Valor Econômico
A situação não é dramática, mas a folga que
havia nos últimos anos ficou para trás
As contas externas do Brasil entraram no radar de economistas e investidores. No acumulado em 12 meses, o déficit em conta corrente aumentou significativamente desde o começo do ano passado, saltando da casa de 1% do PIB para 3,4% do PIB até junho deste ano. Já o volume de investimentos estrangeiros diretos no país (IDP), tido como um fluxo mais confiável de financiamento externo, tem sido insuficiente para cobrir o rombo em conta corrente, que mostra as transações de bens, serviços e rendas com o exterior. As reservas internacionais, por sua vez, não são mais superiores à dívida externa bruta do país, embora ainda sejam elevadas, somando hoje um pouco menos de US$ 350 bilhões.
A situação não é dramática, mas a folga que
havia nas contas externas nos últimos anos ficou para trás. Isso pode colocar
pressão no câmbio em algum momento, ou no mínimo impedir uma valorização
adicional do real que seria bem-vinda, por aliviar a inflação e, com isso,
possibilitar cortes mais expressivos da Selic. Num momento em que o Brasil tem
um dos maiores déficits fiscais do mundo, com o resultado nominal (inclui
despesas com juros) podendo fechar o ano acima de 8% do PIB, é desconfortável
que a situação externa também fique na berlinda, ainda que o quadro das contas
públicas seja muito mais preocupante. A solidez das contas externas é
especialmente importante para o país atrair investidores estrangeiros, que se
sentem mais seguros em apostar em economias sem dificuldades de financiamento
externo.
Para 2025, estimativas recentes de bancos e
consultorias apontam para um déficit em conta corrente de 3% do PIB ou um pouco
mais. Com isso, o Brasil deverá ter um dos maiores rombos nesse indicador entre
os principais países emergentes, considerando as projeções de abril do Fundo
Monetário Internacional (FMI). De um grupo de 18 dessas economias, apenas a
previsão para as Filipinas supera os 3% do PIB, atingindo 3,4% do PIB em 2025.
Entre os países do Brics, a China e a Rússia devem ter superávits na casa de
1,9% do PIB, enquanto a Índia deve ter um rombo de 0,9% do PIB e a África do
Sul, de 1,2% do PIB. Para a Turquia, um país que frequentemente tem déficits em
conta correntes elevados, o FMI projeta um buraco de 1,2% do PIB.
Entre o segundo trimestre de 2014 e o fim de
2015, o Brasil teve déficits em conta corrente entre 3,9% e 4,5% do PIB no
acumulado em 12 meses, números bastante elevados. A expectativa atual é que o
buraco nas contas externas não chegue a esses níveis no segundo semestre deste
ano e no ano que vem, mas recentes revisões de bancos e consultorias apontam
para um déficit maior do que o projetado há alguns meses. O efeito das tarifas
de 50% impostas pelos EUA sobre produtos brasileiros levou a reduções no saldo
comercial previsto para 2025 e 2026, com impacto sobre as projeções do
resultado em conta corrente. Os preços mais baixos de commodities também afetam
negativamente as perspectivas para as exportações.
A XP baixou a estimativa do saldo comercial
neste ano de US$ 57,5 bilhões para US$ 52,3 bilhões, o que ajuda a explicar a
piora no déficit em conta corrente projetado para 2025, de US$ 65,7 bilhões, ou
2,9% do PIB, para US$ 73,5 bilhões, ou 3,2% do PIB. A mudança também incorporou
o aumento nos primeiros meses do ano de US$ 2,6 bilhões no déficit em renda
primária, que inclui juros, lucros e dividendos. Para 2026, a XP mudou a
projeção de 2,7% para 2,9% do PIB.
A expectativa de um crescimento mais fraco em
2026 contribui para as estimativas de um déficit em conta corrente um pouco
menor no ano que vem, por reduzir o ritmo das importações. O Santander projeta
rombos de 3,1% do PIB neste ano e de 2,9% do PIB no ano que vem, próximos aos
da XP. Ao tratar do resultado em conta corrente, o banco destaca o déficit na
conta de serviços, que está no nível mais alto desde 2015, “na esteira do
aumento do consumo de serviços digitais”, uma tendência vista como estrutural.
Outro fator que chama a atenção dos analistas
é que, em 12 meses, o volume de investimentos estrangeiros diretos, voltados
para atividades produtivas, deixou de cobrir o déficit em conta corrente. Até
junho, nessa base de comparação, o IDP ficou em US$ 67 bilhões, abaixo dos US$
73,1 bilhões do rombo nas transações de bens, serviços e rendas com o exterior.
Uma dúvida é se a crise entre Brasil e EUA poderá afetar em alguma medida o
fluxo de investimentos diretos de empresas americanas para cá, o que ampliaria
a distância entre o rombo na conta corrente e o volume de IDP.
Por fim, as reservas internacionais deixaram
de superar a dívida externa bruta. Em junho, as reservas eram de US$ 344
bilhões, o equivalente a 94,6% do endividamento externo bruto do país. É um
percentual ainda elevado, mas os ativos em moeda forte deixam de cobrir as
dívidas, um sinal de que as contas externas estão um pouco menos saudáveis.
Por enquanto, a expectativa dos analistas é
de que o déficit em conta corrente não deverá rumar para a casa de 4% do PIB ou
mais, um nível mais preocupante, que poderia diminuir com mais força a
disposição dos estrangeiros de investir no país. A situação inspira cuidados,
mas não há uma crise das contas externas. Além disso, aumentaram as apostas de
que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deverá cortar os juros a
partir do mês que vem, uma boa notícia para as moedas de países emergentes, que
já têm se beneficiado do enfraquecimento do dólar no mercado internacional.
Nesse cenário, o mais prudente é o governo
resistir à tentação de aumentar gastos públicos, o que estimula a atividade
econômica e, com isso, pressiona as importações, afetando as contas externas.
Medidas para reduzir as incertezas fiscais são importantes para abrir espaço
para o Banco Central (BC) antecipar o começo do ciclo de queda da Selic e
cortar mais a taxa, diminuindo assim as despesas financeiras do setor público.
O risco a ser evitado é ter um rombo em conta corrente crescente combinado a um
déficit público elevado e uma dívida pública em trajetória de alta a perder de
vista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário