terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Miguel Caballero*: Errado por linhas tortas

O Globo

As pesquisas de intenção de voto mostram que parte do eleitorado de Jair Bolsonaro mudou de ideia e não pretende repetir a escolha em 2022. Sempre que um bolsonarista arrependido justifica a mudança com o argumento de que não era possível prever, em 2018, como seria o governo, a oposição de esquerda reage com indignação. São imediatamente lembrados episódios em que o deputado Jair Bolsonaro já defendia teses incivilizadas ou preconceituosas e expunha seu desapreço pelas instituições e pela democracia.

Várias das piores facetas do governo eram previsíveis — e foram mesmo previstas por quem já se opunha ao presidente. Não se pode alegar surpresa com o incentivo ao desmatamento da Amazônia ou com o isolacionismo na política externa. Os ataques antidemocráticos e o desmonte do aparelho estatal em várias áreas também não podem ser tidos como inesperados.

Apesar da gravidade, não são esses traços autoritários que fazem o presidente entrar no ano eleitoral como uma espécie de “favorito à derrota”. Bolsonaro já estimulava e fazia vista grossa às queimadas, já carbonizava o filme da diplomacia brasileira e já ameaçava romper com o sistema democrático quando ainda estava fortemente competitivo para se reeleger. No fim de 2020, mesmo um ano depois de encampar o negacionismo e combater o isolamento que previne a Covid-19, seus índices de aprovação eram satisfatórios. Naquele dezembro, o Datafolha mostrava que 37% dos brasileiros consideravam o governo “ótimo ou bom”, ante 32% de “ruim ou péssimo”.

Carlos Andreazza: O ganha-ganha de Ciro Nogueira

O Globo

Li o artigo de Ciro Nogueira neste GLOBO. O ministro avisa — ameaça: “Na economia, haverá um dia seguinte!”. E pergunta: “Como será?”.

Será com ele no volante.

O texto é a exposição alegre e segura — com delírios metodicamente ministrados — de quem foi consagrado regente do Orçamento no ano eleitoral.

Como será?

O Orçamento de 2022, que já pilota, é a melhor resposta. Uma peça que, mesmo ante os mais de R$ 115 bilhões de espaço fiscal arrombado pela PEC dos Precatórios, mesmo com quase R$ 17 bilhões para emendas do relator, mesmo com possivelmente R$ 5,7 bilhões em fundo eleitoral, ainda assim — dada a sanha da galera — precisará cavar R$ 10 bilhões para recompor gastos obrigatórios propositalmente subestimados pelo Parlamento no seu arranjo. Será assim.

Assim: “Um governo que mais do que duplicou o valor do antigo Bolsa Família (...) Tudo isso sem pedaladas fiscais (...)”. Tudo isso como se a PEC dos Precatórios não tivesse constitucionalizado as pedaladas fiscais.

E a turma quer mais. Quer e terá. Como será?

Está aí, valendo, a consagração de Nogueira, a nova expressão do contrato entre liras e governo, também o novo encolhimento do já minúsculo Paulo Guedes: o Decreto 10.937, por meio do qual Bolsonaro lista delegações (para manejo dos recursos orçamentários) ao ministro da Economia, em seguida ao que condiciona, em movimento sem precedentes, “a prática dos atos à manifestação prévia favorável do ministro da Casa Civil”; que passou a ter controle, o pulo do gato, sobre mudanças solicitadas pelo Congresso no fluxo das emendas do relator — fachada ao exercício do orçamento secreto.

Nogueira é o senhor do Orçamento e vai distribuir. Como será? Está sendo. Bolsonaro já declarou que “hoje em dia estão todos ganhando”. E não se referia a nós, roídos pela inflação — os que ainda têm emprego e alguma grana para ser comida. Falava de deputados e senadores, os que o apoiam, “todos ganhando” dinheiros públicos para suas paróquias: “O Parlamento está muito bem atendido conosco”.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro perdeu a guerra porque contrariou o bom senso

Correio Braziliense

Para 59% da população, sabotou a imunização. Esse resultado, obviamente, terá sérias consequências eleitorais; 81% são a favor da exigência do “passaporte de vacina” em locais fechados

No começo do século passado, por uma série de razões, houve uma grande revolta popular no Rio de Janeiro contra a vacinação da população. O episódio, porém, é um marco contra a ignorância e o negacionismo da ciência. Àquela época, a antiga capital era uma cidade insalubre, em péssimas condições de saúde pública, na qual proliferavam doenças contagiosas: tuberculose, peste bubônica, febre amarela, varíola, malária, tifo, cólera etc. O presidente Rodrigues Alves resolveu realizar uma série de reformas urbanas para melhorar as condições de vida da então capital, a cargo do engenheiro Pereira Passo, que alargou ruas e removeu cortiços, desalojando a população; o mais miserável. Diretor-geral de Saúde Pública desde 1903, o médico Oswaldo Cruz assumiu o cargo com a missão de implementar o saneamento público e erradicar a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, principalmente.

Com essa intenção, em 1904, o governo propôs a obrigatoriedade da vacinação, lei aprovada em 31 de outubro, apesar dos protestos, inclusive um abaixo-assinado com 18 mil assinaturas, muito para aquela época. A lei exigia comprovantes de vacinação para realizar matrículas nas escolas, assim como para obtenção de empregos, viagens, hospedagens e casamentos. Previa multas para quem não se vacinasse. O povo se revoltou, estimulado pelos políticos de oposição. A confusão começou no Largo do São Francisco e se espalhou de Copacabana ao Engenho Novo, com quebra-quebras, tiros, barricadas. O saldo foi de 945 pessoas na Ilha de Cobras, 30 mortos, 110 feridos e 461 deportações para o estado do Acre. Historiadores avaliam que a política higienista e a forma autoritária como foi imposta a vacinação causaram a revolta, além do fato de que a vacinação de mulheres era vista como uma ameaça à honra machista.

