terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Cristovam Buarque* - "contrarrevolução"

Correio Braziliense

O Brasil atravessa uma contrarrevolução: retrocessos no padrão civilizatório. A eleição de um ministro evangélico para o Supremo Tribunal Federal poderia ser sinal de avanço se o novo ministro tivesse dito que sua escolha era vitória da República laica ao quebrar o predomínio histórico do catolicismo. Mas a comemoração em função de sua denominação religiosa indica passo atrás no que deveria ser um passo à frente.

Quebrar o quase monopólio católico seria um avanço, dividir o Supremo por religião é atraso. Ainda mais se o novo ministro servir para compor aliança contra as outras denominações que compõem o imaginário religioso brasileiro: as matrizes africanas, o judaísmo, o islamismo, o budismo e o pensamento ateu. Um ministro evangélico não ameaça conquistas, mas reconhecer que se fez ministro por ser "terrivelmente evangélico", e não por ser "terrivelmente jurista" pode indicar parte de uma contrarrevolução em marcha.

Merval Pereira - Guerra de narrativas

O Globo

A verdade, como definiu o austríaco Karl Popper, é inalcançável, o mais perto que se chegue dela é insuficiente. Mas é possível saber quando se apresenta o falso. Outro dia, Ruy Castro escreveu sobre a mudança no sentido das palavras nos dias de hoje, e a mais política delas é “narrativa”, que ganhou a conotação de uma versão falsa sobre determinado assunto. Pois estamos em meio a uma guerra de narrativas na disputa presidencial, que se tornará cada vez mais acirrada à medida que a campanha eleitoral acelere.

Os três candidatos que aparecem à frente nas pesquisas de opinião —Lula, Bolsonaro e Sergio Moro — estão envolvidos nos mesmos episódios históricos que serão determinantes na decisão do eleitor, e as narrativas se sucedem, às vezes coincidentes entre dois deles, para tentar desmoralizar o adversário, às vezes disparatadas entre si.

Carlos Andreazza - O pouso alegre dos Pachecos

O Globo

Deu neste GLOBO, no último sábado, em reportagem de Patrik Camporez: “Retomada da execução do orçamento secreto privilegia aliados do governo e do Congresso”.

Era só o que a cúpula do Parlamento e o Planalto, mas sobretudo a dupla Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, buscavam com, respectivamente, o ato e o decreto que propuseram ao Supremo, ambos com a declarada — e falsa — intenção de dar transparência às emendas do relator: garantir a circulação discricionária dos dinheiros já empenhados no Orçamento de 2021 e assegurar que a máquina do orçamento secreto gire no ano eleitoral de 2022. Conseguiram, os senhores do orçamento público.

Com todos os olhares presos ao debate sobre transparência no manejo desses recursos orçamentários, transparência prometida para futuro vago, e dificultada relativamente ao passado, afinal formalizado o conceito público da meia transparência, passou despercebida a dimensão autocrática da emenda do relator, que distribui bilhões ao arrepio da equitatividade — para uns, porque votam comigo, e não para os outros.

Míriam Leitão - A truculência do ataque à imprensa

O Globo

Não é normal nem aceitável que um brutamontes, ostentando uma arma no coldre, ameace bater em jornalistas porque eles estão tentando entrevistar o presidente da República. Não é normal nem aceitável que uma repórter seja agarrada pelo pescoço por um segurança presidencial, naquele golpe chamado “mata-leão”. São servidores com salários pagos com os nossos impostos e só estão em torno de Jair Bolsonaro em atos de campanha antecipada porque ele exerce a Presidência. Proteger o presidente não é o mesmo que atacar os jornalistas. E os seguranças têm essa liberdade porque são estimulados pela violência do próprio presidente da República.

Vai começar um ano tenso, em que Bolsonaro vai escalar as agressões, porque ele é assim e porque ele está em desvantagem nas intenções de voto. Já sabemos que usará a encenação de valentia contra repórteres desarmados para animar os seus seguidores mais destemperados.

Zuenir Ventura - As agressões e os prêmios

O Globo

Equipes da TV Aratu, afiliada do SBT, e da TV Bahia, afiliada da Globo, foram agredidas por seguranças e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro neste domingo em Itamaraju, no sul da Bahia, região fortemente atingida pelas chuvas da última semana. O repórter Chico Lopes, da TV Aratu, levou tapa de um funcionário da segurança do presidente. Enquanto ele ameaçava os jornalistas, um apoiador de Bolsonaro furtou o microfone da repórter Camila Marinho, da TV Bahia. Em defesa da colega, Chico reagiu e foi ofendido pelo homem, que, contido por pessoas próximas, seguiu, de longe, proferindo ameaças e ofensas. Bolsonaro chegou a pedir calma ao segurança.

