segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Fernando Gabeira - Olhar para a frente, sem raiva

- O Globo

O que dirá se avançamos ou não em 2021 é a coexistência de duas variáveis: o aumento no número de pessoas vacinadas e decréscimo nas contaminações

Andei levando pancadas na rede. São os mesmos de sempre como dizia o personagem de “Esperando Godot”.

Durante muitos anos, quase que solitariamente apontei os erros que poderiam nos conduzir ao desastre.

A ausência de autocrítica os leva a buscar, compulsivamente, culpados, como se eu fosse responsável por Bolsonaro e não os seus erros cometidos aos longo dos anos. Aliás, já os enfrentei em eleições como aliados de Sérgio Cabral.

Jamais votaria num Bolsonaro, conheço-o bem. Ao longo dos anos, mantive-me fiel a Marina Silva, no passado, vítima de impiedosa campanha do PT.

Apenas afirmei, assim que eleito, esperar que as instituições brasileiras triunfassem sobre Bolsonaro. A pandemia não estava nos cálculos, e sim o golpe de estado.

Quando senti a ameaça próxima de golpe, a denunciei e dispus-me a lutar contra, como se fosse a última luta de minha vida.

As pancadas me ensinam o avesso da lição. Elas me aconselham abertura para quem confiava resiliência democrática, para quem combateu Bolsonaro de forma ineficaz, para quem se absteve, votou em branco e até os que o elegeram e recuam horrorizados, diante do resultado de sua escolha.

É um caminho mais produtivo do que distribuir culpas.

Num grupo que discutiu o livro “O discurso da estupidez”, de Mauro Mendes Dias, recebi esta mensagem:

— Reflexão muito bem-vinda. Quanto mais pessoas puderem reconhecer a necessidade de mudar de posição, já estamos avançando. Um dos efeitos do discurso da estupidez é, exatamente, o de não poder mudar, seja pela devoção a crenças deformantes da realidade, seja devido ao gosto que ele suscita pela destruição do patrimônio de valores que nos tornam humanos.”

Carlos Pereira* - Subserviência do Legislativo?

- O Estado de S. Paulo

Alinhamento entre os chefes do Executivo e do Legislativo não se traduz em autocracia

Tem existido uma crescente preocupação com a possibilidade de vitória de Arthur Lira (PP), candidato apoiado pelo Presidente Jair Bolsonaro, na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Esse desassossego não é totalmente destituído de razão, pois o alinhamento político entre chefes do Executivo e do Legislativo sempre traz o risco de subserviência do poder Legislativo ao já extremamente poderoso Executivo no Brasil. 

Alguns, inclusive, enxergam que esta suposta subordinação do Legislativo ao Executivo traria perigos reais para a própria democracia brasileira. Essa preocupação ficou explícita no discurso de lançamento do deputado Baleia Rossi (MDB) como candidato de oposição ao governo Bolsonaro à presidência da Câmara. A narrativa construída buscou inspiração no “pai” da democracia brasileira e da “Constituição cidadã”, Ulysses Guimarães, repetindo o mote: “temos ódio e nojo da ditadura”. 

O cientista político Scott Morgenstern, Professor da Universidade de Pittsburgh, propõe uma tipologia para entender quando legislativos seriam proativos, situação na qual seria a força preponderante no processo de formulação e de aprovação das leis, ou reativos, quando o Legislativo raramente inicia uma legislação, atuando fundamentalmente em negociações ao reagir a iniciativas legislativas preponderantemente do Executivo.

Ricardo Noblat - Tenebrosas transações pavimentam a eleição na Câmara

- Blog do Noblat / Veja

A Nova Política a pleno vapor

Quem diria que no governo do ex-capitão Jair Bolsonaro a Operação Lava Jato seria largada ao Deus dará, ao sol e à chuva para se desidratar. Largada, não: a palavra certa é esvaziada, nos seus estertores, a um passo de sucumbir.

Afinal, Bolsonaro pegou carona nos feitos da Lava Jato para se eleger presidente da República. Prometeu mundos e fundos para atrair a companhia do ex-juiz Sérgio Moro. E bradou que com ele no poder, o combate à corrupção jamais teria fim.

Há muitas formas de corromper, e nem todas tipificam crimes previstos no Código Penal Brasileiro. Exemplo? O loteamento de cargos no governo em troca de aprovação de matérias do seu interesse no Congresso. O é dando que se recebe.

É natural que partidos identificados com as ideias do governo dele possam participar. Presidente algum governa sozinho. Até ditadores precisam de ajuda para governar. Outra coisa é distribuir cargos no varejo para alcançar determinados fins.

No momento, é o que ocorre com a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Bolsonaro carece ali de votos para eleger Arthur Lyra (PP-AL), seu candidato à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Fazer então o quê? Acenar com cargos.

Não está em discussão à vista de todos medidas para atenuar os mais graves problemas do país. Esperar que se discutisse algo ambicioso, um projeto de país pós-pandemia – por que não? -, seria exigir demais dos medíocres personagens em cena.

