segunda-feira, 11 de julho de 2022

Lygia Maria: Falta grave no jogo acadêmico

Folha de S. Paulo

Na universidade e na democracia, o debate livre de ideias é princípio ético inegociável

A palavra "lúdico" vem do latim "ludus" que, na Roma antiga, significava não apenas "jogo" e "brincadeira", mas também era o nome das escolas onde crianças aprendiam matemática, escrita e até retórica. Adoro essa relação entre jogo e conhecimento, mas parece que desaprendemos a jogar.

Aumentam casos em que palestrantes são impedidos de falar em universidades por alguma militância política. Professores são "cancelados" e até correm risco de demissão por dizerem algo considerado indevido, muitas vezes por critérios subjetivos. Nos EUA, a moda começou nos anos 1990: feministas exigiram a demissão de Camille Paglia só porque discordavam de artigos da pesquisadora. O problema também atinge os alunos. Segundo pesquisa do College Pulse, 80% dos 37 mil universitários entrevistados disseram já ter praticado autocensura e 48% se sentem desconfortáveis em manifestar opiniões sobre temas polêmicos.

No Brasil, uma turba raivosa tentou impedir a exibição do filme sobre Olavo de Carvalho e, semana passada, o vereador Fernando Holiday foi impedido de falar em um evento na Unicamp. Não é necessário concordar com alguém para ser contra censurá-lo. Isso porque o meio acadêmico é um jogo no qual a habilidade requerida é a argumentação: chutamos com fatos, driblamos com analogias, fazemos gol com a lógica. Para vencermos o jogo, é preciso deixar o adversário jogar: no caso, deixá-lo falar.

Na academia e na democracia, o debate livre é um princípio categórico ético inegociável. Caso contrário, destrói-se o próprio fundamento dessas instituições. Lá no século 17, Espinosa afirmava que ações podem ser reprimidas, mas palavras não ("Num Estado livre cada indivíduo pensa como lhe apraz e lhe é permitido dizer o que pensa"), e que quanto mais se reprime a expressão de um grupo, mais resistente ele se torna. Ou seja, esse senhor de 400 anos de idade é um atleta muito mais habilidoso e corajoso no jogo democrático do que muito jovem universitário em pleno século 21.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Olavo de Carvalho e Fernando Holiday são figuras nefastas,mas não podem ser censuradas,a não ser quando cometem crimes,o primeiro até já morreu,coitado.