quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Opinião do dia – Eric Hobsbawm* (Importância da política)

Permitam-me dizer, para concluir, porque escolhi, neste capítulo, concentrar-me em Gramsci como teórico político. Não foi só por ele ser um teórico invulgarmente interessante e admirável. Em, decerto, porque ele oferece uma receita para a forma como os partidos e os Estados devem organizar-se. Como Maquiavel, ele é um teórico de como as sociedades deveriam ser fundadas ou transformadas, não de pormenores constitucionais e muito menos das trivialidades de que se ocupam os jornalistas políticos. Foi porque, entre os teóricos marxistas, foi ele quem percebeu com maior clarividência a importância da política como uma dimensão especial da sociedade e porque ele compreendeu que a política envolve mis do que o poder. Isso é de enorme importância prática, e não menos para os socialistas.

Eric Hobsbawm (1917-2012), “Como Mudar o Mundo”, p. 300 – Companhia das Letras, 2011

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Maior desafio de Galípolo é manter confiança no BC

O Globo

Novo presidente precisará pautar sua gestão por parâmetros técnicos, como tem feito no cargo de diretor

Como esperado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o economista Gabriel Galípolo para comandar o Banco Central (BC) a partir de janeiro, depois que acabar o mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto. Galípolo, atual diretor de Política Monetária do BC, terá o desafio de manter a confiança na condução da política monetária. Pelo que tem demonstrado até aqui, não há motivo para duvidar de sua capacidade de executar a tarefa.

Qualquer nome indicado para comandar o BC será sempre alvo de escrutínio. No caso de Galípolo, a vigilância será maior. O motivo é a campanha — injusta — promovida por Lula contra Campos Neto desde o início do governo. Até o final do ano, o chefe do Executivo terá de escolher mais três diretores do BC. Com isso, a maioria dos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) terá sido indicada por ele. Cria-se naturalmente o temor de interferência na política monetária.

Merval Pereira - O voto inválido

O Globo

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), numa jurisprudência do século passado, considera que votos nulos não existem, “é como se nunca tivessem sido dados”

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, voltou atrás na inclinação de anular seu voto no caso de segundo turno na capital paulista entre o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, e o coach Pablo Marçal, do PRTB. Ele anunciara a tendência numa entrevista, e Carlos, filho de Bolsonaro, indignou-se. Foi às redes sociais para afirmar que “não há voto nulo contra a esquerda”.

Tarcísio logo retratou-se, dizendo que, embora apoie o atual prefeito, Ricardo Nunes, e tenha dúvidas sobre propostas de Marçal, votará nele no caso de a disputa ser contra Boulos. Sobretudo, a reação de Carlos e o recuo de Tarcísio sugerem que os bolsonaristas de maneira geral estão liberados para votar em Marçal ainda no primeiro turno, o que deverá enfraquecer o apoio a Nunes.

Por que o voto nulo não se transforma em instrumento efetivo de protesto do eleitor? Porque a Constituição Federal de 1988 e a Lei das Eleições consideram como votos válidos somente os nominais e de legenda, determinando a exclusão de brancos e nulos para os cargos de prefeito, governador, presidente e vice-presidente. Isso significa que tanto os votos em branco quanto os nulos não são considerados no cálculo final das urnas. São inválidos e descartados na contagem eleitoral.

Malu Gaspar – De volta ao passado

O Globo

Uma parte do Brasil está vidrada no fenômeno Pablo Marçal, outra parte preocupada com o fogo que se alastra por florestas e plantações. A força da extrema direita e a emergência ambiental são desafios dos anos 2020 para os quais Lula terá de encontrar uma resposta. No dia a dia do governo, porém, os esforços estão mais voltados para prioridades que parecem ter saído de uma agenda dos anos 2000.

Uma delas, anunciada pelo presidente em reunião com os presidentes dos fundos de pensão na semana passada, envolve mudar a regulação dessas entidades para que Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Postalis (Correios) possam injetar dinheiro nas obras do PAC.

Juntos, esses fundos têm mais de R$ 500 bilhões para investir. Mas deixaram de poder aplicar em empreendimentos imobiliários e de infraestrutura, focos de escândalos que provocaram rombo estimado em R$ 50 bilhões com investimentos movidos a propina durante os governos Lula e Dilma Rousseff.

Antonio Pedro Pellegrino - Os cobradores

O Globo

A mesma atitude de Ricardo III perante a vida, de cobrança intransigente, pode ser encontrada no discurso da extrema direita

Na pena de Shakespeare, Ricardo III era maldade pura, ambicioso sem limites, capaz de qualquer coisa pelo poder. De feiura profunda, assustava quem lhe aparecesse pela frente. Julgava-se um injustiçado e, como tal, autorizado a cometer o mal. A matança por ele promovida era o exercício de uma espécie de direito à reparação, a que, possesso, ele julgava fazer jus: uma rasteira na crueldade do destino, que lhe condenara à feiura chocante e brutal.

“Ricardo III”, de Shakespeare — peça analisada por Freud em ensaio conhecido —, põe em evidência o direito a ser vilão em contexto de supostas injustiças. O mundo passa a ser devedor, culpado, de modo que uma pessoa pretensamente injustiçada pelo destino se sente como que autorizada a ser injusta, transformando a vida dos outros na tragédia que é sua própria vida.

Luiz Carlos Azedo - Câmara não perdoará mandante da morte de Marielle

Correio Braziliense

O Conselho de Ética abriu processo contra Chiquinho Brazão em abril, após o parlamentar ter sido preso pela PF por envolvimento na morte da vereadora carioca

A votação no Conselho de Ética da Câmara foi acachapante: aprovou por 15 votos a um a recomendação de cassação do mandato do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), réu acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol). Jack Rocha (PT-ES), relatora do caso, recomendou a perda do mandato de Brazão por condutas incompatíveis com o decoro parlamentar. Segundo a deputada, há provas “robustas” de que ele cometeu “irregularidades graves no desempenho do mandato” e que é “verossímil” a conclusão da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que Brazão é um dos mandantes da execução de Marielle.

A defesa do deputado ainda poderá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde a correlação de forças é majoritariamente conservadora, mas dificilmente, lá também, o parlamentar será poupado. Não é a tradição da CCJ perdoar colegas homicidas. O deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ) foi o único voto contrário à cassação. O deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) se absteve. A cassação dependerá do apoio de 257 dos 513 deputados, no mínimo.

Vagner Gomes de Souza - Lacerdismo a doença infantil do sectarismo carioca

Poucas semanas nos separam das eleições municipais e ainda observamos que muitos analistas/militantes atribuem que no caso carioca é momento de fortalecer o tema da democracia. A ideia é uma tímida forma de declarar apoia a relevância do centro político no arcabouço da reconstrução do município que já foi a Capital do país. A nacionalização para justificar um apoio sem pontuar os compromissos programáticos. Adesismo não é uma boa escola para a prática da democracia ainda mais se vier de personalidades que se identificam como da Esquerda.

Por outro lado, há uma mobilização ainda mais vazia que faz ressurgir o moralismo do lacerdismo em suas críticas a alianças favoráveis a reeleição do atual Prefeito. Esses “neolacerdistas” da classe média carioca e/ou funcionalismo público tijucano e seus assemelhados se consideram a verdadeira esquerda. Anunciam que estão “sempre alertas” as aproximações que atribuem como desqualificadoras do apoio a gestão municipal que tem buscado fazer o Rio de Janeiro superar sua grave crise. Uma crise gravíssima que o assim autodenominado candidato da “saída pela esquerda” acha que a “mágica” dos números do IPTU seria uma solução viável.

A política não pode conviver com o fanatismo de convicções que se negam a perceber a realidade. Governar uma cidade cosmopolita como o Rio de Janeiro não pode se fazer como se fosse a pregação do Beato José Maria ao liderar a Guerra do Contestado. Precisamos exorcizar esse lacerdismo político da cultura política da Zona Sul carioca que não consegue dialogar para além do Tunel Vice-presidente José de Alencar – se esquecem que as voltas da política real se faz sempre. Então, fazer insinuações contrárias a determinadas alianças é um sectarismo que cheira muito do oportunismo.

