segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O STF está sob ataque há mais de 15 anos, por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

O que é singular no caso brasileiro é que o ataque à corte não parta do titular do presidente mas de governo estrangeiro

O Supremo está sob ataque há mais de 15 anos, embora o combate cerrado tenha tido início há cinco. O que mudou são seus adversários. Os ataques tiveram início com o mensalão e o acolhimento pela Corte da denúncia da PGR em 2007, mas mudaram de patamar com o julgamento do mérito das acusações em 2012.

Mas as bandeiras dos ataques também mudaram. Se inicialmente a questão que vertebrava os ataques era a corrupção, ela muda e passou a ser a democracia.

Com a ascensão de Bolsonaro, o STF escolheu a batalha que passou a travar: da luta contra a corrupção para a defesa da democracia. Não se trata apenas disso: o desmonte da operação que se tornou símbolo da luta contra a corrupção foi assumido como uma batalha em si mesmo. Não ficou pedra sobre pedra. E continua, em decisões monocráticas, com um juiz anulando tudo, com custo reputacional abissal para a instituição. Em um contexto em que, segundo o Latam Pulse AtlasIntel, 58% dos entrevistados apontaram a corrupção como o maior problema do país, superando temas como criminalidade e tráfico de drogas.

Os adversários do STF agora são outros: as diatribes contra a instituição se originavam no PT e seus apoiadores. Como afirmou José Dirceu "o STF não é poder da República. Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só existem dois: os eleitos, que têm soberania popular, o Legislativo e o Executivo. O Judiciário é [apenas] um órgão".

Sua conclusão era que se "deveria tirar todos os poderes do supremo" e convertê-lo em corte constitucional. Sob Bolsonaro em diante, os ataques aos ‘juízes não eleitos’ do STF partem do círculo presidencial. Começaram antes da campanha eleitoral, com a famigerada referência a um soldado e um cabo para intervir na Corte.

Segundo a teoria democrática, a alternância entre forças políticas rivais gera incentivos para um aprendizado coletivo. A perspectiva de alternância mitiga pretensões hegemônicas de grupos que passam a se enxergar menos como inimigos e mais como rivais. Esse véu da ignorância levariam os cidadãos a examinar as instituições como perdedores, levando-os a avaliá-las como regras do jogo e como bens públicos. A realpolitik, no entanto, sugere que as precondições para que isso ocorra são raras.

No momento, o que observamos no Brasil e América Latina são pretensões hegemônicas de governantes que buscam moldar unilateralmente as instituições a seus interesses. À esquerda, o caso mais flagrante é o do México de Cláudia Sheinbaum, que deu seguimento às ameaças de destituição coletiva de magistrados dos tribunais superiores de seu antecessor e patrono, Obrador. Como que para ilustrar as comunalidades entre o majoritarianismo liberal de esquerda e direita, o exemplo foi seguido esta semana por Daniel Noboa, presidente do Equador, que, de megafone em punho, liderou passeata por uma consulta popular pedindo, ente outras medidas, o impedimento coletivo do tribunal
constitucional daquele país.

O que é singular no caso brasileiro é que o ataque à Corte não parta do titular do Poder Executivo para quem o STF passou de usurpador a defensor de direitos. O adversário agora é um governo estrangeiro.

 

 

 

Nenhum comentário: