sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O pedágio caro de Tarcísio, por Vera Magalhães

O Globo

Governador está disposto a cumprir périplo desgastante para receber a unção de Bolsonaro, embora ainda alimente dúvidas quanto à candidatura a presidente

Num vídeo que viralizou nas redes sociais, o PT paulista critica Tarcísio de Freitas pelo novo modelo de pedágios nas estradas de São Paulo. Com uma paródia de uma música infantil conhecida, a peça mostra uma montagem do governador dançando ao som de:

— Um, dois, três pedaginhos; quatro, cinco, seis pedaginhos, 150 ou mais.

Diante dos mais recentes desdobramentos das investigações sobre Jair e Eduardo Bolsonaro, acusados de tentar coagir ministros do Supremo Tribunal Federal e interferir no julgamento da trama golpista, fica evidente que pedágio caro, mesmo, é o que o republicano está disposto a pagar para receber a unção do ex-presidente como seu candidato à Presidência no ano que vem.

Ofendido por Eduardo, Tarcísio reagiu fazendo um desagravo à família e chamando de briga entre pai e filho conversas que evidenciam uma série de afrontas a decisões judiciais. Não é o primeiro sapo que ele engole sem fazer cara feia desde que começou a flertar mais abertamente com a candidatura. Até ser intermediário de uma tentativa de liberar o passaporte de Bolsonaro Tarcísio já aceitou.

As conversas divulgadas na quarta-feira e o relatório da Polícia Federal comprovam que foi o próprio Bolsonaro quem instruiu Tarcísio a buscar uma ponte com o STF. Essa tabelinha não agradou a Eduardo, que se vê numa espécie de batalha épica em terras estrangeiras para honrar um pai ingrato.

As novas rodadas de pesquisas da Quaest mostram que a lealdade absoluta a Bolsonaro não rendeu dividendos eleitorais claros. Pelo contrário: a parcela do empresariado que torce pela candidatura de Tarcísio avalia que ele poderia alçar voo independente, já que o bolsonarismo raiz perde apoio à medida que fica claro que o clã trabalha contra o Brasil, finge que age por anistia para os condenados no 8 de Janeiro e pede Pix enquanto movimenta milhões de reais.

Existe a possibilidade de um grito de independência da parte de Tarcísio? Seus interlocutores mais próximos são unânimes em dizer que de jeito nenhum. Ele nunca será candidato sem o aval de Bolsonaro, garantem.

O cenário atual mostra que a campanha de Eduardo e seu Sancho Pança, Paulo Figueiredo, em Washington conseguiu, sim, causar danos à economia brasileira e prejuízos pessoais a Alexandre de Moraes — e, possivelmente, a outras autoridades nos próximos dias. Mas, para Jair, o resultado não poderia ser mais desastroso. Diante da esperada e iminente condenação, a expectativa é que Bolsonaro adote, nas próximas semanas, a atitude pragmática de antecipar a indicação de seu substituto nas urnas.

Os políticos são céticos quanto à possibilidade de alguém com um histórico de manifestações machistas e misóginas como ele apostar na candidatura da própria mulher, Michelle, agora que o filho está exilado sem possibilidade de voltar ao Brasil. Diante desse quadro, Tarcísio seria a aposta mais segura para disputar com chances contra Lula e, se vencer, levar a cabo a ideia de indulto a Bolsonaro e anistia aos demais condenados.

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Caso esse enredo se desenrole assim, Tarcísio teria de vencer sua própria ambivalência. Aliados relatam que ele acorda candidato a presidente e vai dormir jurando que disputará a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes.

A recuperação de Lula nas pesquisas pode ser apenas momentânea, mas é um fator a mais a agravar a insegurança atroz, uma das características mais atribuídas a Tarcísio, junto com seu pavor de desagradar ao padrinho político. Como a decisão de alçar voo nacional, no caso dele, inclui a necessidade de renunciar em abril a um governo bem avaliado para só em agosto a candidatura ser confirmada, tem-se um dilema cujo desfecho é impossível de cravar com os dados de hoje. Ainda há quilômetros a rodar e muito pedágio a pagar até a conclusão da novela.

 

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