Eliane Cantanhêde: Num mato sem cachorro

O Estado de S. Paulo.

Militares, evangélicos e o ‘capital’ pulam do barco de Bolsonaro, mas não caem no de Lula

As reações à coluna de domingo (“Ainda tem jeito?”) confirmam que o melhor do mundo para bolsonaristas e petistas é manter a polarização entre o continuísmo e a volta ao passado. Tudo que o presidente Jair Bolsonaro sonha é disputar com o ex-presidente Lula. Tudo o que Lula pretende é ter Bolsonaro como adversário. Nenhum dos dois quer ouvir falar em terceira via.

Sim, se a eleição fosse hoje, daria Lula no primeiro turno ou ele e Bolsonaro no segundo. O problema é que a eleição não é hoje e há milhões de brasileiros incomodados e se sentindo emparedados entre as duas soluções – o que também surgiu, claramente, nas reações à coluna.

Andrea Jubé: Breve manual político do velho pescador

Valor Econômico

Com Alckmin à espera, PT e PSB reúnem-se na quinta-feira

Publicado há 70 anos, “O velho e o mar” traz o duelo eletrizante entre Santiago, um velho pescador, e um peixe gigante, de mais de cinco metros, que o desafiou em uma aparente centelha de sorte, após uma maré de revezes. “A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é que pode reconhecê-la?”, refletiu a certa altura o personagem de Ernest Hemingway (1899-1961).

Quem conhece a obra, sabe que após uma luta que se estendeu por tortuosos dois dias e duas noites, a história chegou ao fim sem vencedor ou vencido, a não ser por um remoto “triunfo interior” que alguns críticos atribuem ao pescador. “O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”, ensinou Santiago, em outro trecho do romance.

O embate entre o velho e o peixe serve de metáfora ao duelo de forças que se desdobra nos bastidores entre PT e PSB. Do desfecho depende a possível indicação do ex-governador Geraldo Alckmin para a vaga de vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chapa petista.

Alvaro Costa e Silva: Bolsonaro nos debates

Folha de S. Paulo

Ninguém acredita que ele vá, mas bastaria uma pergunta para derrotá-lo

Como na fábula do menino pastor e o lobo, o dia chegou. Pressionado pela surra que está levando nas pesquisas, Bolsonaro disse que pretende comparecer a todos os debates da campanha presidencial. Nem a seita acreditou.

Ainda mais agora que ele arranjou uma desculpa perfeita para se ausentar: comer camarões sem mastigar, engolindo-os com cabeça e tudo, baixar no hospital e, deitado na cama, tirar aquela foto já clássica, exibindo a sonda nasogástrica. 

Cada internação por dores na barriga ressuscita o atentado sofrido em 2018. Os bolsonaristas acreditam que o episódio, já virado pelo avesso do avesso pela Polícia Federal, ainda pode ter influência no eleitor de 2022. O chato da narrativa é a realidade: o candidato sobreviveu à facada e foi eleito, sendo obrigado a ocupar o cargo e a fingir que governa há mais de três anos.

Cristina Serra: A campanha do ódio em ação

Folha de S. Paulo

Táticas usadas na campanha de 2018 serão agora brincadeira de criança

Reportagem de Jamil Chade e Lucas Valença, no UOL, mostra tratativas do "gabinete do ódio" para adquirir tecnologias de espionagem israelense. Uma das empresas procuradas, que atende pelo sugestivo nome de DarkMatter (em português significa "matéria escura"), desenvolveu dispositivos que podem invadir computadores e celulares, mesmo com os aparelhos desligados.

Essas movimentações prenunciam que os mecanismos de disparo em massa de mentiras por aplicativo, largamente utilizados em 2018, serão brincadeira de criança perto do que estará, agora, ao alcance das quadrilhas que apoiam o chefe miliciano. Indicam também como a campanha de reeleição de Bolsonaro poderá atuar totalmente fora do radar do TSE, deixando os concorrentes a comer poeira e as instituições a enxugar gelo.

Hélio Schwartsman: Testes de Covid no buraco negro

Folha de S. Paulo

Para cada teste computado pelo sistema, quase um passou abaixo do radar

Pelo Datafolha, 42 milhões de brasileiros acima de 16 anos já tiveram Covid-19, com diagnóstico confirmado por um teste laboratorial. Pelos registros oficiosos, foram, em todas as faixas etárias, 23 milhões.

É uma diferença brutal, especialmente quando se considera que, no Brasil, apenas serviços credenciados puderam aplicar testes e eles têm a obrigação de informar as autoridades de todos os resultados. O número de casos "perdidos" deveria, portanto, ser muito baixo ou mesmo zero. O que se vê, porém, é que, para cada teste computado pelo sistema, quase um passou abaixo do radar.

Pedro Fernando Nery: O progresso vetado

O Estado de S. Paulo.

Metas para redução da pobreza já foram implementadas por democracias desenvolvidas

O Congresso aprovou no final do ano a criação de um regime de metas para a pobreza no Brasil. Inspirado no regime de metas de inflação, previa que o País deveria mirar a queda das taxas de pobreza e de extrema pobreza. Caso as metas fossem descumpridas, o governo apresentaria ao Congresso as razões para o descumprimento e que medidas deveriam ser tomadas para ajustar a rota. Bolsonaro vetou.

A proposta, originalmente do projeto de Lei de Responsabilidade Social, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), foi incluída no projeto do Auxílio

Brasil pelo deputado Marcelo Aro (PP-MG). Previa ainda que o governo publicaria periodicamente um relatório sobre a evolução dessas taxas, as medidas que vem tomando, os riscos e o que poderia ser feito no âmbito do gasto público e do sistema tributário para melhorar.