O que há de novo nessas cenas, que repetem um pouco os encontros do presidente com jornalistas — basta lembrar a recente visita a Roma —, é o emprego pela primeira vez do mata-leão, um tipo de estrangulamento usado nas artes marciais japonesas que consiste em imobilizar o oponente pelas costas. Camila Marinho chegou a sofrer o golpe.

Alvaro Costa e Silva – Os reis do garimpo

Folha de S. Paulo

Governo promove farra do garimpo de ouro na Amazônia

Para quem já admitiu que "o garimpo é um vício, está no sangue", o compadre Grota deve ser um herói, merecedor de ocupar a galeria dos maiorais, ao lado do ditador Augusto Pinochet, do torturador Brilhante Ustra e do Major Curió, também torturador e líder garimpeiro.

Compadre Grota é o nome de guerra de Heverton Soares, um dos narcotraficantes —o outro é Silvio Berri Júnior, ex-piloto de avião de Fernandinho Beira-Mar— apontados pela Polícia Federal como chefes de organizações criminosas no Pará e que ganharam do governo o direito de explorar uma área de mais de 810 hectares de garimpo de ouro.

Cristina Serra - Três meninos do Brasil

Folha de S. Paulo

Um país que não protege suas crianças, como as de Belford Roxo, morre com elas

Eles se chamavam Lucas, Alexandre e Fernando Henrique, tinham entre 8 e 11 anos de idade, moravam em Belford Roxo, Baixada Fluminense. No fim de 2020, saíram de casa para jogar bola. Nunca mais voltaram. Quase um ano depois, a polícia informa que eles foram torturados e assassinados por terem furtado dois passarinhos do tio de um traficante.

A história dos três meninos é de um grau tão desmedido de barbárie que é até difícil pensar e escrever sobre ela. Porque dói pensar sobre o Brasil em que Lucas, Alexandre e Fernando Henrique viviam. A brutalidade interrompeu a vida deles num cruzamento entre miséria, desigualdade, violência, crime, abandono, indiferença e tudo o mais que compõe o cenário onde parte da sociedade brasileira, majoritariamente pobre e negra, é largada aos deus-dará. "E se Deus não dá?", pergunta a canção de Chico Buarque.

Robert L. Funk* - O Chile e o problema da nova esquerda

O Estado de S. Paulo.

Uma análise da plataforma eleitoral de Gabriel Boric revela poucos indícios de radicalismo

No calor do debate eleitoral, é comum escutar opositores do candidato presidencial chileno Gabriel Boric acusá-lo de ser “controlado pelos comunistas”. Alguns dizem que, apesar de gostar de Boric pessoalmente, “o problema é quem está em seu entorno”. Esses comentários ressoam uma antiga antipatia contra o Partido Comunista do Chile, permitindo que oponentes classifiquem Boric como um político de extrema esquerda e definam a eleição como uma batalha entre dois extremos.

O curioso dessa dinâmica é que ela tenta colar em Boric políticas e atitudes que claramente não lhe pertencem. Como representante de uma nova esquerda no Chile, Boric tem criticado há muito a centro-esquerda que governou o país por grande parte das três últimas décadas, acusando os políticos desse campo de serem tímidos demais e “neoliberais”. Mas, ao mesmo tempo, Boric também tem se mostrado disposto a questionar a implícita atitude de superioridade moral que emerge de sua geração.

“Há realmente uma impressão na minha geração”, afirmou ele, em 2017, “de que a história começou em 2011. A Frente Ampla deve ter cuidado para manter a política no campo da política, não da moral.”

Como resultado, Boric tem se oposto com frequência a posições que o Partido Comunista sustenta (ou vice-versa) – como a oposição de Boric aos regimes venezuelano, cubano e nicaraguense ou seu apoio ao pacto multipartidário que colocou em marcha a atual Assembleia Constituinte no Chile.

Eliane Cantanhêde - Eleição de 2022 será campeonato de rejeições

O Estado de S. Paulo.

A eleição de 2022 não será para construir horizontes, será para destruir adversários

Foi-se o tempo em que os brasileiros discutiam quem consideravam o melhor candidato, mais experiente, preparado, confiável, honesto e, só de quebra, davam uma estocada nos que não gostavam de jeito nenhum. Agora, os eleitores só criticam, atacam, quando não odeiam. A eleição de 2022 será um campeonato de rejeições.

Esse movimento começou, ou se intensificou, em junho de 2013, com os protestos espontâneos contra tudo e contra todos, embalados pela internet e ao largo dos partidos políticos. A negação da política deu no que deu, mas só piora.

Novas pesquisas deverão confirmar, nesta semana, altos índices de rejeição. O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, teve 59% e foi o campeão nesse quesito no Datafolha de setembro. Tudo é possível, mas é difícil um candidato com esse índice vencer no final.

Ana Carla Abrão - O Brasil não merece a insistência em erros

O Estado de S. Paulo.