Míriam Leitão - Debates sobre o combate ao fogo

O Globo

Ministro do STF deu 15 dias para mobilização no Pantanal e na Amazônia. O governo estranhou

O ministro Flávio Dino deu quinze dias para o governo mobilizar recursos e agentes no combate ao fogo no Pantanal e na Amazônia. O governo estranhou. “Sinceramente, não entendemos. A atitude dele é mandar fazer o que estamos fazendo para parecer que estamos fazendo porque ele mandou”, explicou uma autoridade do executivo. No Supremo, a explicação é que a decisão do ministro era inevitável. “Há um acórdão transitado em julgado mandando aumentar os esforços”, diz uma fonte do Judiciário. Desentenderam-se. Foi a própria esquerda — Rede e outras ações do PSOL e PSB — que recorreu ao STF com ações para forçar o executivo a agir. Mas quando? Naquele governo que não agia, o de Jair Bolsonaro. Agora, essa ação já julgada está servindo de base para a decisão de Dino em relação ao governo Lula, do qual ele fez parte.

Maria Cristina Fernandes - Empresários entre o horror e o inevitável em São Paulo

Valor Econômico

Aversão do empresariado a Marçal vai até o fim do 1º turno

Sondado por um amigo comum para uma conversa com Pablo Marçal, um banqueiro despistou. “Cê tá louco? Ele vai sair por aí dizendo que falou comigo”. Um grande investidor paulistano, com negócios imobiliários em Goiás, de onde Marçal foi exportado para São Paulo, recebeu a mesma sondagem e caiu fora.

No meio empresarial e financeiro, este tem sido o comportamento padrão em relação ao candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo. Pelo menos até 6 de outubro. Num segundo turno contra Guilherme Boulos (Psol), cenário no qual a pesquisa Quaest desta quarta sugere um rigoroso empate, a coisa muda de figura.

O horror cede lugar ao inevitável. Com PCC, com tudo. Em dois grupos diferentes de WhatsApp de investidores, a vitória do candidato do Psol aparece como a única situação que os levaria a optar por Marçal, como um dia o fizeram, de maneira menos titubeante, por Jair Bolsonaro contra o lulismo.

Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli - Realimentando a estagnação secular

Valor Econômico

A renda per capita brasileira de 2024 deve se igualar à de 2013

Neste momento, o Palácio do Planalto comemora as previsões de crescimento do PIB em torno de 2,5%, bem como a (relativamente) baixa taxa de desemprego de 6,9%. Os números são vendidos como evidência do sucesso da política econômica implantada após a volta de Lula à Presidência. Será?

A renda per capita da principal economia do planeta, os EUA, cresce em média 1,5% ao ano. Trata-se de um padrão mantido ao longo de um século e meio, desde o fim da Guerra de Secessão. Anos de recessão, como os da crise do subprime e da covid, são compensados com anos de crescimento acima de 3%, o que explica a média acima. No Brasil, em contraste, a renda per capita de 2024 deve se igualar à de 2013. Foi a segunda década perdida, repetindo a estagnação dos anos 1980. No período, houve o grande desastre de 2015-16, quando o PIB caiu 6,7%, fruto do voluntarismo desinformado de Dilma Rousseff.

Assis Moreira - Tentativa de focar em agricultura sustentável

Valor Econômico

Nesses tempos de maior instabilidade, governos não se entendem sobre como responder aos desafios

Um seminário recente na Organização Mundial de Comércio (OMC) mostrou senso de urgência sobre desafios que o setor agrícola enfrenta - e as dificuldades de reações.

Inclui a piora da insegurança alimentar, aumento de desigualdades e da pobreza, impacto devastador da mudança climática, crescente preocupação com escassez e menor qualidade da água, perda de biodiversidade, mudança nos padrões de temperatura e precipitação. Eventos climáticos extremos, como secas, inundações e tempestades tropicais, estão se tornando mais frequentes, intensos e de longa duração e podem reduzir a terra produtiva disponível em várias áreas do mundo.

