quarta-feira, 15 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Medidas de prevenção são essenciais desde já

O Globo

Das 27 capitais brasileiras, 15 não elaboraram Plano de Mudanças Climáticas, inclusive Porto Alegre

A tragédia das chuvas no Sul impõe mudanças urgentes de comportamento do governo. As chuvas que transformaram em pesadelo a vida dos gaúchos demonstram que os efeitos deletérios das mudanças climáticas vieram para ficar. Diante da destruição sem precedentes que atinge 447 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, não é mais possível que gestores adiem planos de contingência e atrasem ações para mitigar os efeitos de catástrofes que tendem a se tornar cada vez mais recorrentes e letais. Medidas necessárias para evitar novas tragédias precisam ser tomadas desde já — e não só no Rio Grande do Sul.

É preocupante que, das 27 capitais brasileiras, 15 ainda não tenham um Plano de Mudanças Climáticas, como noticiou O GLOBO — entre elas Porto Alegre. A cheia histórica que aflige os gaúchos resulta de falhas nos sistemas implantados há décadas para conter as águas do Guaíba. Mesmo que não tivesse sido possível prever a dimensão da catástrofe, várias medidas poderiam ter ajudado a reduzir seu impacto.

Fernando Exman - Lições do Katrina na Semana do Brasil em NY

Valor Econômico

A tragédia do Rio Grande do Sul mudou o rumo da prosa na “Semana do Brasil” em Nova York. O bicentenário das relações bilaterais continua como pano de fundo. Os desafios e as principais oportunidades de negócios entre os dois países permanecem no topo da pauta, por exemplo, do Summit Valor Econômico Brazil-USA desta quarta-feira (15). Mas o atendimento emergencial e a reconstrução do Estado permeiam discursos e conversas de bastidores. Para muitos, é inevitável a comparação com a catástrofe provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans, em 2005. E o Brasil deveria dar atenção à experiência dos americanos.

Já é possível dar um ponto positivo para o Brasil, quanto à articulação federativa que não se deixou prejudicar pela polarização política.

Em Nova Orleans, o ex-presidente George W. Bush foi bastante contestado pela demora em mobilizar a máquina para cuidar da região. E quando o fez, alegam seus críticos, não teria atendido bem seus adversários políticos locais.

Lu Aiko Otta - Recursos externos para socorrer RS

Valor Econômico

Catástrofe das chuvas chegou num momento de fragilidade do Orçamento federal

Os investimentos para a reconstrução do Rio Grande do Sul não cabem no Orçamento federal, por isso a solução pode estar em empréstimos externos. O governo dialoga com organismos multilaterais de crédito em busca de uma solução estrutural para esse e outros eventos de emergência climática, informou à coluna uma fonte da área econômica.

A catástrofe das chuvas chegou num momento de fragilidade do Orçamento federal brasileiro. Demandará mais investimentos num cenário em que a tendência é o desaparecimento do espaço fiscal para esse tipo de despesa.

O problema tem sido tema de alertas de especialistas e técnicos da área econômica há décadas. Agora, caminha para um limite. Sem mudanças, o novo arcabouço fiscal terá uma morte precoce.

Luiz Carlos Azedo - O tempo e o vento, a saga gaúcha continua

Correio Braziliense

O mais importante, em meio à catástrofe física, é o drama humano e a resiliência dos gaúchos diante das adversidades. São Anas, Pedros, Bibianas e Rodrigos

O épico O Tempo e o Vento, obra do escritor gaúcho Erico Verissimo (1905-1975), foi publicado em três volumes: O Continente (1949), O Retrato (1951) e O Arquipélago (1962). A trilogia conta a história do Rio Grande do Sul ao longo de 200 anos, tendo forjado a identidade do povo gaúcho e, ao mesmo tempo, a empatia nacional com o estado. É um dos grandes romances de interpretação do Brasil. Muitos nem de longe ouviram falar no romance, mas sabem quem foram a destemida Ana Terra e um certo capitão Rodrigo Cambará, seja pelo cinema, seja pela teledramaturgia.

Obra de ficção baseada em fatos, teceu o arquétipo dos nossos gaúchos, que são brasileiros por opção, porque também há gaúchos nos pampas do Uruguai e da Argentina, com os mesmos costumes tradicionais. A família Terra Cambará, cuja trajetória protagoniza os três volumes do romance, tece na literatura a história geográfica, cultural e política do Rio Grande do Sul.

Luciano Huck – Ambidestro

O Globo

Não me importa que chamem de 'isentão' quem não se abraça a nenhum dos polos

O psicólogo Adam Grant, uma das vozes contemporâneas mais influentes, aponta a importância de nos mantermos mentalmente flexíveis para lidar com uma realidade cada vez mais complexa. Para ele, o melhor jeito de enfrentar catástrofes climáticas, pandemias, recessões e ataques à democracia é abandonar o quentinho das nossas convicções e a racionalidade binária. Ter coragem para escolher o desconforto. É o mesmo conselho que Toni Morrison, primeira negra a ganhar o Nobel de Literatura, costumava dar aos amigos: olhem menos para o espelho, mais para a janela.

Há anos procuro atuar dessa forma na TV e na minha vida. Peço licença às pessoas, presto atenção, aprendo um bocado e partilho com quem puder. Não me importa que chamem de “isentão” quem não se abraça a nenhum dos polos. Importa, para mim, lembrar que, ao se fechar numa caixinha, “de direita” ou “de esquerda”, a pessoa corre risco de se fechar também para boas ideias que venham da outra. Claro, não é problema se identificar com um lado. Só defendo que na vida, como no futebol, dá para chutar com os dois pés.

Zeina Latif - A recuperação do RS testará nossas competências e valores

O Globo

A reconstrução exigirá grande capacidade de planejamento e de coordenação, bem como execução eficiente. É uma engenharia complexa que envolverá as máquinas públicas das três esferas

Na tragédia, a emoção nos toma. Mas não convém deixá-la turvar o olhar objetivo para suas causas e para o caminho da reconstrução. Apesar dos recordes pluviométricos no Rio Grande do Sul, parece claro que houve falhas na prevenção de desastres.

Há responsabilidade do governo federal. A Constituição, no artigo 21, inciso XVIII, estabelece que “compete à União planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”.

Ocorrendo a calamidade pública, a Constituição não estabelece a obrigação da União em ações emergenciais, mas seria equivocado não as fazer. Seria penalizar duplamente a população e contrariar os valores de solidariedade da nação.

Vera Magalhães - Lula enfrenta sua própria 'pandemia'


O Globo

É hora de dar poder e caneta àqueles que sempre bateram na tecla de que a emergência climática era uma realidade

Não há dúvida de que a forma como Jair Bolsonaro conduziu o enfrentamento à pandemia de Covid-19 foi fator crucial para sua derrota em 2022. A tragédia no Rio Grande do Sul, mesmo localizada em apenas um estado da federação, representa para o governo Lula 3 um desafio de igual magnitude: definirá a capacidade da administração de responder a uma tragédia e de dar respostas de longo prazo a uma nova realidade nacional e global relacionada à emergência climática.

Na largada, a resposta do governo petista já difere frontalmente daquela dada por Bolsonaro por não minimizar a crise, não negar sua gravidade e não demonstrar falta de empatia com a população. É o que distingue um governo negacionista, como o anterior, daqueles que têm apreço à ciência e reconhecem a agenda ambiental como aspecto central da gestão econômica, e não coisa de “ativista” ou de ONG.

Vera Rosa - Lula e a tragédia que não tem mais fim

O Estado de S. Paulo

Há quem diga que a catástrofe no Rio Grande do Sul é a covid do governo Lula

A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de anunciar novas medidas de socorro ao Rio Grande do Sul no próprio Estado não foi apenas para ter a seu lado os chefes dos Poderes na viagem. Lula desembarcará hoje em Canoas e, desta vez, quer visitar ao menos um abrigo, em São Leopoldo.

A portas fechadas, o presidente reclamou muito com auxiliares de terem montado para ele uma agenda que o mantinha numa sala, sem contato com as vítimas, nas duas vezes em que esteve no Rio Grande do Sul. Nos últimos dias 2 e 5, Lula sobrevoou regiões alagadas e fez pronunciamentos. Mas medidas de grande impacto, como a suspensão da dívida com a União por três anos e um pacote de R$ 50,9 bilhões, foram divulgadas no Palácio do Planalto.

Vinicius Torres Freire - Bolsa Família extra no RS é pouco

Folha de S. Paulo

Muita gente deve ficar sem renda do trabalho, em situação parecida com a da pandemia

O governo federal estuda anunciar um Bolsa Família extra para parte das pessoas que foram expulsas de casa pelas enchentes e que já não estejam recebendo o benefício no Rio Grande do Sul. Entre desabrigados (em abrigos de emergência) e desalojados (acolhidos em outras casas), são cerca de 600 mil pessoas.