O Brasil não merece insistir nos mesmos erros, estejam eles à direita ou à esquerda

Não é de hoje que o Brasil decepciona. Já se vão décadas. Mesmo em períodos em que alguns acreditavam que estávamos a brilhar, embalados pela ilusão do pré-sal e pelo boom dos preços das commodities, falhamos. Desperdiçamos a oportunidade de avançar e nos afundamos na corrupção. Comparados aos nossos pares emergentes, cuja renda per capita cresceu 5,12% entre 2003 e 2011, comemoramos 2,94% de crescimento sem olhar para o lado e ver que o mundo também crescia e, de forma acelerada, nos deixava para trás. Entre 2012 e 2021 a diferença se consolida com a retração de 0,54% do PIB per capita frente aos 3,28% de crescimento nos nossos pares.

Nesse período, apesar do sucesso dos programas de transferência de renda no Brasil, em particular do Bolsa Família, a redução da pobreza foi muito mais intensa nos outros países emergentes, em particular na China, que retirou mais de meio bilhão de chineses da miséria. Nos números da desigualdade, a queda quase contínua que se observa desde o pósreal foi revertida a partir de 2014. Daí em diante só se agravou, com a pá de cal sendo a pandemia, que tornou mais pobres os pobres. Devolvemos o que levamos décadas para, a duras penas, melhorar.

Andrea Jubé - De Médici para Alckmin: apressa-te lentamente

Valor Econômico

Getúlio também ganhou apelido de “chuchu” na eleição

A paciência é uma virtude para poucos. Exercida com sabedoria, pode converter-se em arte, como os afrescos de Giorgio Vasari no Palazzo Vecchio, em Florença.

No século XVI, o duque Cosme I de Médici encomendou a Vasari um mural que representasse seu modo de agir e pensar como governante. O resultado foram tartarugas com velas enfunadas pelo vento sobre suas carapaças.

Os insólitos desenhos estão acompanhados de uma inscrição latina: “festina lente”, atribuída ao imperador Augusto. A tradução é uma contradição: apressa-te lentamente.

A tartaruga simboliza a lentidão e as velas ao vento, a velocidade. Na concepção do duque florentino, esse paradoxo é uma aula de política: o governante deve pensar e refletir antes de agir.

Fabio Graner - Custo do trabalhador está muito baixo no Brasil

Valor Econômico

Pandemia agravou trajetória que já era de queda no país

Mesmo com recuperação neste ano, a mão de obra brasileira ainda está com um custo bem barato em termos históricos. Calculado pelo Banco Central, o chamado Custo Unitário do Trabalho (CUT) fechou outubro em 90,6 pontos. A alta é de 26,3% em 2021, mas está bem abaixo da média histórica (110,1 pontos) e também do período entre 2015 e a pandemia (118,4 pontos), quando esse indicador já teve um ajuste relevante para baixo.

O CUT é um dos elementos de análise do ambiente para as empresas em um país. Seu movimento reflete uma combinação de fatores. Um dos motivos para o indicador seguir abaixo dos seus níveis históricos é a taxa de câmbio, pois ele é calculado em relação ao dólar. A outra razão é a perda de renda de boa parte dos trabalhadores que segue em curso, mesmo parcialmente dissipada neste ano com o arrefecimento da pandemia.

Maria Clara R. M. do Prado - Taxa de câmbio e eleição

Valor Econômico

O ambiente de recessão tende a bater de novo à porta, sendo que agora em um quadro eleitoral que promete emoções

Há consenso de que o país deve vivenciar em 2022 uma das mais tumultuadas eleições majoritárias dos últimos tempos. No cenário político que já se advinha confuso, o preço mais importante a ser acompanhado, com potencial de comprometer ainda mais os fundamentos da economia brasileira, será a taxa de câmbio.

Como qualquer outro preço que se forma a partir das forças do mercado, o valor do real face ao valor das demais moedas fortes, aquelas que detêm o inabalável poder da conversibilidade, tende a seguir em processo de forte desvalorização. Já em princípio, estará contaminado pelo aumento da inflação interna que por sua vez carrega as expectativas da deterioração fiscal em uma fase complicada de interrupção das cadeias de suprimento, além dos altos custos de produção provocados em boa parte, justamente, pela perda do poder de troca cambial do real desde o início da pandemia.

O que pensa a mídia - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Passaporte forçado

Folha de S. Paulo

Medida contra a Covid é correta, mas vem do STF em meio a tensão com Bolsonaro

Jair Bolsonaro esperneou a fim de evitar que seu governo exigisse certificado de vacinação de viajantes que pretendam entrar no Brasil. Vociferou contra o dito passaporte, que chamou de "coleira", e mais uma vez contestou os benefícios da imunização contra a Covid-19.

Dedicou-se, como de hábito, a atacar princípios de razão, prudência e boa administração. Acabou sendo vencido duas vezes.

