*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. ‘O
que ainda nos falta’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/7/2022.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 11 de julho de 2022
Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*
Carlos Pereira: Delírios autoritários
O Estado de S. Paulo
Bolsonarismo, assim como Lulismo, é um conceito fast-food e tende a desaparecer se não institucionalizado
Com a derrota eleitoral cada vez mais iminente
do presidente Bolsonaro à reeleição e com o fracasso de seu suposto projeto
autoritário, se espraiam agora receios ou quase delírios de natureza
persecutória de que o bolsonarismo vai sobreviver, mesmo perdendo.
Como provavelmente Bolsonaro não terá um
segundo mandato consecutivo, a aposta agora é que ele seria capaz de manter
digitalmente engajado seu eleitorado mais fiel de perfil conservador, solapando
assim o mandato de seu sucessor e preparando o terreno para o seu retorno
triunfal em 2026. E aí sim, a democracia brasileira, com certeza, estaria
sentenciada à morte.
É como se a cada novo dia em que a
democracia brasileira se mantivesse firme e estável, houvesse a necessidade de
se criar fantasmas do autoritarismo para dar sentido aos falsos argumentos de
fragilidade da democracia e de suas instituições.
Certamente que preferências conservadoras vão continuar existindo na sociedade. Mas até que ponto conservadores vão apostar em Bolsonaro como único líder capaz de defendê-las, especialmente se perder as eleições? Sem institucionalização, movimentos políticos evaporam e, quando institucionalizados, são forçados a se submeter às regras do jogo.
Marcus André Melo* Judiciário e opinião pública
Folha de S. Paulo
Alta rejeição e inédita hiperpolitização
combinam-se para minar capacidade das cortes arbitrarem conflitos
A opinião pública importa para o Judiciário
entre outras coisas porque ele é um poder não eleito. Não possui a espada ou a
chave do tesouro. Daí decorrem incentivos para que cultive "virtudes
passivas" (autocontenção). O pior cenário para a instituição é o não
acatamento de decisões impopulares; é aqui que entra a
opinião pública.
Sim, certas decisões singulares têm enorme impacto sobre a avaliação das cortes
superiores (ex: a anulação de Roe vs Wade ou das condenações do ex-presidente
Lula). Mas o "apoio político ao Executivo" tem um efeito da mesma
magnitude, segundo Bartels e Kramon, em trabalhos recentes.
A avaliação das supremas cortes é condicional ao apoio ao ocupante do Executivo. Apoiadores dos presidentes tendem a avaliá-las negativamente no início do mandato e posterior mudança; com os adversários, o padrão se inverte.
Celso Rocha de Barros: Ciência, universidade e democracia
Folha de S. Paulo
Universidade pública é espaço de
experiência fundamental para a democracia
Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em junho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Daniel Tourinho Peres, professor da UFBA, e Mayra Goulart, professora da UFRJ.
Diante dos cortes criminosos que o governo
federal dirige contra o orçamento do conhecimento, muitos temos insistido na
centralidade da ciência para o desenvolvimento do país. Mas não é apenas o
nosso desenvolvimento econômico que está ameaçado. Está sob forte ameaça também
o futuro da sociedade brasileira como sociedade democrática, que combata nossa
absurda desigualdade e promova inclusão.
Por muito tempo, a ciência foi vista como atividade de um indivíduo especial: o cientista, alguém dotado de extrema curiosidade, inteligência e imaginação, capaz não apenas de olhar para os pequenos detalhes, mas também ter uma visão geral do mundo. Só mais tarde tornou-se compartilhada a percepção de que a ciência é um trabalho coletivo, resultado de uma sociabilidade muito particular, disposta a rever, ainda que nem sempre de bom grado, as bases sobre as quais estão assentadas suas certezas.
Lygia Maria: Falta grave no jogo acadêmico
Folha de S. Paulo
Na universidade e na democracia, o debate
livre de ideias é princípio ético inegociável
A palavra "lúdico" vem do latim
"ludus" que, na Roma antiga, significava não apenas "jogo"
e "brincadeira", mas também era o nome das escolas onde crianças
aprendiam matemática, escrita e até retórica. Adoro essa relação entre jogo e
conhecimento, mas parece que desaprendemos a jogar.
Aumentam
casos em que palestrantes são impedidos de falar em universidades por alguma
militância política. Professores são "cancelados" e
até correm risco de demissão por dizerem algo considerado indevido, muitas
vezes por critérios subjetivos. Nos EUA, a moda começou nos anos 1990:
feministas exigiram a demissão de Camille Paglia só porque discordavam de
artigos da pesquisadora. O problema também atinge os alunos. Segundo pesquisa
do College Pulse, 80% dos 37 mil universitários entrevistados disseram já ter
praticado autocensura e 48% se sentem desconfortáveis em manifestar opiniões
sobre temas polêmicos.
Ana Cristina Rosa: Quando a vítima é a democracia
Folha de S. Paulo
Estudo mostra que 82% das mulheres
parlamentares sofreram violência psicológica
É aterrorizante o aumento da violência
política de gênero e de raça. Estudo realizado pela União
Interparlamentar em cinco regiões do globo, entre as quais
estão as Américas, apontou que 82% das mulheres parlamentares sofreram
violência psicológica.
Pelos dados, 67% das parlamentares foram insultadas; 44% receberam ameaças de
morte, estupro, espancamento ou sequestro; 20% foram vítimas de assédio sexual;
e outras 20% passaram por violência no ambiente de trabalho.
Os números integram um guia lançado pela Meta, proprietária do Facebook, do Instagram
e do WhatsApp, para enfrentar a situação em suas plataformas. Entre as
orientações, está a de que as vítimas compartilhem suas histórias nas redes
sociais.
Ruy Castro: Justiça, talvez, por Tenorio
Folha de S. Paulo
Dez criminosos da ditadura argentina vão à
prisão perpétua
Há dias, a Justiça da
Argentina condenou dez ex-militares à prisão perpétua por
crimes cometidos durante a ditadura
(1976-1983) naquele país. Alguns desses crimes foram de sequestro,
tortura e homicídio, este muitas vezes o "voo
da morte" —a prática de atirar prisioneiros políticos no
mar, de avião. O centro desses torturadores era uma base militar perto de
Buenos Aires. Por ali podem ter passado 5.000 pessoas. Uma delas, o pianista
brasileiro Tenorio Jr.
Tenorio tinha
33 anos, quatro filhos e sua mulher, no Rio, esperava o quinto. Fora
uma das grandes revelações do samba-jazz e seu LP "Embalo", lançado
em 1964, é um dos três ou quatro discos decisivos do gênero —a edição original,
pela RGE, chega hoje a alguns milhares de reais nos leilões.
Em 1976, Tenorio era o pianista de Vinicius de Moraes e Toquinho, que se
apresentavam em Buenos Aires. Na noite de 18 de março, ele saiu do hotel
Normandie para dar uma volta. Deixou um bilhete na recepção dizendo "Volto
logo". Mas não voltou. Foi um dos primeiros "desaparecidos" do
golpe que dali a dias deporia a presidente Isabelita Perón.
Bolsonarista invade festa e mata político petista a tiros no PR
Agressor, que foi ao local dizendo 'aqui é Bolsonaro', também foi baleado
Victoria Azevedo, Mauren Luc / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO e CURITIBA - Um policial penal
federal bolsonarista invadiu uma festa de aniversário e matou a tiros o guarda
municipal e militante petista Marcelo Aloizio de Arruda, na noite de sábado
(9), em Foz do Iguaçu (PR).
Durante a ação, o petista reagiu e efetuou
disparos contra seu agressor, identificado como Jorge José da Rocha Guaranho.
A Polícia Civil do Paraná a princípio disse
que Guaranho também tinha morrido, mas a
informação depois foi corrigida. Ele permanece internado.
O ataque
ocorreu durante o aniversário de 50 anos de Marcelo de Arruda,
comemorado com uma festa temática do PT.
Segundo os relatos à polícia, Guaranho
passou de carro em frente ao salão de festas dizendo "Aqui é
Bolsonaro" e "Lula ladrão", além de proferir xingamentos. Ele
saiu após uma rápida discussão e disse que retornaria.
De acordo com as testemunhas, Arruda então
foi ao seu carro e pegou uma arma para se defender.
Guaranho de fato retornou, invadiu o salão de festas e atirou em Arruda. O petista, já ferido no chão, também baleou o bolsonarista. Uma câmera de segurança registrou o crime.
Presidentes de partidos: Violência na campanha eleitoral pode ser inédita na história do país
Militante petista foi morto por bolsonarista em sua festa de aniversário
Danielle Brant / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - A morte de um
militante petista por um policial
penal federal bolsonarista evidencia que a campanha eleitoral
deste ano deve ter um nível de violência inédito no país, avaliam presidentes
de partidos políticos.
Marcelo de Arruda comemorava seu
aniversário de 50 anos em festa temática a favor do PT quando o bolsonarista
Jorge José da Rocha Guaranho passou em frente ao local de carro e afirmou
"aqui é Bolsonaro". Mais tarde, o policial penal retornou. O petista
morreu após discussão e troca de tiros.
Para o presidente do PSB, Carlos Siqueira,
o assassinato de Arruda é "profundamente lamentável e inaceitável".
"O episódio do assassinato do líder
petista em Foz do Iguaçu é revelador do nível de violência que poderemos
assistir na campanha eleitoral deste ano, que pode ser sem precedente na
história republicana brasileira", afirmou Siqueira.
"Desgraçadamente estamos numa
sociedade dividida. Por isso mesmo penso que o tema da coesão social deve
ganhar prioridade", disse.
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, vê o crime como fruto da radicalização da política brasileira. "Esse que invadiu o aniversário é a demonstração de que o insano é irmão da tragédia", afirmou. "É um desastre imaginarmos que esse não seja o primeiro e único [crime]", complementou.
Bruno Carazza*: Receita nº2 para ser eleito: ser parente ou amigo
Valor Econômico
Relações familiares ou de confiança são o
melhor atalho na política
Desde outubro de 2018 repete-se à exaustão
a fake news de que a taxa de renovação do Congresso naquele ano foi altíssima.
Na semana passada eu demonstrei como políticos que tentam a reeleição largam na
frente de seus concorrentes. Na receita para conseguir uma cadeira no Congresso
Nacional, porém, entram outros ingredientes além da exploração das vantagens de
se ter um cargo.