Em tese, o programa de emergência duraria enquanto as pessoas estivessem sem teto próprio. Além disso, haveria para umas 100 mil pessoas um "Auxílio Recomeço" de talvez R$ 5.000, para gastos em refazimento das casas, que vinha sendo chamado pelo péssimo nome de "voucher". Haverá financiamento extra para o Minha Casa, Minha Vida. Basta? Hum.

Wilson Gomes - A nova onda de fake news

Folha de S. Paulo

No Brasil, estamos vendo esse jogo ser jogado desde 2018

Muitos estão surpresos e indignados com a nova inundação de fake news que se seguiu à tragédia decorrente das chuvas no Rio Grande do Sul. Têm razão na sua indignação, mas não deveriam estar surpresos. O "novo normal", como se diz por aí, é ubi crisis, ibi fake news.

O latim é de brincadeira, mas expressa um fato verdadeiro: onde houver crise —situações em que surgem grandes incertezas e angústias quanto ao presente e ao futuro comum do país e das pessoas— vai haver fake news.

Vemos esse jogo sendo jogado no Brasil desde 2018. Se a crise for política, fake news aparecerão para aumentar o sentimento de incerteza, crispar os ânimos e recrutar militantes e eleitores pelo medo e pelo ódio. Se for de saúde pública, fake news surgirão como uma infecção oportunista em um corpo social já debilitado a fim de disseminar mais confusão, aflição e medo, convenientemente aproveitados para fins políticos.

Hélio Schwartsman - Revolução ortodoxa

Folha de S. Paulo

Afastado o risco de golpe, Supremo precisa voltar a atuar sem recurso a heterodoxias

Nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação, a cúpula do Judiciário, mais especificamente o ministro do STF Alexandre de Moraes, vai adotando um tom menos belicoso em relação a Jair Bolsonaro e seus aliados, como mostrou reportagem de José Marques. Vejo essa movimentação com bons olhos. Se a Justiça brasileira quer recobrar ao menos parte da credibilidade de que já gozou, precisa voltar a atuar no modo ortodoxo.

Bruno Boghossian - O mercado da anistia

Folha de S. Paulo

Inelegível, ex-presidente usa força política e máquina partidária em plano para escapar da Justiça

Uma semana depois de entrar na campanha de 2018 como presidenciável, Fernando Haddad ouviu sete vezes a mesma pergunta. Em entrevista à rádio CBN, o petista teve que responder se assinaria um indulto para tirar Lula da prisão caso vencesse a disputa. Sob pressão, ele sentenciou: "Não. A resposta é não".

A suspeita de que um político pode usar o poder conquistado na eleição para ajudar um companheiro com problemas na Justiça costuma ser tóxica. Haddad tentou estabelecer um cordão sanitário para evitar que a questão se tornasse tema de campanha. Numa disputa marcada pelo antipetismo, ele rejeitou uma manobra aberta para liberar o padrinho.

Temer vê oposição ao governo com sede para destruir

Fernanda Perrin e Alexa Salomão / Folha de S. Paulo

Durante evento em NY, Ciro Nogueira afirma que aguarda novo JK no país, citando Caiado e Ratinho Jr. como exemplos, sob aplausos

O ex-presidente Michel Temer (MDB) acusou a oposição no Brasil de não cumprir o seu papel e, em vez disso, ter incorporado a ideia errônea de que, em vez de ajudar o governo por meio de críticas, deve tentar destruí-lo.

A declaração foi dada durante evento do grupo empresarial Lide em Nova York (EUA) nesta terça-feira (14), que reuniu uma série de nomes do setor público e privado brasileiros.

"Vocês sabem que no geral, no sistema democrático, existem a situação e a oposição. A oposição existe para ajudar a governar, é fundamental na democracia", disse. "Ela existe para ajudar a governar e ajuda quando critica, quando observa, quando contesta, quando contraria, quando faz as maiores críticas, não é? Nós temos que acostumar com isso", afirmou.

Poesia | Extravio, de Ferreira Gullar

 

Música | Os Cariocas - Samba do Avião, de Tom Jobim

 

terça-feira, 14 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Cheia no Sul afeta toda a economia brasileira

O Globo

A maior perda são as vidas e os lares, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda

O Rio Grande do Sul precisará avaliar em breve os estragos das enchentes na economia. O drama humano está hoje eloquente nos relatos de mortes e nas imagens de casas submersas. A maior perda são as vidas e os lares destruídos, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda. Quando as águas baixarem, a população afetada precisará voltar à rotina de trabalho. Saber o que foi destruído nos setores industrial, agrícola e de serviços é o primeiro passo para assegurar o retorno à normalidade.