Pressionado pelos próprios ministros, permitiu a edição de uma portaria que exige testes negativos e certificados de vacinação de quem viaje para o Brasil por via aérea ou terrestre. Na falta do documento de imunização, quem pretenda entrar no país por aeroportos terá de se submeter a uma quarentena de cinco dias.

Os viajantes devem, além do mais, apresentar uma declaração escrita de que concordam com essas e outras políticas sanitárias. A portaria entraria em pleno vigor no sábado (11). Seus efeitos foram suspensos devido ao ataque de hackers a sites do Ministério da Saúde, o que impossibilitou o acesso aos certificados de vacinação.

De todo modo, era evidente a insuficiência da decisão, pois não se esclareceu como os turistas seriam triados nem como a quarentena seria cumprida e fiscalizada.

Poesia | Fernando Pessoa - Ode marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É — sinto-o em mim como o meu sangue —
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui…

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.

Música - Oh Bela - Capiba - Orquestra e Coro RCA Victor

 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Marcus André Melo – ‘Postos Ipirangas' em outras democracias?

Folha de S. Paulo

Possíveis ministros da Fazenda tornam-se ativos nas campanhas eleitorais

Moro anunciou Pastore como conselheiro para assuntos econômicos; Doria entronizou Meirelles no mesmo papel. Guedes vem cumprindo o papel de posto Ipiranga de Bolsonaro. Economistas garantidores da credibilidade de governos. Existe este papel em outros países?

Mark Hallerberg (Hertie) e Joachim Wehner (LSE) investigaram a seleção de titulares de Ministérios da Fazenda e dos Bancos Centrais em 40 democracias. A base de dados contém informação sobre 427 chefes de governo, 537 ministros da Fazenda e 212 presidentes de Banco Centrais, e se estende por 50 anos.

A base revela surpresas: muitos ministros da Fazenda não são economistas. Gordon Brown, titular da pasta sob Tony Blair, era formado em história. Este padrão é mais frequente sob o parlamentarismo —sobretudo em governos de coalizão— no qual o gabinete é formado por parlamentares. Um quarto dos ocupantes da pasta possuía titulo de PhD em economia. Mas no Chile, na Polônia e no México, todos o possuíam; na Espanha, na Grécia e em Portugal, eram mais de 2/3. Quanto mais estável e rica a democracia, maior a probabilidade de não economistas e executivos financeiros no cargo.

Celso Rocha de Barros – A chapa Lula / Alckmin: precisa?

Folha de S. Paulo

Ter um vice como Alckmin ajudará a retomada de políticas progressistas

Na coluna de 7 de novembro, escrevi que acho uma boa ideia a chapa Lula/Alckmin para a eleição presidencial de 2022. Na época, não tinha muita expectativa de que a aliança de fato acontecesse. Talvez eu tenha perdido a capacidade de reconhecer boas notícias, ou talvez tenha medo demais de um novo surto de estupidez antipolítica.

De qualquer forma, a probabilidade de que a aliança aconteça subiu muito neste último mês. No momento, o principal obstáculo parece ser a escolha do candidato para o Governo de São Paulo. É algo perfeitamente negociável entre adultos.

Catarina Rochamonte - Vacina, passaporte e bom senso

Folha de S. Paulo

As polêmicas quanto à comprovação de imunização são principalmente ideológico-culturais

O que parece uma restrição legítima da liberdade para alguns, afigura-se como cerceamento dos direitos individuais para outros; o que parece uma simples regra sanitária para uns é considerada uma aberração autoritária por outros. Nem uns nem outros precisam ser rotulados e condenados por expor sua opinião.

Há que se considerar, porém, que o interesse coletivo é prioritário em situações calamitosas como a de uma pandemia, situação na qual o indivíduo que sofre algum cerceamento de suas vontades precisa alargar sua compreensão para a necessária consideração do bem comum.

Ruy Castro - Chovendo pacas ---não o bicho

Folha de S. Paulo

Ninguém mais faz. Entrega. Ninguém mais se coloca. Posiciona-se. A língua se cafoniza

Narrativa, até há pouco, era uma narração, uma história, um conto. "Os Lusíadas", de Camões, era uma narrativa poética; "Dom Casmurro", de Machado de Assis, uma narrativa de ficção; "Os Sertões", de Euclides da Cunha, uma narrativa histórica. Mas a palavra caiu para a 2ª divisão. Narrativa é agora uma história fabricada, que se tenta impor como verdade, e assim a tratam os políticos. Quando um deles é acusado de roubar ou mentir, diz que isso é uma "narrativa". Claro que essa resposta também é uma "narrativa".

Bruno Carazza* - Para inglês ver

Valor Econômico

Agenda pública de encontros com lobistas só virá depois das eleições

Na primeira metade do século XIX, por razões humanitárias e também econômicas, a Inglaterra, então senhora do mundo, passou a exercer grande pressão política para que os nascentes Estados americanos coibissem o tráfico negreiro. Para atendê-la, em 1831 e 1850 o Império brasileiro editou leis proibindo primeiro a entrada e depois o comércio ultramarino de escravos africanos.