De fato, se você considerar todos os
deputados que exerceram mandato em algum momento entre 2015 e 2018, sobreviveram
252 membros. Por esse prisma, portanto, a taxa de renovação na Câmara federal
foi de 50,8% - um número bastante considerável. Mas essa é uma conta
preguiçosa.
Em 2018, no auge da Lava-Jato e do
sentimento antipolítica, o clima ficou arriscado para muitos medalhões da
política. Muitos que tentaram nadar contra a corrente naufragaram - de Romero
Jucá a Cristiane Brasil, passando por Cristovam Buarque e Lúcio Vieira Lima,
muitos nomes tradicionais da política perderam seu lugar ao sol. Alguns decidiram
submergir e nem concorreram. Outros, mais espertos, decidiram rebaixar suas
ambições, todavia.
Dos deputados eleitos em 2018, Aécio Neves (PSDB-MG), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lídice da Mata (PSB-BA) eram senadores e saíram para deputado federal naquele ano, assim como o suplente, mas em exercício, José Medeiros (PL-MT). Isso não é demérito. Carreiras políticas raramente são lineares. Recuos estratégicos fazem parte do jogo, assim como as derrotas - até porque raramente políticos tarimbados ficam desamparados caso percam uma eleição. Sempre há uma direção de estatal, um ministério ou uma secretaria de Estado para acomodar velhos companheiros.
Entrevista | Persio Arida: “Inflação é sempre o resultado de uma falha do governo”
Para Persio Arida, cortar imposto para tentar controlar a inflação é medida populista e irresponsável
Por Anaïs Fernandes / Valor Econômico
Ainda que existam fatores globais ajudando
a explicar a pressão sobre os preços, como no caso atual no Brasil, a inflação
sempre é resultado de falhas de governo, o que já aconteceu e segue ocorrendo
na gestão de Jair Bolsonaro (PL), aponta Persio Arida, ex-presidente do Banco
Central e um dos idealizadores do Plano Real.
Cortar impostos no contexto atual das
contas públicas brasileiras para tentar controlar a inflação é medida populista
e irresponsável, segundo Arida. Além disso, o governo corre para aprovar uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o valor do Auxílio Brasil e
cria outros benefícios, o que tende a alimentar ainda mais a inflação, diz ele.
“É uma mistura de desfaçatez com inépcia”, afirma Arida.
"Nosso primeiro compromisso tem que ser com
a democracia. Estamos vivendo um retrocesso civilizatório”
Ele observa que os próximos meses,
principalmente a partir de agosto, quando começa a campanha eleitoral, serão de
elevada incerteza, o que também não facilita o trabalho do Banco Central de
convergir a inflação para a meta. “Quem garante que o governo não patrocinará
mais um furo no teto, ou que a PEC supostamente emergencial não vire
permanente?”
Arida foi coordenador do programa econômico
do ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje PSB) na corrida pelo Planalto em 2018,
quando Bolsonaro saiu vencedor. Em março deste ano, circularam notícias de que
Arida havia se reunido com Aloizio Mercadante (PT), coordenador do programa da
chapa Lula-Alckmin. Ao Valor Arida
confirma o encontro, mas diz que tem se reunido com “todas as forças do campo
democrático”. Ele cita o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), que
acabou deixando a disputa, e a pré-candidata Simone Tebet (MDB). “Mais quatro
anos da família Bolsonaro no poder seriam desastrosos para o Brasil”, alerta.
"Com uma boa agenda ambiental e respeito às
instituições, o Brasil deixa de ser um pária dos investimentos”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na sexta-feira.
Fernando Gabeira: Sobre desistir do Brasil
O Globo
Os kamikazes cumpriam missões suicidas na
esperança de salvar seu país. A elite política busca se manter no poder
Na semana passada, escrevi um longo artigo
sobre essa PEC de benesses que atropela o equilíbrio fiscal, a Constituição e
as leis eleitorais. Não vou repetir o tema nem os argumentos.
Apenas lembro mais uma vez : a expressão
PEC Kamikaze é imprecisa. Os pilotos japoneses, na Segunda Guerra, cumpriam
missões suicidas na esperança de salvar seu país. A elite política procura se
manter no poder, colocando em risco o próprio Brasil.
Usei a expressão elite política, que talvez
seja mais ampla que o próprio Congresso. Envolve acadêmicos, intelectuais;
enfim, é um termo mais amplo. Mas o que aconteceu no Parlamento é um ato de
representantes diretamente eleitos pelo povo.
É em torno desse tema, elite política, que
pretendo divagar. Sempre volto à leitura de “Memórias de Adriano”, de
Marguerite Yourcenar. O que mais atrai nele é sua atitude diante da morte, algo
que enriquece meu estudo sobre o tema no belo trabalho de Simon Critchley “O
livro dos filósofos mortos”, uma análise sobre como morreram centenas de
filósofos, dos gregos aos pós-modernos. Um dia, falo dele.
O Adriano que interessa aqui é o político de sensibilidade extraordinária. Ele achava que era importante tratar com bondade escravos, pobres, todos os que estavam na base da pirâmide social. Seu argumento era que deveriam se interessar pela sobrevivência e estabilidade de Roma.
Artigo*: PEC N.1/ 2022: A Constituição é para valer?