Dos municípios atingidos pelas cheias, 397 respondem por 92% da indústria, 91% dos serviços e 79% da agropecuária do estado. Mas ser afetado não significa necessariamente que toda a estrutura econômica tenha sido prejudicada. O Rio Grande do Sul já colheu 76% da soja, 83% do milho e 84% do arroz da atual safra, e nem toda a área plantada está sob as águas. As previsões falam em 2% de queda no PIB gaúcho, que representa 6,5% do brasileiro. Com uma economia interligada, principalmente aos demais estados do Sul, deverão ser afetadas várias cadeias produtivas nacionais. Na agricultura, sobretudo arroz, trigo e soja. Analistas preveem que o PIB brasileiro caia entre 0,2 e 0,3 ponto percentual.

Carlos Melo* - O fio de Ariadne

O Globo

O Brasil tem sido impiedosamente castigado por seus erros. Um período de destruição econômica, política e institucional

Há semanas, Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, proferiu palestra a alunos da graduação do Insper. Acompanhada de seus secretários, apresentou o projeto Rotas de Integração Sul-Americana e demonstrou a relevância de sua atuação no governo. São ações articuladas que buscam escoar, pelo Pacífico, a imensa produção de commodities do Brasil e dos países vizinhos.

Conectando rotas existentes em vários meios de transporte, o projeto diminui custos logísticos, atende a interesses econômicos do subcontinente e do mercado consumidor. Muitas obras estão prontas, outras dependem de detalhes. Em comparação ao passado, há pouco dinheiro público na parada. Desta vez, o BNDES não financiará países amigos.

Ultrapassada a fundamental reforma tributária, é um passo em direção à economia e ao mundo reais. Embora o foco seja a China, trata-se de profundo mergulho na nova divisão internacional do trabalho. A tradicional força do Ocidente tem sido abalada e está em via de superação pelo Oriente mais populoso, produtivo e economicamente exuberante.

Míriam Leitão - Rio Grande do Sul resgata o país

O Globo

A reunião entre os três poderes e o governo estadual segue o rito republicano e é um resgate do país que tem cicatrizes recentes de brigas federativas

O Brasil teve ontem à tarde uma cena de civilidade. Houve outras, desde que essa tragédia atingiu os gaúchos. Numa reunião curta, objetiva, respeitosa, o presidente Lula ofereceu ao governador Eduardo Leite ajuda concreta. O ministro Fernando Haddad explicou que os juros serão perdoados na suspensão do pagamento da dívida por três anos. Estavam presentes o presidente do Senado e o vice-presidente do STF. O presidente da Câmara chegou no final, voltando de uma viagem. Tudo era republicano e seguia o rito de uma federação sendo solidária a um ente federado que enfrenta grande sofrimento.

— Além da medida provisória da semana passada, R$ 12 bilhões, mais a suspensão do pagamento da dívida de R$ 11 bilhões, ao final dos 36 meses, o juro sobre o estoque de todo o período estará sendo perdoado, o que é superior à soma das parcelas dos 36 meses — disse Haddad.

Pedro Doria - O apocalipse

O Globo

Os dois temas mais urgentes para governos em todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul: as mudanças climáticas e a regulação das grandes plataformas digitais

Os dois temas mais urgentes para governos em todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul e desembocaram numa tragédia. Um são as mudanças climáticas. Outro, a regulação das grandes plataformas digitais, sem a qual a internet se torna um vasto manancial de desinformação. Não há problemas mais importantes a encarar. E, no entanto, são consistentemente adiados. O excesso de carbono que jogamos na atmosfera produziu a maior cheia jamais registrada na região. No ano passado já haviam ocorrido duas tempestades que levaram a muitas mortes. Nenhum gaúcho se sente seguro. Não bastasse, em meio ao desastre, no momento em que ter às mãos informação correta pode ser questão de vida ou morte, tornou-se impossível separar o que é verdade do que não é.

O encontro das mudanças climáticas com uma tempestade de notícias falsas não é acidental. O fato de não haver problemas maiores, e de governos seguirem sem encará-los como devem, tampouco. Não atacamos o problema do carbono porque há desinformação. Há desinformação em excesso porque não atacamos a regulação das plataformas.

Luiz Carlos Azedo - Lula socorre os gaúchos em meio às incertezas fiscais

Correio Braziliense

No Palácio do Planalto, a prioridade é ajudar os gaúchos e criar condições para a recuperação do estado. Lula cancelou a viagem ao Chile para volta ao Rio Grande do Sul

Luiz Inácio Lula da Silva e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, por videoconferência, se reuniram para tratar de novas medidas de socorro aos gaúchos, flagelados pelas piores chuvas de sua história. Na ocasião, o presidente anunciou que o pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União será suspenso por três anos, nos quais não haverá cobrança de juros. A dívida gaúcha custa R$ 3,5 bilhões por ano e chega a R$ 95 bilhões.

Pelas contas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com isso o governo libera R$ 23 bilhões para o caixa do governo do Rio Grande do Sul. Eduardo Leite, entretanto, pleiteia o perdão da dívida, em razão na enorme dificuldade que enfrentará na reconstrução do estado. O projeto de lei complementar que suspende a dívida já está no Congresso para apreciação e aprovação em regime de urgência. A tendência é o Congresso abrir uma janela para eventualmente socorrer outros estados.

Pedro Cafardo - A indústria fez gols contra por três décadas

Valor Econômico

Propostas do neoliberalismo venceram a narrativa dos anos 1990 e os reflexos dessa vitória ainda hoje estão presentes em todas as formas de relações sociais

Peço desculpas para voltar ao tema da desindustrialização num momento em que o país, corretamente, só tem olhos para atenuar a tragédia socioambiental gaúcha. Mas há muitos trabalhos acadêmicos que merecem ser divulgados sobre a “tragédia industrial” e um deles, diferenciado, é do pesquisador PhD Haroldo da Silva, da PUC-SP, que buscou uma compreensão sociológica do problema, além da econômica. Ele partiu de uma pergunta que o intrigava: a despeito do eficiente trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na área legislativa em defesa do setor industrial, por que o processo de desindustrialização foi tão intenso no Brasil nas últimas três décadas?

Haroldo dedicou quatro anos à investigação dessa questão e, no fim de 2023, apresentou sua tese de doutorado (“A Ação Política dos Industriais no Congresso”). Em resumo, concluiu que a Agenda Legislativa da Indústria (Ali), da CNI, cujas propostas tiveram alto índice de sucesso no Congresso, acabou atuando contra os próprios interesses da indústria.

Edvaldo Santana - Roleta russa com a natureza

Valor Econômico

A notícia relevante não deveria ser a disposição dos governos em gastar bilhões para conter os efeitos dos danos já provocados, mas sim o que não fizeram para evitar a causa dos danos

Em 1986, em “O relojoeiro cego”, Richard Dawkins mostrou que o darwinismo não é obra do acaso. Os seres vivos não surgem da soma de casualidades favoráveis, mas de um jogo (evolutivo) muito complexo, mas com regras bem definidas. A natureza, assim, não é o acúmulo de eventos aleatórios, e sim o contrário. A natureza não joga dados.

A ministra Marina Silva, em entrevista à Globo News no dia 3, ao falar da tragédia do Rio Grande Sul (RS), ilustrou a tese de Dawkins. Ela disse mais ou menos o seguinte: a humanidade levou séculos a transformar a natureza em dinheiro. Agora precisa gastar mais dinheiro para ajudar a natureza a superar obstáculos.

Desde junho de 2022, com o banal assassinato de Dom Phillips, jornalista britânico, e do indigenista Bruno Pereira, comecei a pensar no valor da vida. O assunto voltou ao radar em agosto passado, com o assassinato da dona Bernadete Pacífico, líder quilombola, e, agora, com a catástrofe do RS. Não parece, mas a banalização da vida, como numa roleta russa, é um dos gatilhos de eventos climáticos extremos. E a roleta russa contra a natureza é uma aposta perdedora.

Eliane Cantanhêde – Boa notícia? Nem tanto

O Estado de S. Paulo

Quaest é ruim para Lula e péssima para Bolsonaro. E o centro, morreu?

Pesquisas de opinião são retratos do momento e cada um olha como bem entende, mas a última rodada da Genial/Quaest é clara: não chega a ser péssima, mas boa também não é para o presidente Lula. O copo está meio cheio e meio vazio, mas parece mais vazio do que cheio para Lula, que tem o governo e a caneta, os recursos e a visibilidade inerentes ao cargo.