Poderia ser um norte para as reformas e um escudo que o governo poderia usar contra variadas pressões sobre o Orçamento. Não previa nenhuma punição para os gestores nem qualquer aumento de gasto.

Mas Bolsonaro vetou. Disse que o novo regime “contraria o interesse público” e alega que aumentaria o gasto público total, simplesmente porque o governo teria de reduzir a pobreza (a um nível que ele próprio escolheria!).

O veto impressiona também porque quedas na pobreza são em boa parte causadas pelo crescimento econômico. O governo, assim, sinaliza não apenas não ter compromisso com a redução da pobreza (um objetivo expresso da Constituição) como não confiar no seu próprio taco em relação à evolução do PIB. Reforça, ademais, a imagem do Auxílio Brasil como um programa para outubro, não para o futuro.

Felipe Salto: Nada a comemorar no front fiscal

O Estado de S. Paulo.

A deterioração das expectativas de mercado resulta de uma política fiscal que implodiu o teto de gastos

Mansueto Almeida é um dos especialistas em contas públicas mais respeitados do País. Temos um livro juntos, publicado pela Editora Record, em 2016, que documenta parte dos problemas da política fiscal no período da contabilidade criativa (2008 a 2014). Neste artigo, faço um contraponto ou complementação a algumas das posições que ele defendeu em recente entrevista ao Estado.

Não houve uma melhora estrutural nas contas públicas, exceto pela aprovação da reforma da previdência. É importante destacar, sim, que as projeções mais pessimistas para a dívida pública foram frustradas, mas também é essencial compreender que o fator preponderante a explicar o nível mais baixo da dívida bruta no fim de 2021 foi a inflação. Quando algo “positivo” deriva de algo ruim, como a alta descontrolada dos preços, não há o que aplaudir.

A dívida é sempre calculada como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), normalmente referenciada como “dívidapib”. A intenção é avaliar o passivo do governo ou do setor público como um todo, mas sempre em relação a alguma variável que mensure a geração de renda e riqueza do País, o desempenho econômico.

Dizer que a dívida estava em R$ 6,8 trilhões, em novembro passado, não revela muito sobre a solvência do Estado. Mas, avaliar esse estoque de dívida em relação ao PIB, comparando-o com o mesmo cálculo para um momento passado, ajuda a analisar se o endividamento está subindo em ritmo maior ou menor que o do PIB, isto é, da economia, que afeta diretamente a arrecadação do governo e sua capacidade de pagamento, portanto.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Rio precisa de um novo plano de recuperação fiscal

O Globo

É do interesse de todos os brasileiros o debate em curso sobre a saúde fiscal do Estado do Rio. O Rio, como outros entes da Federação, está quebrado. A despesa é maior que a receita, e o estado depende da União para refinanciar sua dívida gigantesca. A decisão que deverá ser tomada em breve a respeito terá impacto não apenas no futuro das finanças fluminenses, mas também na de outros estados em situação semelhante. É fundamental o governo estadual ter metas que promovam um ajuste fiscal com credibilidade — e que seja transmitido ao país um recado de responsabilidade.

Com a intenção de reingressar no Regime de Recuperação Fiscal da União, o governo fluminense apresentou um plano de ajuste reprovado ontem pelo Tesouro Nacional. Diante do resultado já esperado, o Palácio Guanabara dá sinais de que levará o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se isso ocorrer, a decisão será acompanhada de perto pelo precedente que abrirá.

É fundamental reconhecer os avanços alcançados pela administração estadual nos últimos anos. Mas também é preciso que as autoridades fluminenses tenham a honestidade de reconhecer as muitas e sérias limitações do plano reprovado pelo Tesouro.

Entre os pontos positivos, o mais importante foi o esforço para controlar as despesas com pessoal. Revelou-se um sucesso a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Foi registrada uma significativa redução no estoque de restos a pagar, dando fôlego ao caixa do estado para manter atividades essenciais. Como vários outros estados, o Rio aumentou a contribuição previdenciária dos servidores.

Música | Zeca Pagodinho / Marisa Monte: Preciso me encontrar (Candeia)

 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Fernando Gabeira: Vírus, chuva e calor

O Globo

Gostaria de abordar as chuvas de forma poética, como Elizabeth Bishop em sua “Canção do tempo das chuvas”. Mas agora elas assumem um aspecto dramático, matando e destruindo.

Joe Biden, visitando o Kentucky, associou o tornado que devastou a região e as chuvas no Brasil às mudanças climáticas.

Sinto que há algo parecido, mas ainda esbarro num monte de dúvidas. Sei que as chuvas estão sendo provocadas por um sistema meteorológico chamado Zona de Convergência do Atlântico Sul. É uma grande extensão de nuvens movidas por um coquetel de ventos: do Sudeste, Nordeste e até das altitudes bolivianas.

Essas chuvas são influenciadas por La Niña, um fenômeno, assim como El Niño, que acontece no mar.

Desde quando li as intervenções dos cientistas numa conferência sobre o clima, aprendi que o aquecimento global seria irreversível quando houvesse mudanças nas famosas correntes marinhas. Não tenho condição de afirmar que a velha La Niña tenha se alterado por influência de correntes. Sei que, assim como El Niño, quando traz chuvas numa região do Brasil, leva seca para outras.

No momento, chove no Sudeste, e há escassez de chuvas no Sul do Brasil.

Além da destruição dos corais, do derretimento das geleiras, da poluição humana, há coisas acontecendo nos mares. Cientistas descobriram que a velocidade das correntes tem aumentado, ainda não sabem precisamente as consequências disso.

Miguel de Almeida: Bocage e o Rio de Janeiro

O Globo

O que personagens como Humboldt, Lebreton, Bocage e mesmo Napoleão têm em comum com o Rio de Janeiro e o Brasil?