Sem fiscalização, contudo, as normas não surtiram resultado. Essa seria a origem da expressão “para inglês ver”, que designa iniciativas governamentais lançadas para mostrar serviço, mas que na verdade não terão efetividade alguma.

No dia em que se comemorou o Dia Internacional contra a Corrupção (9/12), o presidente Jair Bolsonaro publicou o decreto nº 10.889/2021, que institui o Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal, batizado de e-Agendas. A iniciativa é boa, pois constitui mais um passo num esforço que remonta ao governo Fernando Henrique - aprimorado depois por Lula, Dilma e Temer - de tornar públicas as agendas de ministros, secretários e outras autoridades.

Sergio Lamucci - Os efeitos dos juros de dois dígitos

Valor Econômico

A forte alta da inflação mudou radicalmente o panorama para os juros, o que terá consequências importantes para a atividade econômica e para o custo da dívida pública

A economia brasileira entrou em 2021 com juros básicos de 2% ao ano e chegou a dezembro com a Selic em 9,25%. Nos primeiros meses de 2022, a taxa continuará a subir, podendo alcançar um nível próximo a 12%. A forte alta da inflação, devido a fatores externos e domésticos, mudou radicalmente o panorama para os juros, o que terá obviamente consequências importantes para a atividade econômica e para o custo da dívida pública no ano que vem - e também para os anos seguintes, caso o próximo governo não adote um programa fiscal crível, que enfrente o crescimento das despesas obrigatórias.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Brasil: um país que anda para frente

Valor Econômico

País viveu nos últimos 50 anos um incrível processo de reformas estruturais tanto na economia como na estrutura social

Tenho procurado nas minhas colunas para o Valor equilibrar uma análise crítica dos problemas que enfrentamos na economia com uma visão construtiva sobre as mudanças estruturais que ocorrem há várias décadas e que têm permitido ao Brasil superar suas crises sequenciais. Nos últimos meses este exercício tem sido muito difícil pois vivemos um Zeitgeist ultra negativo principalmente entre os agentes do mercado financeiro e parte da imprensa especializada.

Tenho maturidade e experiência suficiente para entender a razão deste comportamento crítico sobre as coisas da economia. Ele está associado a uma rejeição muito forte à forma de governar do presidente Bolsonaro e, de seu “alter ego” na economia, o ministro Paulo Guedes. O então todo poderoso Posto Ipiranga parece, no momento, um fantasma acuado pelo fracasso de sua gestão da economia neste final de mandato presidencial.

Seu erro inicial foi ter criticado seus antecessores ao dizer que iria mostrar à sociedade como deve agir um ministro da Economia reformista e compromissado com o pensamento liberal. Sua afirmação que mais o desmoralizou foi a crítica radical às chamadas privatizações tucanas e a promessa de obter mais de US$ 1 trilhão em uma nova rodada de privatizações. Mas vamos deixar o ministro Paulo Guedes vagar solitário em seus domínios no Ministério da Economia em Brasília e voltar ao tema central de minha coluna de hoje.

Carlos Pereira - O vai e vem da justiça

O Estado de S. Paulo

Oscilações na interpretação das regras aumenta a desconfiança no Poder Judiciário

Ao longo dos últimos anos o Brasil tem vivido uma verdadeira montanha russa com idas e vindas em decisões judiciais controversas, especialmente relacionadas a casos de corrupção.

O começo do cumprimento da pena, inicialmente admissível apenas após o trânsito em julgado, tornou-se possível depois de uma condenação em segunda instância, mas, recentemente, retornou ao trânsito em julgado; as condenações de LulaEduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves foram anuladas; os crimes de corrupção associados a caixa dois, antes de competência da justiça criminal, são agora da justiça eleitoral; o compartilhamento de dados bancários e fiscais do Coaf e da Receita com a PF e MP passou a depender de prévia autorização judicial, etc.

Como confiar na Justiça diante de tamanha oscilação das suas próprias decisões? O ambiente de polarização política tem piorado ainda mais essa situação, pois a confiança das pessoas nas decisões judiciais não é livre de viés. Ou seja, a aparente racionalidade das pessoas para confiar ou não na Justiça pode ser motivada pela congruência da sua ideologia com a do acusado.

Simone Tebet* - É preciso coragem porque navegar é preciso

O Estado de S. Paulo

País carece de soluções concretas para os problemas reais, pois maioria dos brasileiros está cansada de falsos profetas e promessas

Passamos pela fase mais aguda da pandemia de covid-19, que já ceifou 615 mil vidas no Brasil, mas ainda enfrentamos tormentas e águas revoltas. O presente envelheceu rápido, trazendo inflação, baixíssimo crescimento econômico, falta de emprego e renda. Trouxe descrença e semeou desesperança. A expectativa de uma vida melhor demora a aparecer no horizonte.

Somos uma nação que em breve completará 200 anos de independência, mas que ainda sofre com problemas de séculos passados. Dentre todos, o pior é a vergonhosa fome. As nossas ruas são um espetáculo desolador de miséria e tristeza. Como seguir adiante? Eu acredito que é preciso coragem. Como ensinou o saudoso Dr. Ulysses Guimarães, navegar é preciso!

E navegar não é só uma licença poética. Longe disso. É preciso materializar soluções para os problemas reais, porque a imensa maioria dos brasileiros está cansada de falsas promessas e de falsos profetas. Não podemos continuar reféns de demagogos, de extrema direita ou de esquerda.

O Brasil não quer mais o velho e ultrapassado “nós contra eles”. A polarização chegou a limites inaceitáveis. Com seus caminhos alternativos, o vírus do negacionismo se alastra. Traz descrença e medo. O povo não sabe em quem acreditar e passa a duvidar da sua maior força: o voto. Nasci no auge da ditadura. Cresci assistindo aos movimentos pró-redemocratização. Foi quando comecei a navegar. E tinha esperança!

Fernando Gabeira - Um passaporte para o absurdo

O Globo

O ano se encerra com mais uma das melancólicas polêmicas entre o negacionismo e a ciência. O tema, estimulado pela variante Ômicron, é a exigência de um passaporte sanitário para a entrada de estrangeiros no Brasil.

Bolsonaro é contra e disse que a Anvisa queria fechar o espaço aéreo brasileiro, uma conclusão absurda diante de um conselho mais que sensato. O ministro da Saúde foi mais longe com sua frase bombástica: “É melhor perder a vida do que a liberdade”.

Não dá para argumentar com pessoas tão fora da realidade. São tão malucos que diziam no princípio que o passaporte sanitário era ruim para a economia.

Acham que os turistas preferem mesmo os lugares onde não há preocupações sérias com a segurança. Supõem que a maioria das pessoas prefere viajar num mesmo avião com passageiros não vacinados e compartilhar hotéis, restaurantes, passeios com esses mártires da liberdade, que, na verdade, preferem morrer a se vacinar.

Demétrio Magnoli - Floyd, branco

O Globo

‘Temos de estar atentos ao discurso da direita. Por que essa gente voltou a convencer uma parcela da sociedade?’, indagou Lula num evento do partido espanhol Podemos, durante sua recente turnê europeia. A pergunta, sábia, tem abrangência internacional. Há, claro, inúmeras respostas não excludentes. Uma delas emerge da constatação de que George Floyd não é, necessariamente, negro.

Em 2020, das 1.021 pessoas mortas pelas polícias dos EUA, 459 eram brancas, 241 negras e 169 hispânicas. Não foi um ano atípico: estatísticas similares repetem-se com regularidade. Contudo contrastam com a percepção de que o uso de força letal pela polícia americana é um problema da minoria negra. Floyds têm todas as cores — e, na sua maioria, são brancos.

Mirtes Cordeiro* - Harald Schistek, um austríaco que aprendeu a conviver com o semiárido

“A Convivência com o semiárido exige igualdade de condições na partilha da vida entre os humanos e os demais seres vivos que habitam o bioma caatinga.” Assim se referia Haroldo, como era conhecido popularmente por homens, mulheres e jovens que praticam a agricultura familiar na região de Juazeiro, na Bahia.

A quinta-feira (09 de dezembro) foi marcada pela morte abrupta de Harald Schistek, nascido em Viena, na Áustria, no dia 13 de janeiro de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial. Radicado no Brasil na década de 70 do século passado, dedicou 45 anos da sua vida a estudar e ensinar como se conviver com o semiárido brasileiro.

Teólogo pela Universidade de Salzburgo, Áustria, e agrônomo pela Universidade de Agricultura de Viena e pela Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco, na Bahia, escolheu o município de Juazeiro para fazer moradia com Dulce, sua esposa, e Débora, sua filha. Juntamente com o bispo D. José Rodrigues e outros companheiros fundou, em 1990, o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPPA), uma ONG que tem como objetivo promover ações “com soluções eficazes, que respeitem as características do povo e das terras da região, descobrir os recursos e as possibilidades existentes, reconhecer que é uma região diferente de outras regiões brasileiras, onde se pode viver bem, convivendo com as diversidades climáticas”. (IRPAA)

O que pensa a mídia - Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Constitucionalização da infâmia

O Estado de S. Paulo.

A ideia de que a subversão da ordem jurídica e o abandono da âncora fiscal eram indispensáveis para ajudar os pobres é falsa, e os pobres pagarão por isso

O Congresso promulgou parte da PEC dos Precatórios. Convenientemente, foi deixada de fora a emenda aprovada pelo Senado que vincula os espaços fiscais adicionais exclusivamente a gastos sociais. O heterodoxo “fatiamento” coroa a manobra que nasceu antirrepublicana não só nos meios, como nos fins.

Consolidou-se, não apenas no Planalto e no Congresso, mas em parte da opinião pública, a ideia de que o teto de gastos era um fetiche liberal insustentável. Ironicamente, posicionar-se contra a PEC do presidente que outrora vilanizava sistematicamente os programas de assistência social equivaleria a ser antipobre. Era preciso escolher o mal menor: ou o calote e a pedalada ou o abandono de milhões à miséria. Essa narrativa foi desmentida reiteradas vezes pelos especialistas em contas públicas.

Não é apenas que o governo tenha negligenciado desde o princípio promessas obtusas da campanha que poderiam ter aliviado os pobres ou gerado espaço fiscal, como a implementação de uma tributação mais progressiva ou uma reforma administrativa que tornasse a máquina pública mais eficiente e menos onerosa. Nem que tenha ignorado propostas parlamentares projetadas para compatibilizar novos gastos sociais com a sustentação do arcabouço fiscal, como a PEC 182/19 ou o Projeto de Lei de Responsabilidade Social.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O Sobrevivente

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Música | Alceu Valença - Flor de Tangerina

 

domingo, 12 de dezembro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Implicações do aborto do centro: uma pauta para análise

Esta coluna celebra um ano neste sábado. Por isso (ritos importam) não poderia deixar de reaparecer após duas semanas de recesso forçado. A celebração é uma teima. Quarenta e quatro artigos e áudios depois, o horizonte político brasileiro está mais nublado. Havia, há um ano, vislumbre democrático. Na inquietude da combinação de pandemia e golpismo, a esperança de que, passado o infortúnio, a sociedade e a política acertariam o passo, domariam os demônios e preparariam a reconstrução do país. O pior da peste passou, mas não há sinal visível de reconstrução, inércia agravada pelo tempo que encurtou. As eleições já despontam na esquina, mas a política perde o timing e capitula. A sociedade dá de ombros e o eleitorado tira a raiva do armário onde o medo a havia guardado. Nesse vácuo, refaz-se o elo vingador entre voto e aventura. O mito pode mudar para que a mistificação possa dobrar sua aposta.

Nessas duas semanas de recesso não escrevi aqui, mas conversando (amigos importam) li e ouvi, a miúde, a pergunta sobre se ainda cogito chance eleitoral para um “centro” formado por agregação. Pergunta que também não cala em meditações solitárias por não ser de jeito algum acidental o título da coluna inaugural (12.12.2020), “Em busca de um centro”, sendo esse um tema recorrente nas sabatinas.

Um dos mais argutos desses interlocutores, o cientista político Marco Aurelio Nogueira, também refinado articulista no debate público, ao ler a coluna de 20.11.21 (“Quatro ou cinco estrelas no céu da política, a realidade chã bate à porta”), percebeu que eu tentava, após a trituração da pré-candidatura de Mandetta no âmbito do União Brasil e a previsão de vitória de João Dória nas prévias do PSDB, deslocar a cogitação de um centro como terceira via para uma última hipótese de encarnação. Leu bem que, a meu ver, o presidente do Senado, cria da política que ousa dizer o nome, poderia ser, por essa razão, uma estrela “diferente” das que estão inscritas hoje no cardápio eleitoral que se prepara para as eleições presidenciais de 2022. Constelação quíntupla (Bolsonaro, Lula, Moro, Ciro e Dória), ainda que a cada dia fique mais forte a impressão de que só haverá vagas para, no máximo, três egos, nesse ringue montado, onde bater é verbo de língua franca, sendo Lula o único deles que demonstra ter recursos, ao menos retóricos (e retórica importa), para alterar os molhos da antipolítica e da política rasteira.

Merval Pereira - Moro com estrutura e dinheiro

O Globo

Os últimos dias deste ano podem reservar uma definição importante na corrida presidencial a partir do anúncio do União Brasil de apoio à candidatura do ex-juiz Sérgio Moro. Fruto da junção do Democratas (DEM) com o PSL, o novo partido, assim que tiver a autorização para funcionamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estará apto a oferecer a Moro, do Podemos, uma estrutura financeira e capilaridade nacional, além do tempo de propaganda de rádio e televisão, que poucos candidatos terão. As eleições têm demonstrado, no entanto, que essa estrutura é necessária, mas não suficiente, para vencer uma campanha presidencial.

O União Brasil nascerá tendo a maior bancada da Câmara, com 81 deputados federais, 53 do PSL e 28 do DEM. A expectativa é que consiga manter a maioria de seus filiados, embora uma ala bolsonarista do PSL possa se bandear para o PL. A boa colocação de Moro nas pesquisas eleitorais servirá de lastro para impedir saídas e agregar possíveis novos deputados à bancada.

Míriam Leitão - As contradições e as lacunas de Moro

O Globo

A senadora Simone Tebet, pré-candidata do MDB à Presidência, disse que o investidor não precisa ter dúvidas sobre o posicionamento dela na economia e acrescentou: “Minha história fala por mim”. Esse é o problema com o candidato Sergio Moro, do Podemos, ele não tem história em alguns temas decisivos do país. Em outros, acumula controvérsias. No mercado financeiro já se ouve o farfalhar dos apoios incondicionais à pessoa sem conteúdo definido, como houve em 2018. O autoengano recomeçou.

O problema em torno de Sergio Moro é o quase nada que se sabe sobre suas ideias em várias áreas. Nos 16 meses que ficou no Ministério da Justiça, Moro barrou demarcações de terras indígenas, mandou o fracassado pacote anticrime para o Congresso, embutindo nele o excludente de ilicitude, apoiou indiretamente um motim de policiais no Ceará e abonou os sinais de desvios éticos no governo Bolsonaro, quando começaram a surgir.

Bernardo Mello Franco - Três anos de destruição

O Globo

O governo Bolsonaro vai fazer três anos. O capitão acha pouco e quer mais. Na semana que passou, ele recebeu um presente do Congresso. A pretexto de combater a pobreza, ganhou mais R$ 65 bilhões para gastar até a eleição de 2022.

Todo projeto autocrático depende de um segundo mandato para se consolidar. É o que lembra o filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Cebrap. Em seminário na sexta-feira, ele citou os exemplos de Hungria, Polônia e Turquia, governados por líderes de ultradireita que ascenderam pelo voto.

“Os populistas autoritários destroem a democracia por etapas”, disse Nobre. “O primeiro mandato é dedicado a minar as instituições. Vão aparelhando progressivamente para que no segundo mandato consigam fechar o regime”, alertou.

Dorrit Harazim - País ou sumidouro?

O Globo

Tem coisas que simplesmente somem no Brasil. Por vezes, inúmeras vezes, são vidas. Ou podem ser dados, ou comida no prato, a verdade, a vergonha e a decência. Pode ser tudo isso e muito mais. Pode também ser o fugitivo costas quentes Allan dos Santos. Evaporado do país para não responder ao inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre fake news, o blogueiro se mantém ativíssimo na trincheira virtual bolsonarista. Sumiu apenas fisicamente.

Convém, sobretudo, nunca esquecer os três meninos de Belford Roxo, no Rio, que foram tragados na rua por matadores logo após o Natal do ano passado. Lucas, de 9 anos, Alexandre, de 11, e Fernando, 12, nunca mais foram vistos. Nem sequer seus ossos, inicialmente confundidos com os de animais, foram encontrados. Segundo a investigação policial divulgada nesta semana, o castigo dos moleques havia sido decidido pelo tribunal do tráfico do Morro do Castelar: cabia-lhes uma sessão de tortura por terem surrupiado o passarinho de um morador da vizinhança. Uma das crianças não teria resistido. Morreu de surra. Diante desse incômodo imprevisto, os justiceiros executaram os outros dois moleques.

Elio Gaspari - A linha do almirante da Anvisa

Folha de S. Paulo / O Globo

Agência tem razões para se orgulhar de sua conduta durante a pandemia. Barra Torres preservou a credibilidade da instituição, e evitou bate-bocas e provocações

Bolsonaro pintou-se para uma nova guerra:

“Estamos trabalhando agora com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? De novo vai começar esse negócio?”

A Anvisa nunca sugeriu que se fechasse o espaço aéreo mas, diante do surgimento de uma nova variante do vírus, o presidente anteviu uma nova batalha. Ele não gosta da vacinação, preferia cloroquina e prefere viver no mundo da negação, supondo que com isso defende a economia. Há um ano, Bolsonaro dizia que a vacina CoronaVac não seria comprada. Comprou-a. Condenava o isolamento social e teve que aceitá-lo.

De fato, pode ser que comece tudo de novo, porque o governador João Doria anunciou que instituirá o passaporte de imunização em São Paulo. Ele comprou a vacina chinesa e em janeiro começou a aplicá-la.

Bruno Boghossian - Pontos de ultrapassagem

Folha de S. Paulo

No mercado futuro, presidente ainda é favorito para preservar uma vaga na disputa com Lula

A virada do ano desenha um grid de largada mais ou menos estável para a eleição presidencial: Lula ocupa uma faixa de 40% das intenções de voto, Jair Bolsonaro tem o apoio de 25% dos eleitores, e 5% a 10% devem ir às urnas para votar em branco ou nulo. Nesse início de corrida, há poucos pontos de ultrapassagem à vista para outros candidatos.

Até aqui, Lula e Bolsonaro têm posições sólidas (ambos são citados espontaneamente como favoritos por uma larga fatia dos eleitores). Isso significa que Sergio Moro, João Doria e Ciro Gomes disputam espaços relativamente estreitos para tomar o segundo lugar do presidente.