Um representante da FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação, observou que a prevalência de insegurança alimentar (incapacidade de arcar com uma dieta saudável) e a ameaça de fome chegam a 40% e 3% da população mundial, respectivamente. Ele deu ênfase a duas mudanças estruturais (desaceleração da produtividade e crescente desigualdade) e três disruptores (desaceleração econômica, mudança climática e conflitos) como os principais fatores provocando essa situação.

Marcelo de Azevedo Granato - Mandato parlamentar é empreendimento individual?

O Estado de S. Paulo

Decisões de congressistas podem resultar em benefícios a localidades específicas, mas ponto de partida deve ser a realidade nacional

“Se (...) sou obrigado a dar R$ 2 milhões para uma cidade que me deu só 2 mil votos e R$ 100 mil para uma cidade que me deu 20 mil votos, o que vou dizer para essa última cidade? (...) Prefeitos me procuram às vezes, e eu saco o mapa e vejo. Aí digo: 'Só tive 80 votos lá?'. Na hora da eleição ele fechou com outro candidato, agora quer emenda? Não dá”.

Essas são declarações do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) à reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Ali, Passarinho trata do direcionamento de verbas do Orçamento a redutos eleitorais dos parlamentares através das emendas individuais ao dispor de cada um deles. Ele dá como exemplo a cidade de Brejo Grande do Araguaia (PA), onde disse ter tido boa votação no passado. Nas eleições de 2022, porém, o deputado teria recebido votação bem inferior, o que atribuiu à aliança do prefeito da cidade com outros candidatos a deputado federal: “Resultado: estão há dois anos sem emenda. Só R$ 100 mil que mandei para lá” (‘Edital de emendas parlamentares’ empaca em Congresso com fartura de verba gasta sem critério, 5/11/2023).

O caso suscita a pergunta: quem esse parlamentar está representando?

William Waack - Homens e instituições

O Estado de S. Paulo

Lula já impôs ao indicado para o BC um difícil teste de credibilidade

Dois grandes problemas de naturezas distintas estão no caminho do indicado para o Banco Central. E a origem das duas questões se localiza no Palácio do Planalto. A primeira são as consequências de uma política fiscal que expande os gastos públicos e busca o equilíbrio das contas via arrecadação. Gabriel Galípolo já assinou comunicados do Banco Central com alertas exatamente para esse ponto – uma política fiscal crível é um dos grandes componentes da taxa de juros.

Mas Lula, que o indicou, não acredita nisso. Em parte por não entender exatamente como funcionam os delicados mecanismos de formação de preços numa economia moderna (e juros são um deles). Em parte pelo primado que impôs da política eleitoreira sobre os rumos fiscais do governo. No horizonte de curtíssimo prazo no qual Lula opera, gasto é vida política, sim.

Felipe Salto - Galípolo é o nome certo para o BC

O Estado de S. Paulo

Não tenho dúvida de que realizará com maestria a tarefa de preservar o poder de compra da moeda, sem ignorar o PIB e o emprego

Conheço Gabriel Galípolo há tempos. Quem nos apresentou foi um estimado professor em comum, José Marcio Rego. Já presenciei, em muitas ocasiões, sua capacidade de analisar a economia nacional, sob perspectiva teórica e histórica; sempre com bom humor. Tem capacidade de entrega e dialoga com diferentes interlocutores, de matizes distintos, em benefício dos propósitos a que se dedica.

A notícia de que Galípolo será indicado à presidência do Banco Central (BC) é um bom agouro, que chegou pela boca do próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na tarde de ontem. Não tenho dúvida de que realizará com maestria a tarefa de preservar o poder de compra da moeda, sem ignorar o PIB e o emprego.

A condução da política monetária é um desafio complexo, técnica e politicamente. Destaco quatro requisitos: capacidade de comunicação, fundamentação técnica das decisões, uso permanente dos experientes servidores da autoridade monetária e boa interlocução com o governo, o Congresso, o mercado, a academia e a chamada economia real.

Vinicius Torres Freire - O que esperar de Galípolo no BC

Folha de S. Paulo

Melhor é que se esqueça do BC, que venha calmaria e que a Selic fique onde está, por ora

Luiz Inácio Lula da Silva enfim indicou Gabriel Galípolo para presidir o Banco Central. O que de melhor pode acontecer a Galípolo? Que se esqueçam dele, pelo menos no que diz respeito a taxas de juros.