De um jeito ou de outro, contribuíram para deixar o país menos mané, mais ilustrado e não tão sujeito às superstições trazidas pela ignorância e vocalizadas sob o manto religioso.

Só que poucas andorinhas não fazem uma nação.

Neste ano do Bicentenário da Independência, o Brasil talvez pudesse se encontrar com seu destino ao buscar onde ocorreram os descarrilhamentos e por que sempre voltamos tantas casinhas.

As datas por vezes ajudam a repensar os fatos, mas mesmo a História precisa contar com a sorte.

No Cinquentenário da Independência, embora Machado de Assis escrevesse sobre o “Instinto de Nacionalidade”, no jornal dirigido por Souzândrade em Nova York, o Império brasileiro incensava a figura de Dom Pedro II e sua miopia diante da Revolução Industrial.

Em 1922, ainda que houvesse a importante Exposição do Centenário, com mais de 3 milhões de visitantes, o governo de Epitácio Pessoa representava uma elite atrasada e avessa às ideias de caráter social. Aquele tipo de República cairia oito anos depois.

No sesquicentenário, em 1972, o Brasil vivia sob a ditadura militar, com o general Médici à frente da tentativa de eliminar à bala os adversários do regime.

Bruno Carazza*: Os ventos da mudança

Valor Econômico

Intervencionismo no exterior e aqui, na campanha eleitoral

De tempos em tempos, os ventos da política e da economia mundiais mudam de direção. Pode demorar um pouco, mas a viragem sempre chega por aqui, com maior ou menor intensidade.

O desenvolvimentismo brasileiro, de Vargas a Geisel, foi forjado pelo casamento entre estatais, empresas multinacionais e grupos brasileiros. Longe de ser uma receita original e local, era fruto de seu tempo - no imediato pós-guerra, o braço forte do Estado se aliou ao grande capital para produzir as três décadas de ouro do século XX (1945-1975).

Os desequilíbrios desse modelo de desenvolvimento se tornaram evidentes após os choques do petróleo dos anos 1970, e a chegada ao poder de Margareth Thatcher e Ronald Reagan geraram um terremoto liberalizante que abalou as estruturas estatais em diferentes graus, provocando réplicas ao longo das décadas seguintes.

Privatização, desregulamentação, restrições nos gastos governamentais, redução da tributação sobre as empresas e globalização levaram a uma onda de retração do intervencionismo governamental nas economias. O capítulo da ordem econômica da Constituição de 1988 resumem essa influência liberal em terras brasileiras: a exploração de atividades econômicas por estatais seria exceção (art. 173) pois o papel do Estado deveria se concentrar na regulação e incentivo ao setor privado (art. 174).

Esse modelo, é bem verdade, nunca foi plenamente implementado por aqui. Mas se não estivesse conectado ao espírito de seu tempo, dificilmente Fernando Henrique teria cumprido seu programa de privatizações ou aprovado as reformas nos setores de petróleo, telecomunicações, elétrico e financeiro.

A maré parece estar virando novamente. A revista The Economist desta semana traz uma série de matérias especiais chamando a atenção para o advento de uma nova era de intervenção estatal na economia.

Francisco Góes: ‘Motor da inovação é a competição’, diz Passos

Valor Econômico

Economia fechada do Brasil limita a capacidade de inovar

O Jockey Club Brasileiro, na Gávea, recebeu de quinta até ontem milhares de pessoas. Quem passasse pelo local poderia pensar tratar-se de festival de música ou de gastronomia, mas o público que ali compareceu, sob o forte calor do verão carioca, foi em busca de conhecimento e de oportunidades em inovação e em tecnologia. Os dois temas estiveram presentes na Rio Innovation Week, evento com apoio do Valor que incluiu debates sobre saúde, educação, finanças, ambiente, agronegócios, startups, marketing e cidades inteligentes, entre uma miríade de outras mesas temáticas.

O evento colocou a inovação e a tecnologia na agenda de um público mais amplo do que cientistas e empresários. É um debate que ajuda a pensar os caminhos do Brasil nessa área.

O entusiasmo do encontro no hipódromo da Gávea contrasta, porém, com o diagnóstico de especialistas sobre o momento do Brasil nesse campo, marcado por cortes de recursos públicos, baixos dispêndios pelas empresas e incerteza sobre os investimentos futuros da pesquisa, desenvolvimento e inovação no país.

As empresas brasileiras fazem mais inovação incremental via compra de máquinas e equipamentos que aumentam a produtividade. Mas investem pouco em inovação “disruptiva”, aquela que faz realmente a diferença na competição pelo mercado global.

Mas afinal o que é inovação? O conceito de inovação tecnológica remete à criação de produto ou de processo produtivo novo para o mercado, diz Fernanda de Negri, coordenadora do centro de pesquisa em ciência, tecnologia e inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Essa inovação é fundamental para o crescimento econômico e para se obter ganhos de competitividade.

Marcus André Melo*: Corrupção e eleições

Folha de S. Paulo

Eleições são disputas em torno de quais dimensões devem tornar-se salientes e quais devem ser interditadas

Na Coreia do Sul, o favorito na atual disputa presidencial é o ex-procurador-geral do país Yoon Seok-Youl, que adquiriu popularidade no processo que levou a ex-presidente Park Geun- Hye a sofrer um impeachment e ser presa. O atual presidente, Moon Jae-In, que não é candidato devido à vedação constitucional da reeleição, foi quem nomeou Yoon para o cargo, que agora está na oposição.

Recentemente, Moon concedeu indulto à ex-presidente temendo futuras investigações do ministério público, após uma malsucedida campanha para reduzir o poder dos procuradores (Yoon denunciou seu Ministro da Justiça e braço direito por corrupção). Park é filha do ex-ditador General Park Chung-Hee, que governou o país por 18 anos.

