O Globo
Deu neste GLOBO, no último sábado, em reportagem de Patrik Camporez: “Retomada da execução do
orçamento secreto privilegia aliados do governo e do Congresso”.
Era só o que a cúpula do Parlamento e o
Planalto, mas sobretudo a dupla Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, buscavam com,
respectivamente, o ato e o decreto que propuseram ao Supremo, ambos com a
declarada — e falsa — intenção de dar transparência às emendas do relator:
garantir a circulação discricionária dos dinheiros já empenhados no Orçamento
de 2021 e assegurar que a máquina do orçamento secreto gire no ano eleitoral de
2022. Conseguiram, os senhores do orçamento público.
Com todos os olhares presos ao debate sobre transparência no manejo desses recursos orçamentários, transparência prometida para futuro vago, e dificultada relativamente ao passado, afinal formalizado o conceito público da meia transparência, passou despercebida a dimensão autocrática da emenda do relator, que distribui bilhões ao arrepio da equitatividade — para uns, porque votam comigo, e não para os outros.
À clareza: “O desbloqueio da execução do
orçamento secreto na segunda-feira [6/12]
permitiu, em apenas três dias — de 7 a 9 de dezembro —, a distribuição de R$
760,8 milhões para atender indicações de parlamentares”. No topo dos
beneficiados estão Acre, do relator-geral do Orçamento, o sumido Marcio Bittar,
Minas Gerais, do presidente do Senado, o estadista Pacheco, e Piauí, do
ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, estados que levaram 56% do total
liberado.
Pacheco conseguiu. Conseguiu liberar os
dinheiros — já tinha posto Minas na liderança das destinações em 21 — e
manter-lhes ocultos os patronos. Deu trabalho. A história do orçamento secreto
consiste numa trama de mentiras e desmentidos, para então mentir de novo — e
isso tudo sem que houvesse um enganado de verdade.
O decreto do governo Bolsonaro, o último
movimento nessa trama, é uma aula de compreensão acerca da evolução dos usos da
emenda do relator desde 2020, pois oferece transparência sobre gestões de que
progressivamente o Planalto pouco participou. Em outras palavras: oferta
transparência sobre trânsitos que só marginalmente o Executivo controlou. Esse
é o logro. Um decreto esperto, que se escora na crescente operação das emendas
do relator diretamente pelo Congresso, atividade centralizada pelo relator-geral,
em que as solicitações dos parlamentares cada vez menos passaram pelos
ministérios.
Em uma semana, o teatro do “me engana que
eu gosto” se sofisticou, e o baralho de fingimentos tirou da manga novas
versões do “se colar, colou”. Tudo sob o olhar generoso do STF, convencido pelo
papinho de “proteger a continuidade dos serviços públicos”, com o que chancelou
a deturpação na natureza da emenda do relator e embalou os gastos de má
qualidade típicos dessa modalidade.
Na coluna de 30 de novembro, desmontei a balela segundo a
qual — em resposta à determinação do Supremo — não seria possível divulgar os
nomes dos patronos das emendas remetidas sob a fachada do relator-geral. Foi o
que defendeu Pacheco, aquele do “emendas do relator vão salvar muita gente no
Brasil”. Não haveria registros dessas transações, noticiou Pacheco Brasil, como
se o arquivo desses ofícios não compusesse o próprio mapa de controle das votações
no Congresso.
Lembremos o argumento vergonhoso de que a
lei não obrigava especificamente a identificação do parlamentar demandante das
emendas; como se o princípio constitucional da transparência não se impusesse a
qualquer desregramento particular; e como se fosse necessário haver lei de
transparência exclusiva para um dispositivo, a emenda do relator, que na origem
dedicava-se meramente a correções em erros no Orçamento — só depois pervertido
em muro para o toma lá dá cá.
Mas, então, veio a consultoria do próprio
Senado — e logo surgiria um documento assinado pelo relator-geral do Orçamento
de 2020, deputado Domingos Neto — para informar (provar) que seria obviamente
possível, e mesmo fácil, apresentar as planilhas com os donos das emendas.
Pacheco e turma precisariam reformar a embromação; e de repente já era factível
dar publicidade aos nomes — mas só em 180 dias e com muitas condições, um
festival de asteriscos.
Rosa Weber considerou bom e carimbou a
afronta à Constituição sob a promessa de transparência do amanhã por aqueles
que tudo fizeram para não ser transparentes.
Conseguiram, cúpula do Parlamento e
Executivo, montar um arranjo — com base num jogo consensual de empurra-empurra
— que formaliza o orçamento secreto: o Congresso alegando que a completa
divulgação dos padrinhos do orçamento secreto dependeria de dados havidos no
Planalto; e o governo pregando que pouco teria a contribuir em face de o
Legislativo abrigar o grosso das informações. Um estando certo sobre o outro.
Um e outro apostando — combinando-se — em erguer barreiras para que o
quebra-cabeça jamais se encaixe.
Comando do Parlamento e Planalto tomando
providências por meio das quais fingem responder ao Supremo, que finge estar
atendido e satisfeito; atendida e satisfeita — em pleno vigor — estando a
engrenagem que põe bilhões de reais públicos na mão de meia dúzia.
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