Infelizmente, tão cedo não vão esquecer Galípolo. Assim sendo, será melhor que fale muito pouco. Ao falar, que seja contido e tedioso. Difícil também. O novo presidente do BC terá de demonstrar "credibilidade". De resto, nos acostumamos à falação exagerada dos encarregados da política monetária —e sobre eles.

Em particular em países periféricos, como o Brasil, instáveis na economia e na política, com o problema fiscal sabido, a direção do BC está quase sempre vendida, arrastada por correntes econômicas e financeiras. Mais importante é evitar besteiras, excessos maiores nos juros. O que são essas correntes?

Thiago Amparo – O efeito Marçal

Folha de S. Paulo

Marçal deve ser derrotado na Justiça e no voto

Não se deve minimizar o poder da candidatura de um coach estridente à prefeitura da mais populosa cidade brasileira. Primeiro, enquanto o candidato que divide a liderança nas pesquisas se ocupa de memes com a palavra "bolo" e a direita tradicional, dividida, patina, não se sabe ainda o seu teto de eleitores. Na liderança (em empate técnico triplo) da pesquisa Quaest, divulgada nesta quarta (28), Pablo Marçal (PRTB) não provou ainda se o teto do bolsonarismo é, de fato, o seu teto —ou se possui espaço para ultrapassá-lo.

Bruno Boghossian - O Congresso prepara outro drible

Folha de S. Paulo

Desenho em negociação poderia manter quase tudo como estava antes de decisão do STF

O Congresso ainda tenta encontrar uma maneira de manter o controle sobre as emendas parlamentares. Nesta semana, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco tiveram uma reunião reservada para discutir a criação de regras que, na prática, podem preservar a liberdade dos congressistas e driblar determinações feitas pelo STF.

O desenho feito pelos parlamentares já foi enviado ao governo. Quem viu o plano diz que a ideia é vincular as emendas de bancada e de comissão a uma lista de programas preestabelecidos. Esse dispositivo, em teoria, enquadraria a verba dentro de projetos estruturantes ou de caráter regional, como prevê o acordo costurado pelo Supremo.

Conrado Hübner Mendes - Manifesto Constitucionalista

Folha de S. Paulo

A medida do retrocesso brasileiro precisa ser calculada e demonstrada

Do casamento da democracia com o constitucionalismo nasceu o regime com maior legitimidade moral na história da política. Um casamento conturbado. Enquanto uma pede poder para o povo, o outro pede limite. Enquanto uma carrega a vontade agonística de governar, o outro pede moderação. Uma extravasa o desejo coletivo, o outro institucionaliza controle.

Democracias constitucionais minimamente merecedoras do nome ainda gozam de credencial de legitimidade padrão ouro. Eleições livres, competição entre adversários, possibilitar ao derrotado ser vitorioso amanhã e vice-versa; desconcentrar o poder político e econômico, proteger direitos, garantir que a fúria das maiorias não suprima a liberdade das minorias, que os mais fortes não esmaguem os mais fracos: há tensões por onde se olhe.

Maria Hermínia Tavares - Obama e nós outros

Folha de S. Paulo

Na convenção democrata, recomendou ouvir as 'preocupações dos que não votam conosco'

O discurso de Barack Obama na quarta-feira passada (21/8) foi o ponto alto da Convenção Nacional Democrata, reunida para sacramentar a candidatura de Kamala Harris.

De todos quantos desfilaram no pódio para reafirmar a união do partido em torno da substituta de Joe Biden, Obama se destacou ao remeter a disputa com Donald Trump para além do confronto entre legendas antagônicas ­—ou da defesa da democracia contra o candidato republicano de comprovado apetite autocrático.

Com clareza e a costumeira elegância, Obama projetou um caminho para superar a polarização política que o truculento Trump fomenta em tempo integral.

Ex-presidente (de 2009 a 2016), argumentou que há base para a construção de uma maioria democrática ampla, unida por valores fundamentais da vida civilizada —a começar do respeito mútuo—, apesar das diferenças de credo, etnia, experiências e circunstâncias de vida; acima das escolhas e lealdades políticas.

Poesia | Graziela Melo - Menina Triste


Triste olhar
e uma dor
sem nome...

menina pobre
que não conhece
o amor

mas dia
após dia,
sente a dor
da fome!!!

Todos
os dias
a vejo
na esquina!

Volto
para casa
e não consigo
esquecer

o olhar
da menina!!!

            Graziela Melo

Música | Beth Carvalho - O Show tem que continuar (No Parque Madureira)

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Eleição municipal não pode ignorar agenda climática

O Globo

Municípios são responsáveis pela ocupação do solo, fator crítico para prevenir efeitos de enchentes ou secas

Os efeitos das mudanças climáticas já fazem parte do dia a dia dos brasileiros há algum tempo. Em maio, o país se comoveu com o drama dos gaúchos ante a devastação sem precedentes causada por chuvas inclementes, que mataram mais de 180 moradores, deixaram cidades submersas, arrasaram a infraestrutura e impuseram prejuízos bilionários. Nos últimos meses, em meio a secas severas e temperaturas abrasadoras, incêndios têm se alastrado, destruindo vegetações e causando transtornos à população. Seria de esperar que tal realidade fizesse das mudanças climáticas um dos principais temas da campanha municipal país afora. Não é o que acontece, porém.

Vera Magalhães - Lula apela ao saudosismo e ignora onda da eleição

O Globo

Presidente adota discurso estatizante gasto e ignora o avanço de Marçal, que mira o Planalto, e não o Anhangabaú

Quem ouviu o discurso do presidente Lula ontem, demonstrando enorme saudosismo em relação aos tempos bons do monopólio da Telebras nas telecomunicações e da Vale estatal, poderia se assustar e achar que inadvertidamente estava de volta aos anos 1990. Se o incauto fosse conferir o ano na internet, teria certeza, ao constatar que o assunto mundial era a volta da banda britânica Oasis.

Mas não. O ano ainda é 2024, o Consenso de Washington citado por Lula e o britpop que consagrou os irmãos Liam e Noel Gallagher fazem pouco sentido para além da nostalgia diante dos rumos da política e da música, e o presidente vai demonstrando notável descolamento da realidade cada vez mais complexa que se apresenta diante de governos e candidatos da esquerda, representada por ele no Brasil.

As dificuldades enfrentadas por candidatos do PT vão além da onda Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo. Levantamento do Pulso, do GLOBO, com base na última rodada de pesquisas Quaest, mostra que candidatos do PT largaram atrás mesmo em capitais importantes do Nordeste, região que assegurou a vitória de Lula em 2022.

Zeina Latif - O desejo de sonhar das classes médias e a política

O Globo

O desejo de mudança segue vivo entre as classes médias que querem empreender e prosperar

As experiências de Bolsonaro e de Lula indicam que alimentar a polarização extremista pode até garantir a eleição, mas governabilidade e poder político são outra conversa. O diálogo e a construção de acordos ficam dificultados. Esse é o dilema da política da polarização: as forças que elegem os políticos ao Executivo não são as mesmas que viabilizariam o sucesso de sua gestão e o avanço do país para o desenvolvimento.

Assim, em meio a decepções, a sociedade segue insatisfeita, e essas lideranças mostram-se enfraquecidas.

O comportamento de Lula sugere que ele reconhece sua fraqueza. Exemplo disso foi não ter entrado em campo para defender a Reforma Tributária do IVA no molde proposto pela Fazenda, talvez por entender que sua ação poderia dificultar as negociações ao levantar a poeira da polarização. Bolsonaro, repetidas vezes, criticou a reforma, mas sem eco.

Bernardo Mello Franco – Onde há fumaça

O Globo

Uma nuvem gigantesca de fumaça se espalhou por dez estados e escureceu o céu em diversas capitais. O fenômeno, que se alastrou de Manaus a Porto Alegre, escancarou mais uma crise ambiental: o aumento das queimadas na Amazônia, no Pantanal e em outros biomas brasileiros.

No domingo, Brasília amanheceu encoberta por uma massa de fuligem, e a qualidade do ar foi classificada como péssima. Foi nesse ambiente tóxico que a ministra Marina Silva visitou a sede do Ibama e levantou a hipótese de uma ação orquestrada para incendiar o país. Ou parte dele.

