por falta de água, sabão e uma campanha
educativa, muitos homens deixam de lavar adequadamente o pênis, expondo-se a
doenças e mutilações.
Bolsonaro não lê meus artigos, não ajudam
sua autoestima, mas alguma pessoa próxima poderia despertar sua consciência,
estimulando-o a abordar as duas questões simultaneamente e a financiá-las pelo
SUS. Esses atalhos que o diálogo propicia são praticamente impossíveis no
Brasil de hoje. Quase não se discute verdadeiramente.
Estou muito sensível a esse impasse porque
leio no momento um interessante livro chamado “A armadilha da inteligência”, de
David Robson.
A tese do autor é que pessoas inteligentes
às vezes fazem coisas estúpidas, às vezes porque partem de um forte viés
político, às vezes porque acham que sabem demais — enfim, é um longo estudo
sobre o funcionamento do cérebro.
A parte que me interessa destacar: a
tecnologia acaba dificultando nossa capacidade de raciocínio por causa do
volume de informações que nos traz e, com ele, o hábito de navegar rapidamente
entre elas. No momento em que discutimos o bombardeio de fake news, vale a pena
examinar o combate por outro ângulo. Discutimos leis e mecanismos de controle.
Nos Estados Unidos, já existem alguns
cursos universitários que ensinam a refletir sobre os fatos: quem disse isso,
quais são suas fontes, quais as evidências, existem visões alternativas? — são
algumas perguntas que, ao lado de mostrar lógicas falaciosas, também introduzem
o aluno na leitura das estatísticas.
Em alguns casos, são estudadas as técnicas
mais avançadas para enganar as pessoas. Um clássico exemplo é a indústria do
cigarro, que financiou uma poderosa campanha para negar os efeitos do tabaco na
saúde humana.
Essa tática foi transplantada para a
negação do aquecimento global e esteve muito presente também não só no
movimento antivacina, mas em vários aspectos da pandemia de coronavírus.
Alguns analistas com que concordo acham que
será impossível escapar completamente das fake news, simplesmente porque não há
tempo de examinar com um olhar crítico toda a informação que nos chega. Essa
digressão foi apenas para acentuar que uma das maneiras de contornar os
aspectos odiosos da polarização política não passa apenas pela crítica aos
atores do processo.
Por meio da rapidez e do estímulo ao
conflito, as grandes plataformas digitais envenenaram o mundo. O problema é
como sair dessa.
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