The New York Times / Folha de S. Paulo
Responsáveis
do governo Trump pela economia simplesmente aceitaram a demissão da chefe de
estatísticas quando dados não agradaram o presidente
De
todas as coisas terríveis que Donald Trump disse
e fez como presidente, a mais perigosa aconteceu no início deste mês. Trump, na
prática, ordenou que nosso confiável e independente escritório governamental de
estatísticas econômicas se tornasse
tão mentiroso quanto ele.
Ele demitiu Erika
McEntarfer, chefe da secretaria de Estatísticas Trabalhistas (BLS,
na sigla em inglês), confirmada pelo Senado, por trazer-lhe notícias econômicas
que não lhe agradaram. E, nas horas imediatamente seguintes, ocorreu a segunda
coisa mais perigosa: os principais responsáveis do governo Trump pela condução
da economia —pessoas que, em seus negócios privados, jamais cogitariam demitir
um subordinado por apresentar dados financeiros desfavoráveis— simplesmente
aceitaram a decisão.
O
que eles deveriam ter dito a Trump era o seguinte: "Senhor presidente, se
não reconsiderar esta decisão —se demitir a principal estatística do BLS por
trazer más notícias econômicas— como alguém, no futuro, poderá confiar nesse
escritório quando ele divulgar boas notícias?" Em vez disso, acobertaram o
ato imediatamente.
Como destacou o Wall Street Journal, a secretária do Trabalho, Lori Chavez-DeRemer, havia declarado na Bloomberg TV, ainda na manhã daquele dia, sexta-feira, 1º de agosto, que apesar da revisão para baixo dos números de emprego em maio e junho, "temos visto crescimento positivo do emprego". Mas, poucas horas depois, ao saber da demissão da diretora do BLS, que se reportava diretamente a ela, escreveu no X: "Concordo plenamente com @POTUS [o perfil do presidente americano no X] que nossos números de emprego devem ser justos, precisos e nunca manipulados para fins políticos."
O
jornal perguntou: "Então os dados de emprego que eram ‘positivos’ de manhã
foram fraudados à tarde?" Claro que não. Mas daqui em diante, quantos
funcionários públicos terão coragem de transmitir más notícias sabendo que seus
superiores —como o secretário do Tesouro, Scott Bessent,
o diretor do Conselho Econômico Nacional, Kevin Hassett,
a secretária do Trabalho Chavez-DeRemer e o representante comercial dos
EUA, Jamieson Greer—
não apenas deixarão de defendê-los, como também os oferecerão como sacrifício a
Trump para manterem seus cargos?
Vergonha
para cada um deles —especialmente para Bessent, ex-gestor de fundos de hedge,
que tinha conhecimento e não interveio. Que covarde. Como disse sua
antecessora, Janet Yellen —ex-secretária
do Tesouro e também ex-presidente do Fed, o banco central americano, alguém com
verdadeira integridade— a meu colega Ben Casselman sobre
a demissão no BLS: "Esse é o tipo de coisa que só se esperaria ver em uma
república de bananas."
É
importante notar como o exterior enxerga essa situação. Bill Blain, operador de
títulos em Londres que publica um popular boletim entre especialistas do
mercado chamado Blain’s Morning Porridge, escreveu na segunda-feira seguinte:
"A sexta-feira, 1º de agosto, pode entrar para a história como o dia em
que o mercado de títulos do Tesouro dos EUA morreu. Havia uma arte em
interpretar os dados americanos. Ela se baseava na confiança. Agora,
isso se quebrou —se não se pode confiar nos dados, no que se pode
confiar?"
Em
maio, a diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard,
demitiu dois altos funcionários de Inteligência que supervisionaram uma avaliação
contradizendo as afirmações de Trump de que a gangue Tren
de Aragua operava sob direção do regime venezuelano. Essa avaliação
enfraqueceu a frágil justificativa legal invocada por Trump —a raramente
usada Lei dos Inimigos
Estrangeiros de 1798— para permitir a expulsão de supostos membros
da gangue sem devido processo legal.
E
agora essa tendência de autocegueira se espalha para outros setores do governo.
Uma
das principais especialistas em guerra cibernética dos EUA, Jen Easterly,
que foi diretora da Agência de Segurança Cibernética e de Infraestrutura
durante o governo de Joe Biden,
teve sua nomeação para um cargo de docência na Academia Militar de West Point
revogada no fim de julho pelo secretário do Exército, Daniel Driscoll, depois
que Laura Loomer,
uma conspiracionista de extrema direita, conhecida por
comentários racistas e homofóbicos, publicou que Easterly seria uma
"agente" da era Biden.
Leia
essa frase novamente, devagar. O secretário do Exército, agindo sob a
orientação de uma seguidora delirante de Trump, revogou a nomeação de ensino de
—qualquer um confirmaria— uma das mais qualificadas especialistas apartidárias
em cibersegurança dos
EUA, ela mesma formada em West Point.
Eis
a resposta de Easterly no LinkedIn: "Como independente ao longo da vida,
servi nossa nação em tempos de paz e em combate sob administrações republicanas
e democratas. Liderei missões no país e no exterior para proteger
todos os americanos contra terroristas brutais. Trabalhei minha
carreira inteira não como partidária, mas como patriota —não em busca de poder,
mas a serviço do país que amo e em lealdade à Constituição que jurei proteger e
defender contra todos os inimigos."
E
ela acrescentou um conselho aos jovens cadetes de West Point que não terá a
honra de ensinar: "Todo membro da Longa Linha Cinzenta [referência a West
Point] conhece a Oração do Cadete. Ela pede que escolhamos ‘o caminho mais
difícil, mas correto, em vez do
caminho mais fácil, mas errado’. Essa linha —tão simples, mas tão
poderosa— tem sido minha estrela-guia por mais de três décadas. Em salas de
reunião e em salas de guerra. Em momentos silenciosos de dúvida e em atos
públicos de liderança. O caminho mais difícil e correto nunca é fácil. Esse é
justamente o ponto."
Essa
é a mulher que Trump não quis que ensinasse a próxima geração de combatentes.
E
essa ética —sempre escolher o caminho mais difícil, porém correto, em vez do
mais fácil e errado— é uma ética que Bessent, Hassett, Chavez-DeRemer e Greer
desconhecem —sem falar do
próprio Trump.
Por
isso, caro leitor, embora eu seja um otimista nato, pela primeira vez acredito
que, se o comportamento que esta administração
exibiu em apenas seus primeiros seis meses continuar e for
ampliado ao longo de quatro anos, a América que
você conhece terá desaparecido. E não sei como a recuperaremos.
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