“Do mesmo jeito que nós tivemos o ‘dia do fogo’, há uma forte suspeita de que agora esteja acontecendo de novo”, disse Marina, referindo-se à onda de incêndios no interior de São Paulo. “Tem uma situação atípica, vários municípios queimando ao mesmo tempo. Isso não faz parte da nossa curva de experiência”, alertou.

Fábio Alves - O piso do desemprego

O Estado de S. Paulo

O mercado de trabalho ganhou relevância para as próximas decisões do Banco Central

A força do mercado de trabalho brasileiro foi um dos principais motivos para o desempenho melhor do que o esperado da economia no primeiro e segundo trimestres deste ano, com a taxa de desemprego no menor nível em dez anos e aumento forte na renda e na geração de postos de trabalho formais.

Na próxima sexta-feira, o IBGE divulga os dados referentes a julho da Pnad Contínua. No trimestre encerrado em junho, a taxa de desocupação caiu para 6,9%, a menor desde junho de 2014. Terá o desemprego no Brasil atingido o seu piso no atual ciclo econômico ou há mais espaço para recuar? Afinal, um mercado de trabalho mais apertado pressiona para cima a inflação, em especial os preços de serviços.

“As mínimas da taxa de desemprego devem ter sido atingidas agora no meio do ano, e (a taxa) deve começar a subir, ainda que timidamente, nos próximos trimestres – em linha com alguma desaceleração da economia”, diz Júlia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco. Ela projeta uma taxa de desemprego, com ajuste sazonal, de 7,3% no fim deste ano, subindo levemente para 7,5% em 2025.

“Apesar de algum aumento da taxa de desemprego até o final de 2025, o nível de desocupação seguirá historicamente baixo, indicando um mercado de trabalho ainda resiliente”, explica Júlia.

Segundo ela, a força do mercado de trabalho reflete uma economia que está aquecida, seja pela recuperação pós-pandemia – em especial no setor de serviços, que tipicamente emprega mais –, seja pelas políticas de transferência de renda e pelo ciclo benigno de crédito, que impulsionam a demanda interna por bens e serviços e incentivam as empresas a contratar mais.

Roberto DaMatta - Polarização é ato de má-fé

O Globo

Polarizar é, como tristemente testemunhamos, um modo de esvaziar o outro lado de razão

Temos corpos repartidos em esquerda e direita. Mãos, pés, olhos, narinas, ouvidos, dedos, hemisférios cerebrais, tudo tem um outro polo que não é “reserva” ou “duplicata”, mas complemento. Somos constitucionalmente duplos, e nossa natureza bipolar facilita a automistificação.

Polarizar é parte de nossa natureza. Entretanto ela tem sido usada mais para dividir e condenar que para compreender. Os lados se complementam, mas, na politicagem, o conceito bloqueia a relativização. Passa a ser prova de certezas, quando o que está em jogo são circunstâncias e limites.

Polarização é uma palavra mais apropriada para uma enfermidade em que represento a verdade, enquanto você exprime erro e ignorância. Tudo o que digo traduz boa consciência do mundo e das coisas; ao passo que você é a personificação da má-fé. Estamos afundados nessa dualidade não complementar e destrutiva faz tempo.

Marcelo Godoy - Fazer o ‘M’ de Marcola

O Estado de S. Paulo

Nunca a presença de candidatos ligados ao crime organizado foi tão explícita como nestas eleições

As ligações da criminalidade organizada com a política nunca foram tão extensas como nas eleições deste ano. A Itália, terra da máfia, registra um sentido particular para o verbo “sdoganare”, fazer passar pela alfândega. É aquele que se refere à concessão de legitimidade e respeito a quem antes era um pária ou contra quem o sistema político opunha seus vetos, como os impostos a extremistas e mafiosos.

O acúmulo de casos de candidatos e – pasmem – dirigentes partidários investigados ou condenados por delitos ligados à criminalidade organizada em São Paulo mostra que à miséria da política – povoada por casos de corrupção e pela defesa de privilégios de castas insensíveis às angústias da população –, o eleitor pode acrescentar a desgraça do narcoestado, sdoganando mafiosos por meio do voto.

