Folha de S. Paulo
O que é singular no caso brasileiro é que o
ataque à corte não parta do titular do presidente mas de governo estrangeiro
O Supremo está sob ataque há mais de 15 anos,
embora o combate
cerrado tenha tido início há cinco. O que mudou são seus adversários.
Os ataques
tiveram início com o mensalão e o acolhimento pela Corte da denúncia
da PGR em 2007, mas mudaram de patamar com o julgamento do mérito das acusações
em 2012.
Mas as bandeiras dos ataques também mudaram. Se inicialmente a questão que vertebrava os ataques era a corrupção, ela muda e passou a ser a democracia.
Com a ascensão de Bolsonaro, o STF escolheu a
batalha que passou a travar: da luta contra a corrupção para a defesa da
democracia. Não se trata apenas disso: o desmonte da operação que se tornou
símbolo da luta contra a corrupção foi assumido como uma batalha em si mesmo.
Não ficou pedra sobre pedra. E continua, em decisões monocráticas, com um juiz
anulando tudo, com custo
reputacional abissal para a instituição. Em um contexto em que, segundo o Latam Pulse AtlasIntel, 58% dos entrevistados
apontaram a corrupção como o maior problema do país, superando temas como
criminalidade e tráfico de drogas.
Os adversários do STF agora são outros: as
diatribes contra a instituição se originavam no PT e seus apoiadores. Como afirmou José Dirceu "o STF não é poder da
República. Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só existem dois: os
eleitos, que têm soberania popular, o Legislativo e o Executivo. O Judiciário é
[apenas] um órgão".
Sua conclusão era que se "deveria tirar
todos os poderes do supremo" e convertê-lo em corte constitucional. Sob
Bolsonaro em diante, os ataques aos ‘juízes não eleitos’ do STF partem do
círculo presidencial. Começaram antes da campanha eleitoral, com a famigerada
referência a um soldado e um cabo para intervir na Corte.
Segundo a teoria democrática, a alternância
entre forças políticas rivais gera incentivos para um aprendizado coletivo. A
perspectiva de alternância mitiga pretensões hegemônicas de grupos que passam a
se enxergar menos como inimigos e mais como rivais. Esse véu da ignorância
levariam os cidadãos a examinar as instituições como perdedores, levando-os a
avaliá-las como regras do jogo e como bens públicos. A realpolitik, no entanto,
sugere que as precondições para que isso ocorra são raras.
No momento, o que observamos no Brasil
e América
Latina são pretensões hegemônicas de governantes que buscam moldar
unilateralmente as instituições a seus interesses. À esquerda, o caso mais
flagrante é o do México de Cláudia Sheinbaum, que deu seguimento às ameaças de
destituição coletiva de magistrados dos tribunais superiores de seu antecessor
e patrono, Obrador. Como que para ilustrar as comunalidades entre o
majoritarianismo liberal de esquerda e direita, o exemplo foi seguido esta
semana por Daniel Noboa, presidente do Equador, que, de megafone em punho,
liderou passeata por uma consulta popular pedindo, ente outras medidas, o
impedimento coletivo do tribunal
constitucional daquele país.
O que é singular no caso brasileiro é que o
ataque à Corte não parta do titular do Poder Executivo para quem o STF passou
de usurpador a defensor de direitos. O adversário agora é um governo
estrangeiro.
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