O crescimento econômico, em seu sentido mais amplo, é o objetivo de todos os países, especialmente daqueles onde os níveis de renda ainda são modestos. Maior renda possibilita maiores níveis de consumo e de bem-estar, especialmente se também ocorrerem melhoras distributivas que permitam estender os frutos do sucesso a todas as famílias, eliminando os focos de pobreza e a insegurança alimentar. A busca do progresso e do entendimento de suas causas é um fenômeno, do ponto de vista histórico, relativamente recente e vem da época da revolução industrial inglesa e dos economistas clássicos.
Uma das poucas coisas sobre as quais não perduram dúvidas é que o crescimento é um fenômeno de longo prazo. Todas as regiões gozam de certos períodos de expansão, por diversas causas. Entretanto, poucos países conseguem sustentar um progresso suficientemente rápido por longos períodos, de sorte a mudar permanentemente a sociedade e a sua posição relativa entre as nações. Da mesma forma, o sucesso do passado não garante o do futuro, isto é, os países podem perder vitalidade e viabilidade. A China dos séculos 18 e 19 é um bom exemplo a ser lembrado.
Pretendo neste e no próximo artigo mostrar alguns casos de sucesso, a posição do Brasil e alguns insucessos, visando a contribuir para o entendimento das dificuldades que acompanham a busca pelo progresso.
O desenvolvimento é uma contínua superação de tensões, onde a solução de um problema abre a porta de mais dois. Envolve e resulta em modificações de toda a sociedade. Depende de algumas causas gerais, necessárias em todos os lugares (por exemplo, sem investimento não há crescimento) e coisas específicas (dotação de recursos, instituições). É um processo construído, mesmo que muitas vezes não se tenha a total dimensão do evento, no momento de sua ocorrência. As demandas começam mais simples (como superar o riscos de fomes generalizadas ou o colapso do comércio internacional) e vão se sofisticando a partir de sucessos iniciais, passando a incluir a redução de recessões recorrentes, melhor distribuição de renda, redução de desigualdades regionais, inclusão das mulheres e, mais recentemente, a questão ambiental.
A forma mais simples de medir o crescimento econômico ainda é dada pela evolução do Produto Interno Bruto (PIB). Sabemos que esta é uma medida imperfeita, pois não incorpora questões como a distribuição de renda e qualidade de vida. Daí porque os economistas começaram também a se utilizar de outras medidas, como o popular Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), que, além de renda, incorpora a longevidade e a educação. Entretanto, séries longas para vários países existem apenas para o PIB e a população, o que não é muito grave, pois ao longo do tempo PIB e qualidade de vida são bastante correlacionados.
Também a forma mais simples de comparar o desempenho de países ao longo do tempo é referenciá-los àquele de melhor performance, que no período recente são os EUA. Assim, a evolução do PIB de cada país é apresentada, em cada momento, como uma porcentagem do equivalente americano.
Utilizamos aqui a monumental base de dados coletada pelo economista inglês Angus Maddison, recentemente falecido. O período de análise vai de 1850 até 2008. Os valores estão em dólares de 1990 e são ajustados pela Paridade do Poder de Compra (PPP). O gráfico 1 mostra o PIB per capita americano, que cresce durante todo o período, refletindo sua ascensão à condição de maior e mais importante economia (embora não seja o maior PIB per capita).
O crescimento brasileiro de longo prazo teve um desempenho mediano, pois, embora a produção tenha crescido, nosso PIB per capita flutua em torno de 20% do americano há mais de cem anos, com um breve pico em torno de 1980, quando pareceu que o País iria decolar. A crise de 1982 liquidou com o sonho do Brasil Potência.
Uma comparação com a Coreia do Sul mostra bem o que dissemos acima. Como se vê no gráfico 3, o PIB coreano foi por muito tempo similar ou pior que o brasileiro, especialmente considerando os problemas da península no início dos anos 50. Tão próximo quanto 1970, a Coreia era mais pobre que o Brasil.
A partir daí, o desempenho coreano é um fenômeno, colocando o país no grupo dos desenvolvidos. Muito se discutiu do porquê dessa diferença, mas duas razões fundamentais são universalmente aceitas: a Coreia realizou um enorme esforço educacional (este economista estava na Universidade Yale, em 1973, quando os coreanos começaram a chegar em massa para fazer doutorado) e sempre buscou ter uma indústria competitiva, exposta à concorrência global.
