No
momento, sobra incerteza e falta confiança; deficiências são tantas que há
amplo espaço para melhorias
2020
foi o ano da trágica
Covid-19. Foi também um ano de grandes respostas: uma extraordinária
conquista da ciência no campo das
vacinas e uma expansão fiscal e monetária sem precedentes.
A
despeito de uma queda do PIB global estimada em cerca de 5%, as bolsas e os
preços das commodities se recuperaram do colapso de março, já tendo em muitos
casos ultrapassado os níveis pré-Covid. Enxergam uma recuperação plena.
Enquanto
isso... Por aqui, além da tragédia
humana, o ano foi de trevas, de um ubíquo obscurantismo, que se
manifestou e segue se manifestando em áreas cruciais, como saúde e meio
ambiente. Vejo um país sem rumo, ou pior.
Não
é possível ignorar a segunda onda de infecções e mortes. Atrasos e lacunas na
vacinação agravarão o quadro. Faz falta uma campanha
nacional de saúde, ao invés de uma anticampanha. A pressão sobre os
delapidados cofres públicos aumentará. A onda de otimismo global nos dá algum
fôlego e pode até se manter, mas o quadro aqui inspira cuidados.
Sim, a economia vem se recuperando, mas em bases não sustentáveis. Parece-me crucial não perder de vista os caminhos para que o Brasil saia da recessão e se desenvolva plenamente. Nossos maiores desafios econômicos podem ser organizados em três grandes áreas: macroeconomia, produtividade e desigualdade.
Começo
pelo macro. Há claros sinais de que a fragilidade fiscal que levou a dívida
pública a saltar de 50% para 92% do PIB em seis anos não será superada tão
cedo, se é que será. As propostas de ajuste fiscal e reformas estruturais de
curto e longo prazo estão paradas por falta de apoio político do próprio
governo. Falo da PEC emergencial e das reformas do Estado e tributária. O
investimento público caiu de um pico de 5% do PIB para perto de 1%. Os gastos
em todas as esferas de governo com Previdência e funcionalismo seguem muito elevados,
um obstáculo às três agendas.
Nas
economias avançadas, os governos vêm se endividando a taxas de juros negativas
em termos reais, inclusive para empréstimos de prazo mais longo. Mantidas essas
taxas, o que parece provável por um tempo, será possível carregar uma dívida
maior do que no passado, desde que se possa rolar o valor devido.
No
entanto, o endividamento não
deve ser regra. Pode e deve ocorrer em momentos difíceis, para diluir no tempo
os custos sociais e humanitários. Mas mesmo quem tem mais espaço para se
endividar não deve exagerar na dose, pois as condições de mercado podem piorar,
até mesmo em função de falta recorrente de disciplina fiscal. Endividamento de
longo prazo pode inclusive financiar investimento, desde que dentro de um
planejamento orçamentário plurianual, confiável e sustentável.
No
Brasil, as taxas de juros caíram bastante, sobretudo as de curto prazo, mas
seguem elevadas para prazos mais longos, um alerta relevante. Não há orçamento,
que dirá plurianual, confiável ou sustentável. Mesmo emitindo dívida em moeda
local, o governo pode enfrentar dificuldades sérias, como foi o caso em 2002 e neste
ano. Numa economia aberta como a nossa (e fechar não é uma opção), a fuga para
uma moeda mais confiável é sempre um risco, especialmente com o juro aqui a 2%.
Pensem bem: sem perspectiva de responsabilidade fiscal, quem é que vai querer
ficar com o mico?
Ainda
no macro, preocupa muito o desemprego. A taxa atual de 14% exclui um grande
número de pessoas que pararam de procurar emprego. Quando o massivo auxílio
emergencial secar e a busca de emprego voltar ao normal, o desemprego
deve subir bastante e a desigualdade aumentar, para além do que
era antes da crise. O cobertor está bem curto.
Uma
segunda área carente de respostas é a baixa e estagnada produtividade do país
como um todo, o pilar fundamental do crescimento. Há 40 anos o Brasil não
consegue encurtar a distância que separa o nosso padrão de vida daquele dos
países mais avançados. Estamos carentes em um sem-número de dimensões. Falta
eliminar obstáculos e distorções para que se possa investir mais e melhor.
Falta qualidade e estabilidade às regras do jogo econômico. Falta mais
integração com o mundo. Falta um Estado mais eficiente. Falta simplificar o
sistema tributário. Falta muito.
Finalmente,
e não menos importante, temos que encarar o desafio de reduzir as nossas
imensas desigualdades. Além do necessário reforço e aperfeiçoamento da rede de
proteção social ora em discussão, urge um esforço intenso e
sustentado de criação de oportunidades e aumento da mobilidade social para uma
maioria que hoje não tem a menor chance. Tal esforço representa o melhor
investimento à nossa disposição. Falta melhorar (e muito) a educação, a saúde e
outros serviços públicos. Além de justo, reforçaria o projeto de crescimento.
A
agenda é extensa. As três grandes frentes econômicas são complementares, para o
bem e para o mal. No momento, sobra incerteza e falta confiança. Aqui me
permito um pingo de otimismo. As deficiências são tantas que há um amplo espaço
para melhorias. Um (outro)
governo com visão e capacidade de execução poderia acelerar
bastante o crescimento. Na saída de uma recessão como a atual, eu ficaria muito
surpreso se não superasse 4% ao ano por um bom tempo.
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