*Rodrigo Maia (PSDB/RJ), Orlando Silva (PC do B/SP), Pedro Paulo (PSD/RJ), Felipe Rigoni (União/ÉS), Joice Hasselmann (PSDB/SP), Marcelo Ramos (PSD/AM), Kim Kataguiri (União/SP)
O Globo
A autorização para criar e ampliar
benefícios sociais e distribuir dinheiro às vésperas da eleição, com amparo num
suposto 'estado de emergência', deve ser avaliada com muito cuidado
Nenhum dos apelidos que a PEC n. 1/2022
recebeu até hoje faz jus ao seu real significado.
Não é uma “PEC de bondades”, porque não é
bondade dar com uma mão e, em poucos meses, tirar com a outra, com juros e
inflação elevados, que atingirão de forma impiedosa os mais vulneráveis. Não é
uma “PEC eleitoreira”, simplesmente porque os prejuízos que ela acarreta vão
muito além da seara eleitoral. Também não é uma “PEC kamikaze”, porque o
governo não age de forma suicida, pelo contrário: coloca-se numa posição de vantagem,
qualquer que seja o resultado de sua manobra. É preciso compreender e nomear
essa medida de forma precisa, se quisermos superar o dilema que ela apresenta a
nós brasileiros.
Os numerosos estudos sobre os riscos que
ameaçam a democracia liberal convergem para um mesmo ponto: boa parte dos
regimes autoritários contemporâneos não é instituída por meio da força bruta.
Eles surgem de ações populistas, que visam suprimir ou mitigar garantias
constitucionais a partir de maiorias legislativas circunstanciais ou de
decisões plebiscitárias que expressam o momento. Um dos alvos prediletos dos
populistas é a manipulação das regras eleitorais.
Por isso, a autorização para criar e ampliar benefícios sociais e distribuir dinheiro às vésperas da eleição, com amparo num suposto “estado de emergência”, deve ser avaliada com muito cuidado. Primeiro, a expressão “estado de emergência” não existe em canto algum da Constituição. Ela foi extraída de políticas de defesa civil e o próprio Poder Executivo a define como uma situação de crise provocada por um desastre que comprometa a capacidade de resposta do Poder Público ou que demande a adoção de medidas excepcionais.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
É dever de Bolsonaro condenar a violência
O Estado de S. Paulo
Atentados recentes a atos políticos preocupam em um ano de eleições altamente polarizadas. Mas, antes que serenar os ânimos, o presidente os acirra
O ataque de um bolsonarista que matou um
petista no Paraná é um tenebroso lembrete do que a polarização política é capaz
de fazer. Quando vidas são perdidas, é dever das autoridades, a começar do
presidente da República, condenar a violência e serenar os ânimos. Mas Jair
Bolsonaro faz justamente o contrário – incentiva a hostilidade aos opositores,
considerados inimigos.
Um levantamento do Estadão de
2020 mostrou que a média de mortes por motivações políticas nas eleições
municipais na redemocratização foi de 52. Naquele ano foram 76. Boa parte desse
aumento está relacionada à infiltração do crime organizado. Mas a polarização
tem o seu papel.
No último dia 7, uma bomba com fezes foi
lançada em um ato do qual participava o candidato petista Lula da Silva. Dias
antes um drone despejou fezes e urina em manifestantes petistas. Não havendo
indícios de que as agressões tenham sido promovidas por grupos organizados e
não tendo deixado feridos, elas tendem a ser relegadas ao folclore. Nem por
isso deixam de ser crimes contra a dignidade das vítimas e prenunciar as nuvens
de uma tempestade que pode se abater sobre a política nacional. Por isso, o
silêncio do presidente da República é ensurdecedor.
Por óbvio, condenar a violência cabe a todos: lideranças civis, autoridades públicas e principalmente os candidatos. O próprio PT tem um histórico de conivência com a violência praticada por regimes ditatoriais e militâncias no Brasil, como o MST. Há pouco, Lula conclamou militantes a intimidar deputados e suas famílias em suas casas. Mas a omissão de Bolsonaro é especialmente grave por quatro motivos.
João Almino*: Utopia universalista
Folha de S. Paulo
Ideias do diplomata não prevaleceram na história, mas continuarão pulsando em quem clama por emancipação
O filósofo e
diplomata Sergio Paulo Rouanet morreu neste domingo (3), mas sua
obra mantém-se viva, não porque suas ideias tenham prevalecido —pela razão
inversa.
Conhecido nacionalmente pela Lei de
Incentivo à Cultura, que leva seu nome, deu uma contribuição
importante ao Itamaraty, entre outros campos, por meio de propostas e de
negociações do Gatt (prévio à criação da Organização Mundial do Comércio) e da
UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e do Desenvolvimento),
que favoreceram os países em desenvolvimento.
Foi membro da ABL (Academia Brasileira de
Letras), e seu legado inclui a criação recente do Instituto Rouanet, em
Tiradentes. Escreveu sobre Machado de Assis ("Riso e Melancolia"),
sobre Freud ("Édipo e o Anjo" e "Os Dez Amigos de Freud").
O cerne de sua obra filosófica, sobretudo,
é reconhecido dentro e fora do Brasil. É a ele que quero me dedicar neste
artigo.