A questão da corrupção é o tema vertebrador da política no país juntamente com a inflação, endividamento familiar e moradia; o combate à pandemia tem sido exemplar mas não tem sido politizado.

O caso sul-coreano é ilustrativo das insuficiências das discussões em torno do significado de esquerda, direita e centro. Como no Brasil, mesclam-se questões relativas a corrupção, autoritarismo, e questões redistributivas. Mas os contrastes com nosso país são evidentes.

Celso Rocha de Barros: Estou errado sobre a democracia brasileira?

Folha de S. Paulo

Fraqueza da centro-direita não é desculpa para ignorar risco que Bolsonaro traz à democracia

Carlos Pereira é um grande cientista político brasileiro. Escreveu com Marcus Melo (o da coluna aqui do lado) um livraço, "Making Brazil Work". Reunindo pesquisas empíricas de alta qualidade, a obra mostrou que o sistema político brasileiro funcionava bem melhor do que se pensava.

O problema é que o livro saiu quando já parava de funcionar. "Making Brazil Work" continua sendo um ótimo estudo dos 20 anos anteriores. Suas conclusões podem voltar a ser aplicáveis quando a crise política passar. Mas é evidente que seu modelo teórico subjacente perdeu poder explicativo na crise política dos últimos anos.

Após a eleição de Bolsonaro, Pereira passou a defender a tese de que Bolsonaro não oferecia risco à democracia brasileira. Afinal, Brazil works. Em sua coluna no Estadão da última segunda-feira (10), Pereira voltou a afirmar que a democracia sobreviveu bem a Bolsonaro, porque o STF conseguiu barrar várias iniciativas do presidente na pandemia e a CPI investigou seus crimes. Criticou quem defende que Bolsonaro ameaça a democracia, dizendo que essa tese não é testável empiricamente a não ser que o golpe ocorra.

O último argumento é claramente falso. Risco é uma probabilidade. Nenhum economista diria, por exemplo, que negócios bem-sucedidos nunca foram arriscados.

Ana Cristina Rosa: Banzo, depressão e morte

Folha de S. Paulo

Pouco ou nada mudou em termos de políticas públicas para a saúde da população negra

Neste "Janeiro Branco", campanha com o objetivo de chamar atenção para os cuidados com a saúde mental, esta coluna adverte: o impacto psicológico do racismo na vida de adolescentes e jovens negros pode ser letal.

Com a autoestima abalada por um sistema cruel, desleal e opressivo, o risco de desenvolver quadros de depressão é 45% maior entre os pretos e pardos na comparação com os jovens brancos. Isso evidencia o efeito devastador do racismo sobre a saúde mental da população negra.

Cartilha do Ministério da Saúde com dados sobre óbitos por suicídio apontava já em 2018 que cerca de 60% das mortes de pessoas entre 10 e 29 anos ocorreram entre negros. Faz todo sentido quando se considera que a depressão é uma das principais causas associadas a esse tipo de óbito.

Catarina Rochamonte: Valeu, Folha!

Folha de S. Paulo

Folha decidiu, corretamente, descontinuar, por este ano, a atividade de seus colunistas que tenham pretensão eleitoral. É o meu caso: sou pré-candidata pelo Podemos, no Ceará, a deputada federal. Assim, escrevo este 85° artigo para despedir-me provisoriamente.

Quando fui convidada a assumir esse pequeno e precioso espaço semanal surpreendi-me. Minha visão destoa da linha editorial deste ilustre jornal. Por isso mesmo foi grande o mérito da Folha em ter mantido essa coluna apesar da forte pressão da patrulha que pedia a minha cabeça em uma bandeja a cada artigo mais polêmico. Esse jornal teve comigo postura impecável: jamais fui pressionada ou sequer sugestionada a modificar uma linha do que pretendia escrever, por mais duro que fosse o texto.

João Doria*: O dia em que a ciência venceu as mentiras

O Estado de S. Paulo.

São Paulo se tornou uma referência mundial em vacinação – 97% dos adultos já estão com o esquema vacinal completo

Lembro de cada instante daquele dia: primeiro, a aprovação da Coronavac, por unanimidade, pela diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Estávamos no Hospital das Clínicas, maior complexo de saúde da América Latina. Passava das 15 horas de 17 de janeiro de 2021, quando a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha na UTI do Instituto Emílio Ribas, recebeu, no braço esquerdo, a primeira vacina contra a covid aplicada no Brasil. Era o início da mais ampla campanha de vacinação de nossa história.

Hoje, exatamente um ano depois, está comprovado que as vacinas mudaram a trajetória da pandemia, ao evitar internações e salvar a vida de milhões de pessoas. Mas penso que aquele momento tem ainda mais significados: 17 de janeiro de 2021 foi o dia em que as verdades da ciência derrotaram as mentiras do negacionismo. O dia em que o trabalho venceu a incompetência e a razão superou o medo. Vacina sim, cloroquina não. Há um ano, a compaixão foi maior que o egoísmo, a esperança voltou e os brasileiros viram que, com seriedade e boas políticas públicas, nosso Brasil tem jeito.

São Paulo se tornou uma referência mundial em vacinação – já temos 97% dos adultos com esquema vacinal completo. O trabalho do governo estadual, de prefeituras de todo o Estado e do Instituto Butantan ajudou todos os brasileiros a se protegerem. Antecipamos em pelo menos três meses a vacinação prevista pelo governo federal. Imunizamos os profissionais de saúde do Brasil inteiro, oferecendo a eles a segurança necessária para o enfrentamento da segunda onda da pandemia. Produzimos e entregamos aos brasileiros 100 milhões de doses de vacina. Demos prioridade à imunização dos profissionais da educação, da segurança e dos transportes coletivos, restabelecendo todos os serviços e atividades. Hoje, mais de 145 milhões de brasileiros se encontram totalmente vacinados. Mais de um terço desse total recebeu Coronavac, que evitou formas graves da doença e salvou milhões de vidas.