Marco Antonio Villa - Bolsonaro é a maior ameaça à democracia

- Revista IstoÉ

Às Forças Armadas, o presidente fomenta a indisciplina dos oficiais com a intenção de ter apoio para uma aventura golpista

Jair Bolsonaro encerra politicamente o terrível ano de 2020 da mesma forma como iniciou. Conspirando diuturnamente contra o Estado Democrático de Direito. Se a prisão, em junho, de Fabrício Queiroz, interrompeu a marcha golpista, nos últimos dias de dezembro, Bolsonaro voltou à carga. Atacou a imprensa, ameaçou jornalistas, desqualificou a importância da informação livre e responsável, caluniou ministros do STF — como na sua live do dia 17, quando afirmou que o ex-ministro Celso de Mello é defensor da poligamia —, caluniou o deputado Rodrigo Maia imputando a ele uma suposta ação contra o décimo-terceiro pagamento do Bolsa-Família — acabou sendo desmentido não só pelo próprio presidente da Câmara dos Deputados, como também pelo ministro da Economia Paulo Guedes.

Marcus André Melo* - Vai passar?


- Folha de S. Paulo

A oferta e a demanda por populistas mudou

 Há duas explicações rivais sobre a nova onda do populismo.

A primeira focaliza as transformações econômicas e sociais que a engendraram e materializaram-se em novas demandas. Elas privilegiam o papel de grupos como os “perdedores da globalização” ou os afetados pela imigração na Europa e nos EUA.

O argumento considera também como as identidades e perda de status dos grupos são afetados no processo. A imigração aparece como a grande ameaça, mas muitas mudanças são endógenas, como no caso da questão racial nos EUA.

Nas explicações centradas na oferta a ênfase é institucional: o populismo expressaria uma falha institucional no sistema de representação. O argumento é que o sistema partidário tem sido incapaz de responder às novas demandas. A convergência programática entre partidos tem levado ao declínio da identidade e filiação partidárias e queda no comparecimento às urnas. Na União Europeia, o foco é posto no déficit democrático na estrutura de governança multinível, tecnocrática e centralizada em Bruxelas.

Celso Rocha de Barros* – Os livros de política de 2020

- Folha de S. Paulo

Ano teve competidores nacionais excelentes; lista não tem estrangeiros

Minha lista anual nunca incluiu reedições de clássicos, mas a coletânea “Por um Feminismo Afro-latino-americano”, que reúne textos da historiadora e filósofa negra Lélia Gonzalez editados por Flávia Rios e Márcia Lima, tem que ser citada porque grande parte do público ainda não sabe que a autora é clássica.

“Raça e Eleições no Brasil”, de Luiz Augusto Campos e Carlos Machado, é um trabalho muito inteligente de ciência política sobre as dificuldades de inserção dos negros no sistema eleitoral brasileiro, um tema cada vez mais quente.

“Mãe Pátria”, de Paula Ramón, é um belo relato, em tom pessoal, sobre a tragédia venezuelana recente. Não é antiesquerdismo, é só uma história real que a esquerda deveria levar a sério.

“A Bailarina da Morte”, de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, fala da pandemia de gripe espanhola do início do século 20 e sugere semelhanças assustadoras com a tragédia brasileira atual. Tive a impressão, entretanto, que mesmo as autoridades incompetentes da República Velha teriam comprado vacina para os brasileiros, se ela existisse na época.

Catarina Rochamonte - A sujeira de Kassio Nunes

- Folha de S. Paulo

O ministro foi indicado ao STF por causa da sua ficha de juiz garantista, anti-Lava Jato e já proferiu outros votos bizarros para bem servir ao acordão da impunidade

Atendendo a pedido do PDT, o ministro Kassio Nunes concedeu uma liminar que desfigura a Lei da Ficha Limpa, permitindo que criminosos retornem mais rápido à vida pública, que fichas sujas com registro sub judice assumam cargos de vereador ou prefeito e que alguns dos primeiros condenados da Lava Jato possam disputar as próximas eleições municipais. Essa decisão espúria teve o aval do presidente Bolsonaro, que mostrou, aliás, comovente preocupação com os dissabores dos incompreendidos políticos ficha suja. Segundo Bolsonaro, “o pessoal fica na maldade”, reclamando porque não sabe como é a vida de um político.

Bruno Carazza* - Nossas vidas nunca mais serão as mesmas

- Valor Econômico

Em breve superaremos a gripe espanhola em número de mortes

14 de março de 2020. Nesse dia eu tive um pressentimento de que nossas vidas nunca mais seriam as mesmas.

É claro que, como a maior parte dos brasileiros, eu vinha acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus. A doença havia chegado há algumas semanas por aqui, e o número de casos confirmados pelo Ministério da Saúde vinha subindo dia a dia - mas ainda eram apenas 362, sem nenhuma morte até então.