Ao fazer a defesa do universalismo, Rouanet
nadou contra a corrente. Reelaborou ideias da Ilustração dentro de um novo
conceito de Iluminismo. Este, tal como ele propôs, é uma utopia e situa-se no
campo das ideias, que podem ser utilizadas como um guia em qualquer tempo e
lugar. Não se confunde, portanto, com a Ilustração, que é fenômeno histórico
europeu do século 18.
Algumas das reflexões de Rouanet sobre o
relativismo —e, em especial, o relativismo cultural—
são da década de 1980 e 1990 e têm ganhado atualidade, porque as correntes
relativistas que ele criticou se reforçaram desde então. Os particularismos,
baseados em religião e nação, em especial, têm aguçado disputas políticas,
servido ao autoritarismo e alimentado guerras civis e internacionais.
Em "As Razões do Iluminismo", de 1987, Rouanet explica por
que a geração de uma cultura autônoma não deve ficar confinada a fronteiras
nacionais: a inteligência não tem pátria, a cultura autêntica pode ser
estrangeira, a cultura nacional pode ser alienada e, se a cultura é
verdadeiramente universal, ela é "ipso facto" nacional.
Um dos ensaios, intitulado "O novo
irracionalismo brasileiro", havia sido publicado no
Folhetim, da Folha, em 17 de novembro de 1985, sob o título
"Verde-amarelo é a cor do nosso irracionalismo".
É, a meu ver, em "Mal-estar na Modernidade", de 1993, que Rouanet expõe o cerne de seu pensamento iluminista. Na contramão dos deterministas culturais, que, em geral, não admitem a realidade dinâmica das culturas nem, em maior ou menor grau, seu caráter híbrido, ele defende que a cultura é síntese sempre se fazendo e será tanto mais vigorosa quanto mais diversificados forem os elementos dessa síntese. A natureza dinâmica e sincrética das culturas torna mais complexas, por sua vez, as noções de identidade e de raízes, que supõem uniformidade, paralisia e, quando negam a hibridização, endogamia.
domingo, 10 de julho de 2022
Merval Pereira: Ainda há militares em Brasília?
O Globo
A exacerbação da retórica radicalizada do
presidente Bolsonaro à medida que se aproximam as eleições, com indicações de
dificuldades quase intransponíveis para sua reeleição, demonstra que ele não
está aceitando a derrota e prepara o terreno para uma subversão do resultado.
Informações não desmentidas de que a recente reunião ministerial, além da
ilegalidade de ter tratado da campanha eleitoral, foi uma exaltação a um golpe
de Estado com ares de legalidade, fazem com que o sinal de alerta tenha sido
ligado em diversas instituições democráticas, e provocou a denúncia do
Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Bolsonaro ameaçou as eleições novamente na reunião ministerial no Planalto. O
caso é mais sério porque o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa, estava
presente, e o atual ministro da pasta, general Paulo Sergio, respaldou as
ameaças, ao afirmar que o TSE não respondeu às demandas das Forças Armadas. O
primeiro absurdo é fazer reunião ministerial para tratar de eleições durante o
expediente dentro do Palácio do Planalto, e pedir aos ministros que participem
da campanha.
Os relatos indicam que o presidente disse que, se as informações pedidas pelas
Forças Armadas não forem dadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele
não participará da eleição. Isso é diferente de “não vai ter eleição”, como
vinha ameaçando. Pode desistir, se sentir que vai perder já no primeiro
turno? Não parece de seu feitio, o que aumenta a possibilidade de que pode
tentar decretar um estado de sítio, ou medida semelhante. O que passa pela
cabeça dele não pode ser coisa boa, porque está batendo com muita persistência
nas urnas eletrônicas, e nos dias mais recentes tem claramente estimulado uma
reação de seus seguidores: “Vocês sabem o que têm que fazer”, disse Bolsonaro
nada enigmático.
Elio Gaspari: Começou a temporada da magia negra
O Globo / Folha de S. Paulo
Está em circulação mais um expediente para
tumultuar a eleição
Está em circulação mais um expediente magia
para tumultuar a eleição. Ainda no nascedouro, nada indica que prospere, mas
convém registrar sua existência. Afinal, as conversas chegaram a pessoas que já
viram muita coisa, e elas não gostaram do que ouviram.
O lance de magia negra circula há mais de
um mês, com duas versões. A primeira é recente. A segunda é mais velha.
A versão recente tem três fases.
Nela, milícias digitais e mobilizações
semelhantes às do ano passado criariam um clima de instabilidade a partir da
Semana da Pátria.
Armado o fuzuê, vozes pretensamente
pacificadoras defenderiam o adiamento das eleições, com a votação de uma emenda
constitucional. Junto com essa emenda seriam prorrogados todos os mandatos, de
congressistas, governadores e, é claro, do presidente da República.
A segunda versão, mais velha, tem o mesmo
desfecho, mas começa no dia da eleição, com ou sem tumultos populares. Nela, o
coração da manobra está em provocar um apagão no fornecimento de energia por
algumas horas em duas ou três grandes cidades, atingindo-se um significativo
número de eleitores.
Melada a eleição, aparece a mesma turma
pacificadora, marcando uma nova data. Calcula-se que isso só seria possível
depois de pelo menos dois meses. Tendo ocorrido uma catástrofe dessas
proporções, a totalização eletrônica estaria ferida. Nesse caso, o hiato seria
maior. Assim, chega-se ao mesmo desfecho da versão anterior: prorrogam-se os
mandatos.
Por todos os motivos, essas piruetas não teriam a menor chance de avançar. Contudo, os antecedentes dos principais personagens da manobra recomendam cautela e prevenção.
Bernardo Mello Franco: Freio na matança
O Globo
A adoção de câmeras nos uniformes reduziu
em 80% as mortes provocadas pela polícia de São Paulo. Os dados se referem a 19
batalhões que começaram a usar os equipamentos em junho de 2021. No primeiro
ano do programa Olho Vivo, as unidades registraram 41 mortes causadas pela PM.
Nos 12 meses anteriores, haviam contabilizado 207, informou levantamento do
UOL.
Os números publicados na terça-feira
mostram que a tecnologia impôs um freio à matança policial, que atinge
preferencialmente jovens negros das periferias. “As câmeras não são uma
panaceia, mas têm um potencial de fiscalização imenso”, afirma o presidente do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima.
Apesar dos bons resultados, o programa está em risco. Entrou na mira de candidatos ao Palácio dos Bandeirantes. O bolsonarista Tarcísio de Freitas disse que as câmeras “inibem” o trabalho da PM. “Não estou preocupado com a letalidade policial, estou preocupado com a letalidade do bandido”, disparou, numa atualização do bordão “bandido bom é bandido morto”.
Míriam Leitão: Bolsonaro arma bombas fiscais
O Globo
O governo Bolsonaro armou uma bomba fiscal
que vai estourar no próximo governo. Quem se eleger este ano enfrentará uma
avalanche de aumentos de custos, de quedas de receitas e muitas armadilhas que
poderão inviabilizar o primeiro ano da administração. Há renúncias tributárias
aprovadas recentemente, no valor de R$ 40,8 bilhões para 2023, e despesas
pedaladas. O governo fez várias reduções de impostos e aumento de despesas por
apenas seis meses, para tentar ganhar a eleição. Isso significa que o novo
governo, ou novo mandato, começará com decisões dramáticas sobre manter os
benefícios e acabar de estourar o caixa, ou retirá-los e enfrentar os impactos
disso na governabilidade.
O teto de gastos foi completamente desmoralizado. O debate eleitoral sobre se o candidato ou a candidata manterá ou não o teto de gastos é ocioso. O governo Bolsonaro criou uma quantidade tão grande de exceções à regra, de despesas sobre o teto, de furos, que a economia está desancorada. Será preciso definir um novo parâmetro fiscal.
Luiz Carlos Azedo: Imponderável é a astúcia do povo
Correio Braziliense / Estado de Minas
Deputados estão matando esses
dois coelhos com uma cajadada, ou seja, agradam o eleitor de baixa renda com o
aumento do Auxílio Brasil e cevam as suas bases eleitorais com as verbas do
Orçamento
O velho folclorista capixaba Hermógenes
Lima Fonseca, nascido em 12 de dezembro de 1916, no Sítio José Alves, em
Palmeiras, distrito de Itaúnas, Conceição da Barra, viveu até 1996, quando
faleceu em Vila Velha, aos pés do Convento da Penha, um dos mais antigos no
Brasil. Formado em direito, era contador e pesquisador da cultura de seu
estado, que sofre muita influência de baianos e mineiros, além da forte atração
dos cariocas, que consagraram Roberto Carlos, Nara Leão, Sérgio Sampaio e Rubem
Braga. Hermógenes dizia que “o povo astucia as coisas”, frase na qual se
inspira essa reflexão dominical.
Nos dicionários, astúcia é o mesmo que esperteza ou a habilidade da pessoa que não se deixa enganar com facilidade. Na política, porém, quase sempre tem um significado negativo, porque é uma das características dos políticos, quando atuam de forma dissimulada para atingir seus objetivos e enganar o eleitor. Há uma grande diferença entre a astúcia do povo e astúcia dos políticos. A primeira se baseia no bom-senso. Já a astúcia dos políticos recorre ao senso comum para atingir objetivos obscuros. É mais ou menos o que está acontecendo com a PEC da Eleição, que está em discussão na Câmara, um pacote de bondades destinado à população de mais baixa renda, com o claro propósito de favorecer a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Eliane Cantanhêde: Tiro, fezes, bombas caseiras
O Estado de S. Paulo.
A três meses da eleição, tiro, fezes, bombas caseiras e caravana de armas na Catedral
Pode ser só coincidência, porque, afinal,
coincidências acontecem, mas três episódios simultâneos aumentam o medo do que
possa acontecer no 7 de Setembro e principalmente antes, durante e depois das
eleições. A violência política, que atingiu até os Estados Unidos e o Japão,
pode chegar ao Brasil? Para o presidente do TSE, Edson Fachin, o risco é
grande.
Em Brasília, estrume, terra e ovos no carro
do juiz Renato Borelli, que acatou um pedido da PF para prender o ex-ministro
Milton Ribeiro e os dois pastores trambiqueiros que agiam no MEC por orientação
do Planalto.
No Rio, uma bomba de cocô próxima a um ato
de campanha do ex-presidente Lula. Em São Paulo, um tiro numa vidraça da Folha
de S.Paulo.
Num ambiente saudável, prendiam-se os
responsáveis e tocava-se a vida. Mas o Brasil e o mundo não estão nada
saudáveis e há uma interrogação no ar: até onde o presidente Jair Bolsonaro e
os bolsonaristas são capazes de ir se ele perder a eleição, como, aliás,
indicam as pesquisas?
Num evento em Washington, Fachin disse, em tom de alerta, que o Brasil pode sofrer um atentado ainda mais grave do que a invasão do Capitólio após a derrota de Donald Trump. Em live, Bolsonaro respondeu que “ninguém quer invadir nada”, mas conclamou sua milícia para já fazer algo “antes das eleições”.
Pedro S. Malan*: Contra o ‘nós contra eles’
O Estado de S. Paulo
O Brasil é por demais complexo e tem muita
gente competente, que recusa a polarização lulopetismo x bolsonarismo.
Em discurso para a militância, durante a
campanha eleitoral de 2014, Lula disse que já se via, com Dilma, em 2022, nas
comemorações de nossos 200 anos de Independência, defendendo tudo o que haviam
conseguido conquistar “nos últimos 20 anos”. É legitimo a qualquer pessoa
expressar de público suas “memórias do futuro”, para usar a bela expressão de
Borges, para caracterizar desejos e expectativas.
Assim abri meu artigo neste espaço em
14/12/2014. E acrescentei: mas antes de chegar às eleições de 2022, haveria de
passar por 2018. E não seria fácil de explicar então as conquistas dos “últimos
16 anos” como se fossem um coerente e singular período passível de ser
entendido como um todo, como a “marquetagem” política tentou na eleição de 2014
com o discurso dos “últimos 12 anos”.
Afinal, a perda de credibilidade da
política governamental na área econômica era de tal ordem que o discurso do
“mais do mesmo”, no qual o governo Dilma insistia, estava com seu prazo de
validade estampado no rótulo.
Relembrar traços essenciais dos começos de Lula e Dilma permite tirar conclusões relevantes. Lula 1 beneficiou-se fortemente da combinação positiva de três ordens de fatores: situação internacional extraordinariamente favorável; política macroeconômica não petista seguida, por Antonio Palocci e Henrique Meirelles; e herança não maldita de mudanças estruturais e avanços institucionais alcançados em administrações anteriores, inclusive programas sociais que foram mantidos, reagrupados e ampliados. Lula 1 começou a terminar quando, sob intenso fogo amigo, Palocci e sua equipe deixaram o governo. Lula 2 assumiu com nova equipe e nova concepção sobre o crucial papel do Estado no desenvolvimento do País. O PAC e suas sucessivas (cada vez mais ambiciosas) versões foi, em parte, a expressão dessa nova postura. A crise internacional após setembro de 2008 forneceu grande álibi para a ampliação da política contracíclica, dita “keynesiana”, que vinha sendo praticada prociclicamente desde 2007. Isso levou aos insustentáveis 7,5% de crescimento em 2010, em razão de outro extraordinário surto de melhora nos termos de troca, fruto do efeito China.
Rolf Kuntz: Comida de sobra, renda de menos
O Estado de S. Paulo
ONU confirma milhões de pessoas famintas ou
sem segurança alimentar num país capaz de fornecer comida a multidões em todo o
mundo.
O presidente Jair Bolsonaro talvez nem
precise estraçalhar a Constituição, arrebentar o teto de gastos e distribuir
bilhões em bondades eleitorais para conseguir a reeleição. Se vitorioso, talvez
nem valha a pena discutir a segurança das urnas eletrônicas e estimular a
reprodução, em Brasília, da invasão do Capitólio. Milhões de votos serão obtidos,
quase certamente, se ele explorar de forma eficiente algumas boas notícias –
boas, pelo menos, de uma perspectiva bolsonariana. Exemplo: 61,3 milhões de
pessoas enfrentaram insegurança alimentar, no País, nos últimos anos. O
contingente inclui 15,4 milhões em condição de insegurança grave, também
conhecida como fome. Esses números, publicados pela Organização das Nações
Unidas (ONU), são bem menos sombrios que aqueles apontados, há pouco tempo, em
pesquisa de entidades não oficiais – 33 milhões de famintos e 125 milhões de
indivíduos com dificuldades para comer.
Afinal, poderiam perguntar os marqueteiros de Bolsonaro, que são 61,3 milhões sem garantia de comida, cerca de 30% da população, quando o País é uma das 12 maiores economias e sua agropecuária alimenta multidões em vários continentes? A realidade, portanto, é muito mais bonita do que dizem os críticos de sua excelência. A garantia é da ONU e o relatório descreve a situação dos brasileiros entre 2019 e 2021.
José Roberto Mendonça de Barros: Da foto bonita ao populismo radical
O Estado de S. Paulo
Governo federal insiste em dizer que a
fotografia da área fiscal é muito bonita
O governo insiste em dizer que a fotografia
da área fiscal é muito bonita. A relação dívida/PIB está em torno de 80%, não
de 100% projetado no ano passado; o resultado primário também tem sido melhor
do que o esperado; e há uma queda das despesas não financeiras (incluindo folha
e benefícios previdenciários) sobre o PIB.
Esses resultados agregados envolvem tanto avanços reais quanto eventos temporários, que irão se reverter nos próximos meses. O problema é que os avanços sumirão frente ao que virá adiante.
São reais os efeitos da reforma previdenciária do governo Temer, a redução no número de funcionários federais, certa expansão dos serviços públicos digitais, forte elevação na arrecadação, algumas concessões e a privatização da Eletrobras.
Janio de Freitas: Ouvir a última chamada
Folha de S. Paulo
Retrocessos nas práticas institucionais são
novas realidades e requerem mais do que o voto bem pensado
A sequência de fatos com relevante
implicação política, embora ainda não concluída, proporciona uma visão bastante
nítida do que já são resultados profundos e não transitórios dos anos
bolsonaristas. Primeiro, nas práticas institucionais em relação a seus
respectivos roteiros legais, à sua devida moralidade e às perspectivas do país.
Como consequência, nos reflexos sobre aspectos básicos da vida nacional.
O projeto de lei da Presidência que instala
um estado de emergência inexistente na Constituição, e derruba as restrições a
gastos eleitoreiros nos 90 dias pré-eleições, foi aprovado pelos senadores por
uma aberração: 72
a 1 e 67 a 1 nos dois turnos (1 foi José Serra). Vive agora trapaças na
Câmara para a votação final. A aprovação favorável ao candidato Jair
Bolsonaro já custou mais de R$ 6 bilhões (até a quinta-feira, 7) em
dinheiro do Tesouro Nacional distribuído a parlamentares, a título de emendas
orçamentárias.
As sessões da Câmara exigidas entre a primeira e a segunda votações completaram-se assim: "Está aberta a sessão. (Oposicionistas pedem a palavra em vão). Está encerrada a sessão". Menos de um minuto. Era sessão marcada desavergonhadamente para abertura às 6h30 da manhã.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro contra-ataca, Lula cochila
Folha de S. Paulo
PIB e emprego melhoram, inflação é
maquiada, governismo empareda oposição e STF
Em julho, a taxa de inflação deve
ser negativa. Isto é, o IPCA pode
diminuir quase 1% neste mês. A inflação anual cairia pouco, para perto de 10%.
A carestia da comida continuaria na casa de horríveis 16% ao ano. A baixa
do preço dos combustíveis vai maquiar uma inflação ainda ruim e
disseminada.
Mas o bolsonarismo vai bater bumbo,
comemorando esse primeiro lance do contra-ataque que começou agora. Deve fazer
uns gols nas pesquisas de agosto ou setembro. Talvez não sejam muitos pontos,
mas o bastante para afastar o risco de derrota no primeiro turno. Com essa
jogada de Auxílio
Brasil etc., deve sair do sufoco em que estava fazia apenas uma
quinzena.
Além disso, em 31 de julho começam as manifestações de rua bolsonaristas, que devem culminar na reedição apoteótica de aniversário do 7 de Setembro golpista, agora mais disfarçado. "Disfarçado" em termos, pois foi retomada a campanha de desmoralização das urnas e de intimidação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo, ofensiva com grande apoio militar.
Muniz Sodré*: O samba do Chico Buarque
Folha de S. Paulo
Nova canção do músico foi acolhida em
segmentos diversos como um acontecimento
A última canção
de Chico Buarque tem toque de gênio na autoria e na recepção.
Do artista já se conhece o brilho solar, mas a canção foi acolhida em segmentos
diversos como um acontecimento, portanto, como uma marcação social
diferenciada. É que, no contexto atual da vida brasileira, golpeada por
sobressaltos sanitários, econômicos, políticos e morais, numa escala inédita na
história do país, espera-se geralmente que a boa repercussão pública de algo
reflita a urgência da reconstrução. Chico, voz das mais politizadas, limitou-se
a perguntar, compondo, "que tal um samba?"
Tanto quanto a letra da canção, é a própria ideia de samba que instiga. A presença ativa do artista na cena brasileira não deixa esquecer que ele, integrante de uma geração notável de criadores da música popular, tem sido politicamente marcante no que há de generoso ou esperançoso para com as agruras coletivas. Afinal, o que balançou o corpo do povo nos longos e asfixiantes anos da ditadura militar foi o grito cantado. Reiterada como forma de integração rítmica do homem na sociedade, a música cerrou fileiras com a democracia.
Bruno Boghossian: Quem (não) vai votar em outubro?
Folha de S. Paulo
Abstenção e voto nulo podem ser desafios
para campanhas dos dois candidatos ao Planalto
Nenhuma campanha corre atrás de votos sem
se preocupar com o eleitor que pode preferir não votar em ninguém. Aliados de
Jair Bolsonaro veem o risco de uma
abstenção alta entre potenciais apoiadores do presidente caso
ele chegue a outubro em desvantagem nas pesquisas. Já o PT busca um plano para
evitar uma participação eleitoral baixa demais em grupos simpáticos a Lula.
Num país com voto obrigatório e punição branda para o descumprimento da regra, a abstenção ficou na casa dos 20% no último segundo turno presidencial. Outros 10% tiveram disposição de ir até uma seção para votar nulo ou em branco. Uma variação expressiva desses números pode determinar o resultado de uma eleição apertada.