Denis Lerrer Rosenfield*: O bom debate

O Estado de S. Paulo.

Posição de Lula e PT sobre teto de gastos e reforma trabalhista serviu para outros candidatos comparecerem à cena

É inegável o fato de que Lula e o PT terem suscitado um debate sobre o teto de gastos e a reforma trabalhista produziu um efeito benéfico. Não tanto pelo que disseram, por se tratar do mesmo anacrônico receituário que levou o País à breca no governo Dilma, mas por terem obrigado os outros partidos e contendores a comparecerem à cena. De repente, a discussão foi deslocada para o governo Temer e as suas reformas, tendo o ex-presidente comparecido como ponto de referência daquilo a ser ou não feito. Ao visar às reformas necessárias para o País, seguindo a demagogia do “neoliberalismo”, quando não do “imperialismo” orientando a Lava Jato contra as empresas brasileiras, o PT escolheu como alvo um governo orientado por reformas sensatas, voltadas para o bem do País, independentemente de sua popularidade.

Imediatamente, os candidatos Sérgio Moro e João Doria, em atitudes responsáveis, mostrando que estão preparados para dirigirem o País, saíram em defesa destas reformas. Naquele então, o MDB e a Fundação Ulysses Guimarães ofereceram as bases reformistas graças ao documento “Ponte para o futuro”, destacando também a posição do antigo líder do partido na condução desta reformas, deputado Baleia Rossi, hoje presidente do partido e coordenador eleitoral da campanha da senadora Simone Tebet. Eis as ideias que estão colocadas para um espaço de centro, capazes de viabilizar uma candidatura unificada politicamente neste campo.

Mirtes Cordeiro*: Vacinação, direito da criança e dever do Estado

Fundamental é fortalecer o SUS e garantir informação com transparência à população.

“Vacinação é feita principalmente a partir de campanha, a partir de informação da população. O que é necessário é passar uma mensagem clara e direta para população de que a vacina salva vida, é importante, é segura. Então, é isso que precisa ser feito. A obrigatoriedade sempre existiu. A gente não imagina se vai haver uma fiscalização em torno da obrigatoriedade da vacina. Não é por aí que a vacinação se faz e não foi por aí que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) se tornou um programa exemplar no mundo todo.” A explicação é do advogado e médico sanitarista Daniel Dourado, em entrevista ao G1.

Pois bem. Até que enfim começou a vacinação contra Covid-19 para as nossas crianças com idade entre cinco e 11 anos de idade, em meio a grandes debates negacionistas promovidos pelo presidente da República e seu ministro da Saúde, mesmo considerando que, a vacinação para crianças já teve início, com segurança, em outros países há alguns meses.

Direito da criança e dever do Estado. Está registrado no Estatuto da Criança, Lei n 8.069 de 13 de julho de 1990, Art. 14 parágrafo único.

Esqueceram? É o que parece. Ou nunca tomaram conhecimento.

Da ação do presidente, não adianta falar. É uma questão que só será resolvida no período eleitoral deste ano, tomara, quando cessarão os insultos diários à população brasileira. Mas o ministro tem insistido em manter uma postura caricatural do seu chefe.

O que um médico ganha com isso, já no fim da carreira? Como diria o presidente, o que está por trás? Ninguém sabe. Cidadãos de bem enxergam melhor com atitudes transparentes.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Cerco aos não vacinados se fecha em todo o mundo

O Globo

À medida que a variante Ômicron se espalha, produzindo recordes de infecções, aumenta o cerco de governos e autoridades sanitárias aos não vacinados. Graças aos benefícios trazidos pelas vacinas, que reduzem hospitalizações e mortes, as estratégias para prevenir a Covid-19 passaram a dar mais ênfase à imunização que a medidas de restrição ao comércio e serviços. Em todo o planeta, a recomendação para vencer o vírus tem sido clara: vacinar, vacinar e vacinar.

Como ficam os não vacinados e defensores das campanhas antivacina? Com espaço cada vez mais reduzido. Se os negacionistas, alegando defender uma pretensa liberdade individual, podem ter direito a não comparecer aos postos, então as autoridades têm o dever de barrá-los em locais de grande frequência em nome da saúde coletiva. Assim tem sido. Os passaportes sanitários para comprovar a vacinação se tornaram fundamentais para aumentar a segurança em lugares de grande afluxo.

Em que pese o caráter midiático da decisão, o veto do governo da Austrália à entrada do tenista Novak Djokovic, número um do ranking, por não apresentar o passaporte de vacinação, pôs a questão na ordem do dia. Negacionista conhecido, ele alegou que tinha autorização de exceção dada pelos organizadores e obteve uma liminar da Justiça para participar do Aberto da Austrália, depois revogada em instância superior. Djokovic foi deportado ontem do país e se tornou um pária no esporte.

Cacá Diegues: O livre canto

O Globo, 16/01/2022

O maior adversário da cultura, em todos os regimes que o homem conheceu em sua História, sempre foi o poder

O assunto da semana foi a série documental, realizada por Renato Terra para a televisão, sobre Nara Leão. Conforme nossa disposição, o título do programa já nos provoca uma reflexão indispensável sobre o que fazer de nosso eventual silêncio: “O canto livre de Nara Leão”.

Se ela nos propunha um “canto livre”, só podia ser porque havia de haver na sociedade em que vivíamos um espaço em que não tínhamos liberdade para cantar o que desejávamos. Onde cantar o que gostaríamos de cantar seria um projeto de rompimento com algum tipo de poder. E o maior adversário da cultura, em todos os regimes que o homem conheceu em sua História, sempre foi o poder. Uma cultura a serviço do poder, será sempre um compromisso da imaginação com as garras da política, um acordo criminoso entre a força da criação e o fortalecimento de quem manda.