Àquela altura a covid-19 já avançava com força na Europa, a ponto de a Organização Mundial de Saúde ter declarado no dia 11 de março que se tratava de uma pandemia. Com quatro “circuit breakers”, a bolsa naquela semana caiu 15,6%, na pior semana desde a crise de 2008, e mesmo assim eu não me abalava.

A ficha caiu quando ouvi uma entrevista de Donald G. McNeil Jr., repórter de ciência do “The New York Times” que já havia feito coberturas sobre epidemias nos quatro cantos do mundo. Ao participar do podcast “The Daily”, o jornalista revelou que, pelo o que havia apurado junto a diversos cientistas, o novo coronavírus poderia ser tão letal quanto a gripe espanhola de 1918.

Sergio Lamucci - Os custos da falta de um plano para a vacinação

- Valor Econômico

Um planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de contribuir para a retomada da economia

Enquanto os EUA e vários países da Europa, da América Latina e do Oriente Médio já iniciaram a vacinação contra a covid-19, o Brasil fica para trás, sem um plano claro e definido para a imunização. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro se empenha numa campanha de desinformação contra a vacina. Diz que não vai se vacinar, lança dúvidas sobre a Coronavac, desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan e pela chinesa Sinovac, e afirma não ter pressa em iniciar a vacinação, num país em que já morreram mais de 191 mil pessoas pela doença. Além da tragédia da perda de muitas vidas, a demora tende a prejudicar a retomada da economia, que já vai enfrentar outros ventos contrários em 2021.

A vacinação em massa é o caminho mais eficaz para deter a doença. Diante disso, a estratégia óbvia de grande parte dos países foi planejar com antecedência a aquisição de vacinas para imunizar uma parcela expressiva de sua população, começando o processo o mais rápido possível. Não foi o que fez o governo Bolsonaro. No sábado, o presidente disse que não se sentia pressionado pelo fato de outros países já terem iniciado a vacinação, afirmando não dar “bola para isso”. Em 19 de dezembro, havia dito que “a pressa pela vacina não se justifica”, no mesmo dia em que vaticinou que a “pandemia estava chegando ao fim”. Ontem, porém, afirmou ter “pressa em obter uma vacina, segura, eficaz e com qualidade, fabricada por laboratórios devidamente certificados”, mas que a questão da responsabilidade por reações adversas é “um tema de grande impacto e que precisa ser muito bem esclarecido”.

Cacá Diegues - O futuro vem aí

- O Globo

Faz parte dessa esperança sabermos que nem todos nos farão de trouxas e que a Fiocruz se recusou a dar, na distribuição das vacinas, a prioridade pedida pelo STF

Por falar em Natal, alguma coisa está mudando em nossos corações. O ano de 2020, por tudo o que aconteceu, talvez tenha sido o pior ano de nossas vidas. Mortes e separações, perda de emprego e falta de dinheiro, os amigos que não temos mais porque sucumbiram à Covid ou porque nunca mais abraçamos por causa da porra do vírus, a solidão provocada pelo temor do contágio. Tanta coisa nos aconteceu e nenhuma delas nos fez mais felizes.

Até a política, que sempre cultivamos como fofoca, nos faltou. É difícil fofocar, rir ou xingar no meio de outros papos, quando o cara disfarça a incompetência e o narcisismo por trás de uma afirmação machista, como a da “gripezinha” ou a do “país de maricas”. Ou quando ele, em plena discussão das vacinas, às vésperas de nossa redenção, da garantia ou da esperança de nossa sobrevivência, jura que não vai se vacinar e ponto final. Prefere inaugurar, com pompa e circunstância, na presença de ministros e funcionários, uma exibição exibicionista das vestes que ele e Michelle usaram na posse, como se isso tivesse alguma importância para nós ou para a História. Quem votou nele porque era um impávido colosso, um homem simples e modesto, igual a qualquer um de nós, deve estar uma fera.

Demétrio Magnoli - Que vontade de nascer americano

- O Globo

Pela direita, mas também pela esquerda, a linguagem política brasileira mimetiza os temas, os argumentos e até os escândalos teatralizados da ‘guerra cultural’ que consome os EUA

 ‘Disseram que eu voltei americanizada, que não suporto mais o breque do pandeiro e fico arrepiada ouvindo uma cuíca’. A Carmen Miranda “americanizada” de 1940, baiana caricatural da Broadway, não é nada perto do Brasil de 2020. Pela direita, mas também pela esquerda, a linguagem política brasileira mimetiza os temas, os argumentos e até os escândalos teatralizados da “guerra cultural” que consome os EUA.

O culto bolsonarista é uma religião de contrabando. Nos EUA, a ala reacionária do Partido Republicano definiu-se pela tríade “God, guns, gays”. Por aqui, uma extrema-direita sem tradição macaqueia a missa americana, organizando-se ao redor de bispos de negócios, difundindo a homofobia e erguendo a bandeira do “armamento do povo”. No rastro do plágio, o Partido Militar — isto é, os generais do Planalto, rendidos a um capitão arruaceiro — rasga as cartilhas antigas que ensinavam as lições da ordem, do planejamento, da hierarquia e da autoridade.

A direita voltou americanizada: não suporta mais a geometria do progresso de Benjamin Constant ou o sonho integrador de Cândido Rondon. Seus arautos marcham à sombra das bandeiras entrelaçadas dos EUA e de Israel, recitam os versos do America First e, hipnotizados por um guru místico, anunciam a batalha final contra os demônios gêmeos do “globalismo” e do “comunismo”. Eles inscreveram na pedra o ideal de um Brasil isolado, o “pária orgulhoso” de Ernesto Araújo, um missionário da Internacional Cristã, essa relíquia achada entre os destroços da Santa Aliança.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O futuro do acordo Mercosul-EU – Opinião | O Estado de S. Paulo

A escalada do desmatamento, entre outros danos colaterais, tem-se mostrado o principal entrave à ratificação do Acordo Comercial entre os dois blocos

É uma característica irreversível de nosso tempo que a agenda geopolítica e econômica fique cada vez mais atrelada à ambiental. No caso do Brasil, a escalada do desmatamento, entre outros danos colaterais, tem-se mostrado o principal entrave à ratificação do Acordo Comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Recentemente, o representante da UE em Brasília, Ignacio Ybañez, declarou que até que o Brasil assuma o compromisso de reverter a devastação na Amazônia o Acordo não avançará.

Mas enquanto o governo de Jair Bolsonaro insiste em transferir responsabilidades, maquiar dados e acusar autoridades internacionais de má-fé, forças políticas na Europa e no Mercosul trabalham por uma solução para o impasse. Em pronunciamento na Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, a chefe da divisão da América do Sul, Véronique Lorenzo, esboçou um mecanismo para melhorar as condições de ratificação do Acordo.

Segundo Lorenzo, a “Iniciativa Amazônia” que vem sendo estudada em Bruxelas seria baseada em dois pilares. Primeiro, uma “declaração conjunta” anexa ao Acordo definindo compromissos ambientais e sociais dos dois blocos. As metas seriam monitoradas por uma agência científica independente e por um comitê formado por integrantes da UE e do Mercosul. O segundo pilar viria na forma de recursos disponibilizados pela UE para combater o desmatamento.

Música | Teresa Cristina - Axé de Ianga

 

Poesia | Joaquim Cardozo - A Escultura Folheada

Aqui está um livro

Um livro de gravuras coloridas;

Há um ponto-furo. Um simples ponto

                                   simples furo

E nada mais.

 

Abro a capa do livro e

Vejo por trás da mesma que o furo continua;

Folheio as páginas, uma a uma.

 - Vou passando as folhas, devagar,

o furo continua

 

Noto que, de repente, o furo vai se alargando

Se abrindo, florindo, emprenhando,

Compondo um volume vazio, irregular, interior e conexo:

Superpostas aberturas recortadas nas folhas do livro,

Têm a forma rara de uma escultura vazia e fechada,

Uma variedade, uma escultura guardada dentro de um livro,

Escultura de nada: ou antes, de um pseudo-não;

Fechada, escondida, para todos os que não quiserem

Folhear o livro.

 

Mas, prossigo desfolhando:

Agora a forma vai de novo se estreitando

Se afunilando, se reduzindo, desaparecendo/surgindo

E na capa do outro lado se tornando

                                   novamente

Um ponto-furo, um simples ponto

                                   simples furo

E nada mais.

 

Os seres que a construíram, simples formigas aladas,

Evoluíam sob o sol de uma lâmpada

Onde perderam as asas. Caíram.

As linhas de vôo, incertas e belas, aluíram;

Mas essas linhas volantes, a princípio, foram

se reproduzindo nas folhas do livro, compondo desenhos

De fazer inveja aos mais “ sábios artistas”.

Circunvagueando, indecisas nas primeiras páginas,

À procura da forma formante e formada.

Seus vôos transcritos, “refletidos” nessas primeiras linhas,

Enfim se aprofundam, se avolumam no vazio

De uma escultura escondida, no escuro do interno;

Somente visível, “de fora”, por dois pontos;

Dois pontos furos: simples pontos

                                   simples furos

E nada mais.

 

domingo, 27 de dezembro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Mudar ou ser mudado

- Correio Braziliense

Nada será como antes depois de controlada a pandemia — no decorrer de 2021, na maioria dos países desenvolvidos —, um novo ciclo de globalização está sendo iniciado

A segunda onda da pandemia de covid-19, que registra mutação do novo coronavírus — há evidências de que já transborda da Inglaterra para outros países europeus e, provavelmente, chegou ou chegará por aqui — é a face mais visível de uma contradição com a qual teremos que lidar durante muitos anos: a globalização é um fenômeno objetivo e irreversível, mas carece de mecanismos de governança mundial eficazes para neutralizar seus efeitos mais perversos, que aprofundam as desigualdades no mundo.

A pandemia é uma lente de aumento sobre o problema, se levarmos em conta que as transformações na estrutura produtiva do planeta, cujo dinamismo é ditado pelas inovações tecnológicas e os novos conhecimentos, colocaram em xeque as políticas ultraliberais. Revelou que a saúde pública, por exemplo, continua sendo uma prioridade para a economia. Muitos imaginavam, com o advento do não-trabalho e a inutilidade de grandes exércitos industriais de reserva, que políticas universalistas de saúde deixariam de ser necessárias para a reprodução do capital em escala global, assim como a boa formação educacional pública e gratuita, pois supostamente já não se precisaria da mesma abundância de mão de obra saudável e escolarizada disponível para o desenvolvimento.

Ricardo Noblat - Viva o povo brasileiro e o seu condutor!

- Blog do Noblat / Veja

Mudou o Natal ou mudamos?

O presidente Jair Bolsonaro e os brasileiros se merecem. Antes que o dito possa soar como um insulto (no caso a uma parte dos brasileiros), avanço na justificação.

Pouco importa que ele seja um presidente acidental, em grande débito com a facada que levou em Juiz de Fora quase às vésperas da eleição e com o antipetismo de raiz.

Colheu mais de 56% dos votos no segundo turno da eleição. Sua vitória não foi contestada por ninguém, a não ser por ele mesmo que viu fraude no primeiro para impedi-lo de se eleger logo.

Depois de dois anos de (des)governo, continua sendo bem avaliado. Em todas as pesquisas de intenção de voto feitas até aqui, derrota com conforto seus eventuais adversários em 2022.

Assim, sente-se liberado para dizer o que pensa, e o faz sem temer revezes. E sem que isso cause severos danos à sua imagem. Afinal, o que diz é o que está na cabeça da maioria dos que o apoiam.

Desfila sem máscara por aí quando a pandemia se aproxima do número oficial de 220 mil mortos e de quase 8 milhões de infectados. E daí? Não é o que vemos por toda parte?

Doria pavimenta apoio inédito no PSDB para 2022

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo

 Bancadas do partido na Câmara e Senado, prefeitos e vereadores referendam nome de governador como eventual presidenciável

Depois de enfrentar prévias conturbadas para ser o candidato do PSDB à Prefeitura em 2016 e ao Palácio dos Bandeirantes em 2018, o governador de São Paulo, João Doria, entra em 2021 com o caminho já pavimentado para ser o candidato tucano na eleição presidencial de 2022. Enquanto conversa com outras forças políticas para tentar construir uma aliança contra o presidente Jair Bolsonaro e usa a vacina do Instituto Butantã com a fabricante chinesa Sinovac para se projetar nacionalmente, Doria conseguiu um apoio inédito das bancadas do PSDB na Câmara e no Senado, da Executiva Nacional tucana, além dos governadores e principais prefeitos da legenda, entre eles Bruno Covas, reeleito na capital paulista. 

Pela relevância do cargo, o governador de São Paulo sempre foi considerado um candidato natural ao Palácio do Planalto, mas, em eleições anteriores, tanto José Serra quanto Geraldo Alckmin enfrentaram resistências internas antes de se lançarem na disputa. A única eleição presidencial na qual o candidato do PSDB não era um paulista foi em 2014, quando o senador mineiro Aécio Neves foi ao segundo turno contra Dilma Rousseff (PT). Em todos os pleitos desde 2002, porém, houve disputa interna no partido pela vaga de candidato.

Sem foco de resistência na legenda, Doria é até o momento o único pré-candidato que se coloca abertamente como presidenciável, apostando no contraponto ao presidente Jair Bolsonaro. “Doria é o nome mais forte que temos no PSDB, que mostrou em 2020 que está vivo. A vacina é um ativo de quem apostou na ciência e na saúde”, disse o deputado federal Rodrigo Castro (MG), novo líder do PSDB na Câmara. 

Rolf Kuntz - Em dois anos desastrosos, a pandemia só surgiu no segundo

- O Estado de S. Paulo

Depois de dois anos de desgoverno, ainda resta o direito de desejar feliz ano novo

Desprezo à vida, quase um culto à morte, é a grande marca do presidente Jair Bolsonaro, afirmada e reafirmada em todo o seu desgoverno. Com a pandemia esse desprezo ficou mais escancarado, assim como seu despreparo para governar. Enquanto avança o contágio, o presidente chama de maricas quem tenta evitar a doença e cobra menos ansiedade na espera pela vacina. O descaso pela vida se reafirma, sem pausa, também na sua obsessão pelas armas. Pode-se morrer de bala ou de covid-19. E daí? Essa pergunta, um comentário sobre a mortandade, resume dois anos de Presidência bolsonariana – fiasco na economia, desastre na pandemia, constante ameaça à democracia. Será um prenúncio dos próximos dois?

Liderança, criatividade e solidariedade podem eclodir diante de grandes desafios. Diante da pandemia, Bolsonaro foi negacionista, como seu guia Donald Trump. Continuou centrado em objetivos particulares, como a reeleição e a proteção dos filhos. Além disso, frequentou manifestações golpistas, como no dia 3 de maio.

Mais de 100 mil casos de covid-19 haviam sido registrados e as mortes passavam de 7 mil, superando as da China, mas as prioridades do presidente eram outras. Na passeata, faixas pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso e “intervenção militar com Bolsonaro”. O presidente apareceu sem máscara, abraçou uma criança e criticou medidas sanitárias de governadores e prefeitos.

A indisposição de Bolsonaro com o STF era notória. O ministro Alexandre de Moraes havia suspendido a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal (PF). Sem dizer a quem se dirigia, o presidente berrou ameaças.

“Vocês sabem que o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade, também estão ao nosso lado, e Deus acima de tudo. Vamos tocar o barco. Peço a Deus que não tenhamos problemas nesta semana, porque chegamos no limite, não tem mais conversa, tá OK? Daqui para frente não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição. Ela será cumprida a qualquer preço.” Depois prometeu nomear no dia seguinte o novo diretor da PF.

Eliane Cantanhêde - Quem ama não mata

- O Estado de S. Paulo

As vidas da mulheres importam e isso é cultura, é educação, depende do Estado e de cada um de nós

O Brasil está doente, não apenas por causa da pandemia, da economia, do desemprego, da corrupção e do desgoverno, mas porque a desigualdade social é a oitava do mundo, o trânsito é assassino e o feminicídio, endêmico, está em toda a parte, em todas as classes sociais. Um horror, uma vergonha, uma sensação de impotência num País tão especial, tão lindo, com uma natureza tão privilegiada.

Fiquemos no feminicídio, depois de dois fatos chacoalharem o Judiciário na reta final de um ano tão dramático no mundo inteiro: o assassinato no Rio de uma juíza, Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, 45, e as declarações insanas de um juiz (e um juiz de Vara de Família!), Rodrigo Azevedo Costa, reveladas pelo programa Papo de Mãe, das jornalistas Mariana Kotscho e Roberta Manreza.

 Na véspera do Natal, data da esperança e da generosidade, o engenheiro Paulo José Arronenzi assassinou a juíza Viviane a facadas, na frente das três filhas de ambos, uma de 9 anos e as gêmeas de 7. Viviane tentava reagir à insanidade com racionalidade, tinha dispensado a escolta e estava levando as crianças para passar o Natal com o pai, que nem sequer se deu ao trabalho de fugir. Ficou ali, olhando a mulher morrer, até a polícia chegar.

Bruno Boghossian – As palavras e as coisas

- Folha de S. Paulo

Palavras de Bolsonaro produzem agenda destrutiva, da segurança à vacinação

Em campanha, Jair Bolsonaro queria "carta branca para policial matar". Após chegar ao Planalto, prometeu "retaguarda jurídica" para blindar as forças de segurança em casos desse tipo. Agora, pelo segundo ano seguido, ele assinou um indulto feito sob medida para perdoar crimes não intencionais cometidos em serviço por esses agentes.

O governo não foi capaz de aprovar mudanças na lei para garantir uma proteção definitiva, mas Bolsonaro ainda consegue empurrar sua agenda de incentivo à violência policial. Com medidas alternativas e estímulos retóricos, o presidente avança na corrosão de políticas de segurança, da preservação ambiental, da democracia e da saúde pública.

Dias antes de editar o indulto, Bolsonaro ofereceu guarida a PMs num discurso para recém-formados, no Rio. "Numa fração de segundo, está em risco a sua vida, do cidadão de bem ou de um canalha defendido pela imprensa brasileira", disse. O presidente sabe que a polícia do estado já mata e morre em níveis recordes.

Hélio Schwartsman - A matéria-prima da tragédia

- Folha de S. Paulo

A oposição entre a lei impessoal e obrigações morais particularistas não é novidade

Você e seu melhor amigo estão no carro. Ele dirige. De repente, ele atropela um pedestre. Estava a uma velocidade acima da permitida. Não há câmeras nem testemunhas, além de você. O advogado de seu amigo diz que, se você testemunhar, assegurando que ele trafegava abaixo do limite de velocidade, vai poupá-lo de sérios problemas.

O que você pensa disso:

a) Que seu amigo tem todo o direito de esperar que você testemunhe em seu favor, e você deve mesmo honrar os deveres da amizade.

b) Que seu amigo deveria ter pouca ou nenhuma expectativa de que você testemunhe, e você não deve mentir em juízo.

Como ensina Joseph Henrich, esse é um dos testes usados para diferenciar países “weird” (acrônimo em inglês para ocidental, educado, industrializado, rico e democrático) dos demais.

Em nações como EUA, Canadá e Suíça, mais de 90% dos empresários e gerentes submetidos ao teste responderam “b”; já em países como Nepal, Venezuela e Coreia do Sul, a maioria optou por “a”. O Brasil fica no meio do caminho.

Vinicius Torres Freire - Doria injetou veneno de descrédito na testa

- Folha de S. Paulo

Governador exagerou no show e ameaça programa de imunização

Ao fim da guerra da vacina, João Doria poderia parecer um líder mais nacional e um contraponto da razão a Jair Bolsonaro. O governador paulista decerto fez o bom serviço de cutucar a inoperância federal. Mas, depois dos vexames recentes, Doria pode parecer apenas um destrambelhado provinciano. Pior, lançou desconfiança sobre a própria vacina que comprou, grave em termos sanitários e econômicos.

Por duas vezes, o governo de São Paulo adiou a publicação da eficácia da Coronavac. Na quarta-feira (23), o país foi induzido a esperar boas notícias. Em vez disso, ouviu uma conversa palerma de que os dados precisariam ser antes mastigados pela Sinovac, por uma obrigação contratual, e de que a eficácia da vacina era diferente daquela verificada em outros países, no limite de apenas 50%.

Descobriu-se que Doria estava em Miami, o que pareceu fuga do fiasco. Para piorar, soube-se na sexta (25) que a Turquia não teria “obrigação contratual”, pois divulgou, de modo mambembe, que a Coronavac seria eficaz em 91,25% dos casos.

O governo Doria suscitou desconfiança sobre os números que virão sobre a vacina, já objeto de propaganda negativa criminosa de Bolsonaro.

Arminio Fraga - Desafios para 2021 e depois

- Folha de S. Paulo

No momento, sobra incerteza e falta confiança; deficiências são tantas que há amplo espaço para melhorias

2020 foi o ano da trágica Covid-19. Foi também um ano de grandes respostas: uma extraordinária conquista da ciência no campo das vacinas e uma expansão fiscal e monetária sem precedentes.

A despeito de uma queda do PIB global estimada em cerca de 5%, as bolsas e os preços das commodities se recuperaram do colapso de março, já tendo em muitos casos ultrapassado os níveis pré-Covid. Enxergam uma recuperação plena.

Enquanto isso... Por aqui, além da tragédia humana, o ano foi de trevas, de um ubíquo obscurantismo, que se manifestou e segue se manifestando em áreas cruciais, como saúde e meio ambiente. Vejo um país sem rumo, ou pior.

Não é possível ignorar a segunda onda de infecções e mortes. Atrasos e lacunas na vacinação agravarão o quadro. Faz falta uma campanha nacional de saúde, ao invés de uma anticampanha. A pressão sobre os delapidados cofres públicos aumentará. A onda de otimismo global nos dá algum fôlego e pode até se manter, mas o quadro aqui inspira cuidados.

Sim, a economia vem se recuperando, mas em bases não sustentáveis. Parece-me crucial não perder de vista os caminhos para que o Brasil saia da recessão e se desenvolva plenamente. Nossos maiores desafios econômicos podem ser organizados em três grandes áreas: macroeconomia, produtividade e desigualdade.

Janio de Freitas - 'Feliz Ano-Novo', que perigo

- Folha de S. Paulo

Há um esboço de novidades saudáveis, esse gênero que passou de escasso a extinto

Na passagem do mal vivido para o vamos ver, o Brasil recomenda aos seus filhos muito bom senso ao desejar feliz Ano-Novo. Seja qual for sua sinceridade, convém que esses votos sejam certeiros na destinação. Não só para evitar desperdício. Os votos tradicionais, extensivos e indiscriminados, estão perigosos. Podem ser até suicidas.

Não, nada a ver com a Covid-19. Mais um ano feliz para os 37% que aprovam o governo resultaria da permanência de toda a alucinação e destrutividade, desprezo pela vida das pessoas e pelo futuro do país, predominantes nestes dois anos. Seria a continuidade de um ano que 63% dos brasileiros sentiram entre reprovável e sufocante. Sim, resgatar o Brasil e retomar o passo da democracia depende de que os felizes com os dois anos passados sejam os infelizes do próximo ano. E o sejam tanto e tão cedo quanto possível.

Nesse sentido, há um esboço de novidades saudáveis, esse gênero que passou de escasso a extinto. Uma delas é a incipiente aliança de MDB, DEM, PDT, Cidadania e PT com o objetivo de fazer o futuro presidente da Câmara.

Um feito devido, sobretudo, à hábil confiança conquistada por Rodrigo Maia e a uma reconsideração experimental do PT em vista das circunstâncias.

Bernardo Mello Franco - O poeta e o golpe: Drummond em 1964


- O Globo

Em 1º de abril de 1964, Carlos Drummond de Andrade saiu de casa para conferir a agitação no Forte de Copacabana. Ele caminhou até a praia com o amigo Carlos Heitor Cony. Os dois queriam ver com os próprios olhos se o golpe estava mesmo na rua. “Há poucas dúvidas sobre a derrota de Jango”, constatou o poeta, que havia passado a madrugada colado a um rádio transistor.

Em seu diário, Drummond registrou a festa da classe média com a derrubada do presidente que prometia reforma agrária. Ele não comemorou o golpe, mas também não parecia contrariado:

“Eu voltava para casa quando se ouviram estampidos, houve um corre-corre, e eis que da janela dos edifícios gente sacode lenços, panos de prato, até lençóis, enquanto outra chuva, esta de papel picado, cai sobre o asfalto. O rádio espalhara a notícia, transmitida por Lacerda: Jango deu o fora. Volto à praia. Gente cantando o hino nacional, xingando Brizola em slogan improvisado. Sensação geral de alívio”.

Doze dias depois, o poeta começava a entender que o país estava mergulhando em uma nova ditadura. “Baixado o Ato Institucional, que atenta rudemente contra o sistema democrático. O Congresso, já tão inexpressivo, passa a ser uma pobre coisa tutelada. Vamos ver o que será das liberdades públicas”, escreveu.

Em junho, Drummond seria convocado a depor em inquérito administrativo da rádio MEC, ocupada pelos golpistas que se diziam “revolucionários”. Queriam que testemunhasse contra a ex-diretora, acusada de “atividades subversivas”. “Os inquéritos desse tipo traduzem mais o espírito de vingança do que o de justiça”, anotou.

Elio Gaspari - Cacaso previu a ‘nova política’

- O Globo / Folha de S. Paulo

Dois anos depois da eleição de Wilson Witzel para o governo do Estado do Rio e passados quatro da vitória de Marcelo Crivella para a prefeitura da cidade, a “nova política” mostrou seu verdadeiro rosto

Dois anos depois da eleição de Wilson Witzel para o governo do Estado do Rio e passados quatro da vitória de Marcelo Crivella para a prefeitura da cidade, a “nova política” mostrou seu verdadeiro rosto. Como dizia o poeta Cacaso (1944-1987):

Ficou moderno o Brasil,

Ficou moderno o milagre

A água já não vira vinho,

Vira direto vinagre.

Witzel e Crivella teriam sido algo novo. Um perdeu o mandato e batalha pela liberdade. O outro está preso em casa. A água que viraria vinho nem vinagre virou, tornou-se apenas uma lama velha.

Witzel prometia tiros nas “cabecinhas”e Crivella oferecia lances místicos enquanto aninhava milicianos na prefeitura. Foram novos na empulhação. Ocupando os cargos, nem na roubalheira inovaram. Basta ver a onipresença do “Rei Arthur”, nas maracutaias da “nova política”. Ele era o donatário das comissões para fornecedores durante o mandarinato do “gestor” Sérgio Cabral.

Como disse o grande Príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”, tudo isso não deveria poder durar, mas vai durar.

Cabral roubava criando ilusões modernistas, como o teleférico do Morro do Alemão, que continua parado. Witzel, que fez campanha na Baixada Fluminense amparado na lógica política dos bicheiros, atolou-se com velhas quadrilhas. Um era o falso moderno, o outro, o verdeiro atraso. Crivella recorreu a milicianos, coisa que Cabral nunca fez ostensivamente.

O único ingrediente de originalidade municipal, estadual e federal da “nova política” é a demofobia explícita. Ela demoniza a pobreza, nega a pandemia e vive em contubérnio com as milícias. O resultado disso está na sala dos brasileiros: vacinas contra a Covid, só no noticiário internacional.

Água vira vinagre quando se sabe que há mais de cem anos D. Pedro II fez questão de cumprir o isolamento social durante uma passagem por Portugal, e hoje o general-ministro da Saúde diz a parlamentares que não devem falar nisso.

Na madrugada de 17 de novembro de 1889, quando o imperador foi posto em um navio e desterrado para a Europa, ele disse: “Os senhores são uns doidos”.

Parecia que o doido era ele.

Ibaneis com Picciani

Ibaneis Rocha, governador de Brasília e empresário bem-sucedido, com um patrimônio declarado de R$ 94 milhões é também um destemido.

Em agosto ele arrendou a fazenda Monteverde, em Uberaba (MG), de propriedade do notável Jorge Picciani. O simples fato de fazer negócio com o ex-presidente da Assembleia do Rio indicaria um empresário audacioso. Como Picciani foi condenado a 21 anos de prisão e rala sua pena em prisão domiciliar, fazer negócio nesse mundo é coisa de gente muito corajosa. Ibaneis e Picciani pertencem ao mesmo partido, o MDB.

Os bens do poderoso Picciani estão bloqueados pela Justiça que lhe cobra R$ 91 milhões.

Onze em cada dez empresários correriam de um negócio desse tipo como o Tinhoso corre da cruz.