São trunfos, mas faca de dois gumes, tudo depende de como a população vê o governo, de como o presidente e seus ministros usam a caneta e os recursos e se a visibilidade reverte a favor ou contra. Não adianta só aparecer, é preciso aparecer bem. Aliás, como Lula agora, na reação rápida e efetiva à tragédia do Rio Grande do Sul, que atrai as atenções e a solidariedade do Brasil inteiro e até do exterior. São viagens, reuniões, montanhas de recursos.

Carlos Andreazza - Ministros do Supremo participam

O Estado de S. Paulo

Resposta da Corte à revelação do quanto os ministros viajam pelo mundo em eventos é desaforo e exige análise do discurso

Reportagem de Weslley Galzo informa que “ministros do STF participaram de quase dois eventos internacionais por mês no último ano”, alguns dos quais custeados por grupos com interesses em ações julgadas na Corte.

O tribunal respondeu. A nota – desaforada e mal escrita, também modalidade de desaforo – exige análise do discurso.

“Ministros do Supremo conversam com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade.”

Joel Pinheiro da Fonseca - Autoritarismo não é resposta às fake News

Folha de S. Paulo

Recriar confiança básica é mais importante que refutar fake news

O Estado não faz nada, é incompetente no pouco que faz e até mesmo sabota os esforços da iniciativa privada. Segundo levantamento do professor da USP Pablo Ortellado, 31% dos conteúdos compartilhados sobre as enchentes no RS na rede social tentam descredibilizar o poder público. Em muitos, há informações falsas ou exageradas, como a de que o governo teria negado ajuda do Uruguai, que caminhões com donativos estão sendo barrados por falta de nota fiscal ou mesmo que toda a tragédia foi planejada.

Num momento de crise, com nervos à flor da pele, sociedade polarizada e smartphones nas mãos de todos, é quase inevitável que muito conteúdo falso e/ou com forte teor político venha à tona. Misturam-se aí várias motivações: busca por fama ou dinheiro, oportunismo político e até mesmo equívoco sincero na intenção de ajudar. A questão é como reagir a ele.

Dora Kramer - O Supremo no varejo

Folha de S. Paulo

Corte tem dado as duas mãos e sido uma verdadeira mãe para o governo Lula

Quando começou a circular, a ideia de que o Executivo pretendia firmar uma aliança com a instância máxima do Judiciário a fim de criar um atalho de ultrapassagem às dificuldades do Planalto no Legislativo pareceu muito esquisita. Mais que isso. Institucionalmente inexequível, social e politicamente inaceitável.

Por uma questão básica: o preceito republicano da harmonia pressupõe a independência entre os Poderes. Cláusula pétrea. O Supremo Tribunal Federal poderia se manter distante de acertos feitos sob a égide das conveniências políticas sem criar crise alguma e muito menos deixando de se manter fiel à função de guardião da Lei Maior.

Hélio Schwartsman - Rousseau e o clima

Folha de S. Paulo

Filósofo mostrou que ocupação do solo e comportamento humano afetam os resultados de desastres naturais

Jean-Jacques Rousseau errou em quase tudo, mas, no que diz respeito a desastres naturais, suas reflexões são certeiras. Para ele, os efeitos de um cataclismo dependem não só do evento geológico ou climático que os precipita mas também da forma como humanos ocupam o solo e se comportam.

Alvaro Costa e Silva - O dono da polícia

Folha de S. Paulo

Ao transformar a PM paulista na mais sangrenta do país, secretário sonha alto na política

Secretário da Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite é tão poderoso quanto o governador Tarcísio de Freitas. Ou até mais. Tarcísio se vê obrigado, de vez em quando, a vestir o disfarce de moderado para agradar setores do mercado financeiro que o querem como herdeiro de Bolsonaro. Derrite trocou a farda pelo terno, mas segue agindo como se estivesse na Rota, da qual foi afastado por excesso de mortes.

Poesia | Pra viver um grande amor, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Roberta Sá e Moreno Veloso - Um passo à frente

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Política de habitação agrava efeito das enchentes

O Globo

Programas do governo incentivam construções em áreas de risco ou manancial nas periferias

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul e a sucessão de desastres naturais que tem fustigado as cidades brasileiras nos últimos anos, amplificada pelas mudanças climáticas, deveriam levar a sociedade — em especial a classe política — a refletir sobre os modelos de ocupação equivocados e as políticas habitacionais erráticas que têm contribuído para agravar os efeitos de eventos climáticos extremos inexoráveis.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) informou no ano passado, com base em dados antigos do IBGE, que 8,3 milhões de brasileiros viviam em áreas suscetíveis a enchentes ou deslizamentos. Estima-se que esse número já ultrapasse 10 milhões. Pelo menos 2,5 milhões se concentram em locais de “alto risco” e “muita vulnerabilidade”. Em Salvador, 45,5% da população vive em áreas de risco. Em Belo Horizonte, 16,4%. No Recife, 13,4%.