Também se discute muito a importância da política industrial, tema bem controverso. Aqui, uma coisa parece segura: além da educação, a Coreia fez esforço na direção de construir um sistema de inovações, que hoje é bem significativo. Por outro lado, tenho dúvidas que a escolha de campeões nacionais tenha sido fator decisivo, dado o grande número deles que foi quebrando ao longo do caminho e o frequente socorro do Estado aos mesmos. Na mesma época, o Brasil também buscou campeões nacionais, sem que isso tivesse catapultado nosso crescimento, embora vários dos grupos ainda existam até hoje.
O caso da Coreia não é o único, pois mostramos no gráfico 4 o desempenho de Taiwan, bastante parecido com o caso coreano. Na realidade, Coreia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são hoje regiões de alta renda e plenamente desenvolvidas.
Mostramos também no gráfico 4 o caso do Chile, que apresenta uma evidente reversão na trajetória de crescimento relativo a partir de 1990. Neste caso, não pairam dúvidas de que o sucesso chileno tem tudo a ver com os processos de estabilização, abertura e reformas pelas quais o país passou a partir de 1990. O Chile é mais um caso a mostrar que com inflação alta e persistente não existe crescimento de longo prazo, algo que boa parte da América Latina ainda insiste em desconhecer.
Finalmente, mostramos a evolução relativa dos gigantes asiáticos China e Índia. No caso chinês, é visível a mudança de trajetória a partir de 1980, inclusive com o fator de aceleração. Mas também é visível que nós falamos de um país apenas mediano em termos de renda relativa per capita. É por isso que os chineses não podem parar de crescer, coisa que acreditamos que continuará a ocorrer. Finalmente, o caso indiano, onde o PIB per capita de apenas 10% do americano revela o tamanho do desafio que o país tem pela frente. China e Índia mostram também que a demanda potencial por commodities é absolutamente gigantesca, se ajustarmos por suas populações.
Os casos que mostramos, evidentemente, não são os únicos de sucesso, pois vêm imediatamente à mente os países nórdicos, o Canadá e a Austrália. Entretanto, todos eles mostram, definitivamente, que o crescimento é um processo de longo prazo, de várias gerações. Devemos, pois, ficar vacinados contra autoavaliações triunfalistas que falam que o Brasil desenvolveu com sucesso um novo modelo de crescimento econômico.
É economista
FONTE O ESTADO DE S. PAULO
Uma das poucas coisas sobre as quais não perduram dúvidas é que o crescimento é um fenômeno de longo prazo. Todas as regiões gozam de certos períodos de expansão, por diversas causas. Entretanto, poucos países conseguem sustentar um progresso suficientemente rápido por longos períodos, de sorte a mudar permanentemente a sociedade e a sua posição relativa entre as nações. Da mesma forma, o sucesso do passado não garante o do futuro, isto é, os países podem perder vitalidade e viabilidade. A China dos séculos 18 e 19 é um bom exemplo a ser lembrado.
Pretendo neste e no próximo artigo mostrar alguns casos de sucesso, a posição do Brasil e alguns insucessos, visando a contribuir para o entendimento das dificuldades que acompanham a busca pelo progresso.
O desenvolvimento é uma contínua superação de tensões, onde a solução de um problema abre a porta de mais dois. Envolve e resulta em modificações de toda a sociedade. Depende de algumas causas gerais, necessárias em todos os lugares (por exemplo, sem investimento não há crescimento) e coisas específicas (dotação de recursos, instituições). É um processo construído, mesmo que muitas vezes não se tenha a total dimensão do evento, no momento de sua ocorrência. As demandas começam mais simples (como superar o riscos de fomes generalizadas ou o colapso do comércio internacional) e vão se sofisticando a partir de sucessos iniciais, passando a incluir a redução de recessões recorrentes, melhor distribuição de renda, redução de desigualdades regionais, inclusão das mulheres e, mais recentemente, a questão ambiental.
A forma mais simples de medir o crescimento econômico ainda é dada pela evolução do Produto Interno Bruto (PIB). Sabemos que esta é uma medida imperfeita, pois não incorpora questões como a distribuição de renda e qualidade de vida. Daí porque os economistas começaram também a se utilizar de outras medidas, como o popular Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), que, além de renda, incorpora a longevidade e a educação. Entretanto, séries longas para vários países existem apenas para o PIB e a população, o que não é muito grave, pois ao longo do tempo PIB e qualidade de vida são bastante correlacionados.