O que as pessoas que andei ouvindo sentiram foi, da parte de nossa geração, que viveu intensamente aqueles anos com o apoio do que faziam seus ídolos, uma enorme saudade de um tempo em que as manifestações culturais tinham um peso e evidente cobertura da sociedade, que pensava pensar o país como nós fazíamos. Ou a partir do que poderíamos oferecer como alternativa de ideal “politizado”.

E, por outro lado, a ignorância das novas gerações sobre um período que elas não viveram, mas do qual ouviram falar intensamente. Tenho a impressão de que, para esses, o que mais se destaca no consumo daquele documentário é a súbita descoberta de uma articulação fértil entre cultura e política. Como se essas duas manifestações humanas, independente da conciliação de políticos ou do oportunismo de artistas, acabassem por “dar uma alma ao Brasil”.

Renato Terra*: O que Nara Leão tem a dizer em 2022?

O Globo, 16/01/2022

Cantora era tão à frente de seu tempo que ainda tem novidades para nos contar

Na sexta-feira retrasada, dia 7 de janeiro, estreou no Globoplay a série “O canto livre de Nara Leão”, que realizei junto com uma equipe dos sonhos do núcleo de documentários do “Conversa com Bial”, o Conversa.doc.

Recebi uma enxurrada de mensagens profundamente emocionadas e aproveito para agradecer. Muita gente descobriu Nara Leão. Muita gente se identificou com Nara. Se apaixonou, chorou, se inspirou.

Nara era tão à frente de seu tempo que ainda tem novidades para nos contar. Algumas questões centrais na sua obra tocam fundo no Brasil de 2022.

A diversidade brasileira é um trunfo, Nara. É a palavra nova que podemos dar ao mundo. Da união de ritmos africanos com europeus, criamos, aqui, o samba. O samba, com o jazz, deu na nossa bossa nova. Ao juntar a bossa nova com os sambas de Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, Nara fundou a MPB. O samba, a bossa nova e a MPB são as realizações mais bem-sucedidas de nossa vocação como país. É o que exportamos com mais orgulho. Quantas palavras novas ainda podemos criar?

Música | Nara Leão: Grândola Vila Morena

 

domingo, 16 de janeiro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: A encruzilhada de Lula

Os resultados da primeira grande pesquisa do ano de 2022 envolvendo intenções de voto para a eleição presidencial (da Quaest, consultoria e pesquisa) registraram uma estabilidade do quadro virtual da competição que não dá lugar a comentários novos. Continua a valer a distinção feita, nesta coluna, na semana passada, entre conjuntura e cenários. Mas é fato que, dentre os cenários possíveis, o correr do tempo, até aqui, sugere como mais provável o mesmo que, em linhas gerais, há meses está posto por pesquisas dessa mesma fonte e outros institutos de análoga credibilidade.  O céu aparentemente sem nuvens que sorri ao ex-presidente Lula instiga o analista a desviar o olhar prospectivo de conjecturas sobre possíveis cenários alternativos de competição e a fixá-lo nos movimentos do ex-presidente e do seu entorno, tentando analisar as tendências da sua campanha eleitoral e de um eventual governo seu. Se essa é, até aqui, a hipótese mais provável, é interesse público especular sobre sentidos que ela pode assumir, a depender de movimentos que fazem e dos que podem fazer o próprio Lula e outros atores.

De início é preciso registrar e honrar a presença, também nesse assunto, dela, da incerteza - a onipresente companhia da qual nenhum assunto político se separa. A pergunta talvez mais relevante no momento seja se Lula está indo/irá ao centro em busca de uma eleição numericamente consagradora e indiscutível ou se buscará outro tipo de consagração, por vencer um terceiro turno da eleição de 2018. Nesse último caso, um acerto de contas em torno do passado recente, seu e do seu partido; no primeiro caso, a busca de liderar diferentes forças civis e políticas do país numa quadra de reconstrução nacional.

Personagem muito apetente, do ponto de vista político, Lula parece perseguir ambas as consagrações, para ser ao mesmo tempo amado como pacificador da pátria e temido como vencedor de uma revanche. Ao seu redor há coadjuvantes adequados e figurantes aptos para cada um dos dois scripts, embora os da revanche façam, por hábito e vocação, bem mais barulho. A trama ambígua, aos poucos, começou a chegar a públicos mais amplos, nos estertores do ano passado e nesses primeiros dias de 2022.  

O barulho da esquerda negativa às vezes confunde e leva gente de opinião ponderada e progressista a improvisar juízos reativos rápidos que terminam se somando à histeria que acomete a direita negativa. É precisamente o caso da discussão instalada a respeito de uma eventual revisão, ou revogação, da reforma trabalhista de 2017. É possível, em meio à cacofonia, ter juízo racional sobre o tema. Como teve o ex-presidente Michel Temer, personagem implicadíssimo no enredo, em recente entrevista concedida à jornalista Daniela Lima e seus colegas Renata Agostini e Leandro Rezende. Pelo conteúdo esclarecedor e politicamente lúcido da fala, vale, quem não assistiu, dar uma busca nos arquivos de vídeo da CNN. Ajudará a distinguir, no debate atual, visões de quem quer debate público das de quem quer revanche.

Luiz Sérgio Henriques*: Chile, Itália, Brasil

O Estado de S. Paulo.

A ‘reflexão sobre os fatos do Chile’ se impõe como necessidade para nós, brasileiros. Um país partido ao meio é a antessala do caos e da regressão

Palcos de acidentada história política, Chile e Itália compartilharam, nos anos 1970, desafios que de triviais nada tinham. Descontada a diversidade institucional – entre um presidencialismo latino-americano e um parlamentarismo quase clássico –, havia ainda assim similitudes.