Fernando Gabeira - O cavalo subiu no telhado

O Globo

Não se trata apenas de tempestade. Há o aumento do calor, a alta do nível dos mares, tema que que nos atinge seriamente

Durante muitos anos, falei em aquecimento global, preparação das cidades, resiliência, essas coisas. Muito mais eficaz que todos os meus argumentos é a imagem de um cavalo de 350 quilos no telhado de um bairro inundado de Canoas, no Rio Grande do Sul. A imagem de Caramelo — esse é o nome que lhe deram nas redes sociais — emocionou muita gente, até pelo delicado resgaste realizado pelos bombeiros.

Destaco essa imagem na tragédia porque ela tem a força de desarrumar um pouco nossa lógica, provocar um rápido curto-circuito mental e, consequentemente, abrir a cabeça para a realidade que não conseguimos ver.

Escrevi um longo artigo sobre as mudanças climáticas para a revista da Academia Brasileira de Letras e usei como título o verso de Bob Dylan: Alguma coisa está acontecendo, mas você não sabe o que é. A imagem do cavalo no telhado economizaria dramaticamente meus argumentos.

Demétrio Magnoli - O risco de repetir Jane Fonda

O Globo

Black Power foi substituído por políticas identitárias oficialistas, articuladas nas reitorias e nos gabinetes parlamentares

A foto, de autoria anônima, correu mundo em julho de 1972. Jane Fonda, sentada numa bateria antiaérea norte-vietnamita, tornou-se “Hanói Jane”. Mais tarde, a protagonista de “Barbarella” (1968) pediria desculpas pela imagem “que me machucará até eu morrer”. Na Rússia de Putin, empregar a palavra “guerra” para fazer referência à invasão imperial da Ucrânia pode dar cadeia. Nas democracias, não é proibido criticar o próprio governo, e até a própria nação, mesmo fazendo propaganda de um inimigo.

A história da foto começou no início de 1968 com a Ofensiva do Tet, no Vietnã, que galvanizou o movimento antiguerra nos Estados Unidos, seguida pelo assassinato de Martin Luther King, em abril, fonte direta da rebelião negra no Harlem e indireta da ocupação estudantil do Hamilton Hall, na Universidade Columbia. Foi durante o ápice da agitação universitária, mas sem conexão com ela, que o palestino Sirhan Sirhan assassinou Robert F. Kennedy, estreitando a disputa pela indicação democrata ao vice Hubert Humphrey e ao candidato antiguerra Eugene McCarthy.

Carlos Pereira - Depois da tormenta, a negociação

O Estado de S. Paulo

De protagonista a incentivador de saídas negociadas: um Supremo que estimule acordos

Duas decisões recentes do Supremo geraram a necessidade da busca de soluções negociadas numa direção clara de pacificação política entre os poderes.

A primeira foi a interpretação da Corte de que a chamada “Lei das Estatais” é constitucional, restringindo assim a nomeação de políticos para os conselhos de administração e diretorias das empresas estatais. Mas, como o próprio Estadão chamou em seu editorial (11/05/2024), criou uma “esdrúxula inconstitucionalidade temporária”. Ou seja, decidiu que os políticos que já haviam sido nomeados para tais cargos e conselhos não teriam seus mandatos destituídos, pois estavam protegidos pela decisão liminar do ex-ministro Ricardo Lewandowski concedida nas vésperas de sua aposentadoria do STF.

Bruno Carazza - Os extremos que nos distanciam como país

Valor Econômico

Livro de Pedro Fernando Nery desbrava as fronteiras da desigualdade brasileira

“Não faz diferença se você é preto ou branco, se é menino ou menina”, cantou Madonna no palco em Copacabana, para delírio de mais de um milhão e meio de pessoas. “Você é um superstar, sim, isso é o que você é, você sabe disso”!

Lançada em 1990 e um dos maiores hits da carreira de Madonna, “Vogue” é uma celebração de um estilo de dança da cultura gay de Nova York nos anos oitenta, em que os artistas emulam poses e movimentos de modelos na passarela.