Também a forma mais simples de comparar o desempenho de países ao longo do tempo é referenciá-los àquele de melhor performance, que no período recente são os EUA. Assim, a evolução do PIB de cada país é apresentada, em cada momento, como uma porcentagem do equivalente americano.
Utilizamos aqui a monumental base de dados coletada pelo economista inglês Angus Maddison, recentemente falecido. O período de análise vai de 1850 até 2008. Os valores estão em dólares de 1990 e são ajustados pela Paridade do Poder de Compra (PPP). O gráfico 1 mostra o PIB per capita americano, que cresce durante todo o período, refletindo sua ascensão à condição de maior e mais importante economia (embora não seja o maior PIB per capita).
O crescimento brasileiro de longo prazo teve um desempenho mediano, pois, embora a produção tenha crescido, nosso PIB per capita flutua em torno de 20% do americano há mais de cem anos, com um breve pico em torno de 1980, quando pareceu que o País iria decolar. A crise de 1982 liquidou com o sonho do Brasil Potência.
Uma comparação com a Coreia do Sul mostra bem o que dissemos acima. Como se vê no gráfico 3, o PIB coreano foi por muito tempo similar ou pior que o brasileiro, especialmente considerando os problemas da península no início dos anos 50. Tão próximo quanto 1970, a Coreia era mais pobre que o Brasil.
A partir daí, o desempenho coreano é um fenômeno, colocando o país no grupo dos desenvolvidos. Muito se discutiu do porquê dessa diferença, mas duas razões fundamentais são universalmente aceitas: a Coreia realizou um enorme esforço educacional (este economista estava na Universidade Yale, em 1973, quando os coreanos começaram a chegar em massa para fazer doutorado) e sempre buscou ter uma indústria competitiva, exposta à concorrência global.
Também se discute muito a importância da política industrial, tema bem controverso. Aqui, uma coisa parece segura: além da educação, a Coreia fez esforço na direção de construir um sistema de inovações, que hoje é bem significativo. Por outro lado, tenho dúvidas que a escolha de campeões nacionais tenha sido fator decisivo, dado o grande número deles que foi quebrando ao longo do caminho e o frequente socorro do Estado aos mesmos. Na mesma época, o Brasil também buscou campeões nacionais, sem que isso tivesse catapultado nosso crescimento, embora vários dos grupos ainda existam até hoje.
O caso da Coreia não é o único, pois mostramos no gráfico 4 o desempenho de Taiwan, bastante parecido com o caso coreano. Na realidade, Coreia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são hoje regiões de alta renda e plenamente desenvolvidas.
Mostramos também no gráfico 4 o caso do Chile, que apresenta uma evidente reversão na trajetória de crescimento relativo a partir de 1990. Neste caso, não pairam dúvidas de que o sucesso chileno tem tudo a ver com os processos de estabilização, abertura e reformas pelas quais o país passou a partir de 1990. O Chile é mais um caso a mostrar que com inflação alta e persistente não existe crescimento de longo prazo, algo que boa parte da América Latina ainda insiste em desconhecer.
Finalmente, mostramos a evolução relativa dos gigantes asiáticos China e Índia. No caso chinês, é visível a mudança de trajetória a partir de 1980, inclusive com o fator de aceleração. Mas também é visível que nós falamos de um país apenas mediano em termos de renda relativa per capita. É por isso que os chineses não podem parar de crescer, coisa que acreditamos que continuará a ocorrer. Finalmente, o caso indiano, onde o PIB per capita de apenas 10% do americano revela o tamanho do desafio que o país tem pela frente. China e Índia mostram também que a demanda potencial por commodities é absolutamente gigantesca, se ajustarmos por suas populações.
Os casos que mostramos, evidentemente, não são os únicos de sucesso, pois vêm imediatamente à mente os países nórdicos, o Canadá e a Austrália. Entretanto, todos eles mostram, definitivamente, que o crescimento é um processo de longo prazo, de várias gerações. Devemos, pois, ficar vacinados contra autoavaliações triunfalistas que falam que o Brasil desenvolveu com sucesso um novo modelo de crescimento econômico.
É economista
FONTE O ESTADO DE S. PAULO
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