Nosso vizinho chileno vivia o embate entre forças de esquerda, como o Partido Socialista e o Partido Comunista, e de centro ou centro-direita, a principal das quais a Democracia Cristã. A paisagem italiana, até nominalmente, parecia replicar a disputa, uma vez que lá também se defrontavam uma democracia cristã de profundas raízes populares e o mais criativo dos partidos comunistas do Ocidente – duas agremiações, de resto, corresponsáveis pela reconstrução no pós-guerra.

Natural que a atenção dos italianos se voltasse para a experiência de mudança que transcorria no outro lado do oceano. Contando com maioria relativa, não passava pela cabeça do presidente Allende implantar uma “segunda Cuba”, o que lhe era substantivamente estranho, mas, antes, discernir uma via original para algum tipo de socialismo, obviamente imaginado segundo os parâmetros da época.

O golpe pinochetista de 1973 iria alarmar Enrico Berlinguer, o Partido Comunista Italiano (PCI) e seu eurocomunismo. A “reflexão sobre os fatos do Chile” que o dirigente italiano logo empreendeu o fez proclamar que, até para introduzir modestos “elementos de socialismo”, não bastava conseguir metade mais um dos votos. Simplesmente inaceitável cortar ao meio um país para levar adiante a boa transformação.

Contemporâneos costumam se iludir, no todo ou em parte, sobre o combate que travam. O finalismo socialista – a ideia de uma sociedade superior inscrita nas coisas, uma espécie de meta histórica in progress – já começara a definhar, e disso nem sempre os atores se davam conta. Mas conceitos que circularam, como o “compromisso histórico” ou a “solidariedade nacional”, ajudaram a Itália a suportar as ações torpes do terror, como o sequestro de Aldo Moro, dirigente democrata-cristão protagonista do diálogo com os comunistas. (No Brasil do regime de 1964 – cabe lembrar – a parte mais lúcida da esquerda reiterava o adeus às armas e a condenação da violência política, fosse qual fosse, mesmo quando aparentemente “justificada”.)

Luiz Carlos Azedo: Nunca os conflitos do Cáucaso estiveram tão perto de nós

Correio Braziliense / Estado de Minas

Estados Unidos acusam a Rússia de preparar uma invasão da Ucrânia, enquanto Putin ameaça instalar bases militares na Nicarágua e na Venezuela. E nós com isso?

O escritor Nikolai Vassílievitch Gogol (1809-1852) é considerado um dos pais da literatura russa. Segundo Fiódor Dostoiévski, autor de Crime e Castigo, todos os grandes autores russos que conhecemos saíram do conto O capote, de Gogol, a história tragicômica de Akaki Akakiévitch, um funcionário público na Rússia czarista, cuja maior ambição era comprar um capote novo: “Não, é melhor não dizer seu nome. Ninguém é mais suscetível do que funcionários, empregados de repartições e gente da esfera pública. Nos dias que correm, todo sujeito acredita que, se nós atingimos a sua pessoa, toda a sociedade foi ofendida”. A novela mostra a frieza e a futilidade da aristocracia do Estado tzarista, em São Petersburgo.

Notável contista, os romances mais famosos de Gogol são Tarás Bulba (1834) e Almas Mortas (1842). Maria, um dos seus contos, descreve o drama da filha de um chefe cossaco aliado do Pedro, o Grande, e casada com um dos generais de Carlos XII da Suécia. A filha presencia o marido matar seu pai num duelo e fugir com o exército inimigo. A jovem enlouquece. É uma alusão à fuga de Ivan Mazepa, um general cossaco do Exército sueco. E uma alegoria da histórica divisão da Ucrânia.

Após derrotar a Saxônia, a Dinamarca e a Polônia, aliados de Pedro, o rei Carlos XII da Suécia tentara pôr fim à guerra invadindo a Rússia, em 1708. Em abril de 1709, Carlos XII, com o apoio do líder cossaco Ivan Mazepa, atacou o forte de Poltava no Hetmanato Cossaco. Os suecos atacaram o campo entrincheirado dos russos, que era defendido por 42 mil soldados. A vitória russa obrigou Carlos e Ivan Mazepa a fugirem para o Império Otomano.

Eliane Cantanhêde: Não tem jeito?

O Estado de S. Paulo.

Ao jogar a toalha antes do tempo, o defensor da terceira via cristaliza o Lula x Bolsonaro

A eleição presidencial deu um salto no fim do ano e congelou no ar, com Lula confortavelmente na frente, Jair Bolsonaro mantendo um quarto do eleitorado apesar de tudo, Sérgio Moro em terceiro, mas sem chegar a dois dígitos, Ciro Gomes entre ser ou não ser e João Doria estranhamente quieto, fiandose num selo, “pai das vacinas”.

À vontade, Lula parte para investidas internacionais, discute a sério o nome do (ou da) vice, consolida alianças no Nordeste e avança no Sudeste, enquanto Bolsonaro atira a esmo e acerta o próprio pé, ajoelha para o Centrão e afugenta militares, empresários, banqueiros, grandes produtores rurais...

Quanto mais gente torce para viabilizar uma opção aos extremos, mais cresce a angústia e dispara a precipitação. Uns dizem: “O Brasil não merece Lula nem Bolsonaro, mas, se for assim, vou com Lula”. Outros: “Esse presidente é um doido, mas entre ele e Lula, fico com ele. No Lula, não voto de jeito nenhum”.

Ou seja: os que mais querem a terceira via são os que cristalizam a polarização entre Lula e Bolsonaro, jogando a toalha, disseminando o mantra de que “não tem jeito” e antecipando o segundo turno.