Sergio Lamucci - Incertezas monetárias se juntam às dúvidas fiscais

Valor Econômico

Com a decisão dividida do Copom na semana passada sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária

As incertezas em relação às contas públicas ganharam uma companhia preocupante na semana passada. Com a decisão dividida do Copom do Banco Central (BC) sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária. Cinco integrantes votaram por uma queda de 0,25 ponto da Selic, para 10,5% ao ano, e quatro - todos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - por uma baixa de 0,5 ponto. Num momento em que o cenário externo é mais nebuloso, com a perspectiva de que os juros americanos demorem mais para cair e recuem menos, a combinação de incertezas fiscais e monetárias aumenta as pressões sobre o dólar e os juros de longo prazo no Brasil, o que pode diminuir o espaço para redução da Selic e prejudicar o crescimento da economia.

Dani Rodrik - Não se inquiete com subsídios verdes

Valor Econômico

As políticas industriais verdes da China foram responsáveis por algumas das vitórias mais importantes até hoje contra as mudanças climáticas

Uma guerra comercial sobre tecnologias limpas está chegando no ponto de ebulição. Os Estados Unidos e a União Europeia, preocupados com que subsídios chineses ameacem suas indústrias verdes, alertaram que responderão com restrições à importação. A China, por sua vez, apresentou uma queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre regras discriminatórias contra seus produtos sob a histórica legislação climática do presidente dos EUA, Joe Biden, a Lei de Redução da Inflação.

Numa viagem recente à China, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, alertou diretamente a China de que os EUA não ficariam parados diante do “apoio governamental em larga escala” da China a setores como energia solar, veículos elétricos e baterias. Lembrando seu público de que a indústria siderúrgica dos EUA já havia sido dizimada pelos subsídios chineses, ela deixou claro a determinação do governo Biden de não permitir que as indústrias verdes sofressem o mesmo destino.

Marcus André Melo - Desastres e eleições

Folha de S. Paulo

Os incentivos políticos favorecem ações mitigadoras e não preventivas

Como o presidente e o governador serão afetados eleitoralmente pela calamidade no Rio Grande do Sul? Um exemplo ilustra a questão. O sucesso de Herbert Hoover, que liderou com grande visibilidade a resposta do governo federal à "enchente do século", do rio Mississipi, levou-o a se tornar candidato nas eleições presidenciais americanas de 1928. No entanto, nas áreas afetadas ele perdeu algo como 10% dos votos, segundo o estudo Disasters and elections.

A literatura sobre eleições e desastres naturais (que discuti na coluna aqui) divide-se em duas explicações rivais. A primeira afirma que eles geram emoções negativas que levam a uma punição nas eleições. Este argumento (conhecido como "retrospecção cega") foi desenvolvido em trabalho clássico sobre efeitos de ataques de tubarão. Os eleitores punem governantes por eventos externos aleatórios, pelos quais eles não são responsáveis. Aconteceu com Hoover.

Camila Rocha - Políticos ignoram urgência climática

Folha de S. Paulo

Se nada mudar, presenciaremos também a emergência de revoltas

As mudanças climáticas saíram dos livros e se tornaram realidade. A afirmação, feita pelo secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, reflete a percepção da população brasileira sobre a tragédia no Rio Grande do Sul.

De acordo com uma pesquisa da Quaest, realizada nos dias 5 e 6 de maio, 99% dos brasileiros associam as mudanças climáticas com as enchentes no Sul do país, sendo que 64% apontam que os fenômenos estão totalmente relacionados, e 30% consideram que estão parcialmente relacionados. Além disso, para 70% a tragédia poderia ter sido evitada.

Ruy Castro - Vidas e memórias na correnteza

Folha de S. Paulo

No Rio Grande do Sul, enquanto as câmeras registram o presente, o passado está sendo levado pelas águas

Já devem estar em dezenas de milhares as imagens da tragédia das cheias no Sul. Todas ficarão para sempre —as que vimos e as que não vimos, mas que outros viram e jamais esquecerão. Poucas desgraças terão sido tão documentadas ao vivo e em tempo real quanto esta —a morte levando vidas, bens, seres de estimação e economias de uma vida inteira, diante das lentes impotentes, capazes, no máximo, de registrar, alertar e transmitir os pedidos de socorro. Não é muito, mas melhor do que as outras tecnologias que falharam criminosamente: os escoamentos, drenagens e prevenções. Sem falar no maior dos crimes, o abuso do planeta.