Fernando Exman - Marçal mostra que Bolsonaro é menor que o ‘bolsonarismo’

Valor Econômico

Barulho feito pela candidatura do coach nas ruas, ou melhor, nas redes, fez cair a ficha dos Bolsonaro

O avanço de Pablo Marçal (PRTB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo materializa um receio compartilhado por aliados de Jair Bolsonaro (PL) quando o ex-presidente ficou inelegível. “Uma diferença entre Lula e Bolsonaro”, disse certa vez um deles, “é que Lula é maior que o PT, mas o bolsonarismo se tornou maior que Bolsonaro”.

Por “bolsonarismo”, deve-se considerar o fenômeno social, também visto no exterior, baseado em uma bandeira conservadora, antipetista, populista e impulsionada pelas plataformas digitais. Ele é visto como um movimento que vai além do ex-presidente Jair Bolsonaro e, também, dos candidatos que recebem seu apoio formal.

Na visão de influentes políticos de centro, esse tal bolsonarismo estabeleceu-se com um piso de 20% do eleitorado - a parcela da população mais identificada com a ultradireita e que agora, em um ambiente de polarização cristalizada, não tem mais acanhamento em se identificar como tal. E é justamente por isso que não deveria ser surpresa uma candidatura como a do influenciador Pablo Marçal subir na pesquisa Datafolha de 14% para 21%, empatando tecnicamente com Guilherme Boulos (23%) e Ricardo Nunes (19%).

Luiz Carlos Azedo - Marçal desponta no mundo de sombras

 

Correio Braziliense

Ninguém tem a garantia de que a propaganda oficial de rádio e tevê seja suficiente para neutralizar a propaganda enganosa do outsider nas redes sociais

Platão, o filósofo grego autor de A República, quando pensou em demonstrar a cegueira dos homens diante de um mundo de aparências, atribuiu a Sócrates, personagem central do livro, a história conhecida por Mito da Caverna, ao qual já nos referimos em outras colunas, porque tem a ver com momentos recorrentes da nossa política, como agora, no processo eleitoral de São Paulo.

Na fábula de Platão, homens estão presos por argolas no fundo de uma caverna escura. Sempre viveram ali, sem poder olhar para trás, onde um fogo arde, a certa distância, e irradia uma luz que se projeta nas paredes. Veem apenas formas humanas, bruxuleantes. Pensam que é a realidade. Mas veem apenas suas próprias sombras. É o único mundo que conhecem, o mundo sensível, o mundo das aparências.

Elio Gaspari - Pablo Marçal e seu teleférico

O Globo

Suas ideias são velhas e ruins

Pablo Marçal, segundo as pesquisas, é uma novidade na política de São Paulo. Na noite de segunda-feira, o candidato a prefeito foi entrevistado na GloboNews. A primeira pergunta tratava de sua proposta para o sistema de transportes numa cidade onde os ônibus se movem a 16 quilômetros por hora.

Ele respondeu, criticando as promessas do prefeito Ricardo Nunes, prometendo empregos. De transporte mesmo, falou rapidamente de teleféricos. Mais adiante, cobrado, revelou que transportariam os passageiros a 22 quilômetros por hora, em linha reta. Lembrado de que São Paulo é uma cidade plana, não elaborou o tema. Topograficamente, um teleférico paulistano poderia levar os banqueiros da Avenida Paulista às suas casas nos Jardins.

Vinicius Torres Freire – Política em estado de pânico e lamaçal

Folha de S. Paulo

Redes sociais e fúria contra o Estado ineficaz criam país ingovernável e sujeito ao crime

Redes sociais e fúria contra Estado ineficaz criam país ingovernável e sujeito ao crime

Em algumas pesquisas eleitorais qualitativas, a intenção de votar em Pablo Marçal (PRTB) para prefeito de São Paulo aparece como revolta contra governos, "políticos" e pobreza; também como espírito de porco juvenil, um niilismo periférico.

"Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba", dizia a personagem central de o "Bandido da Luz Vermelha", filme de 1968 de Rogério Sganzerla (1946-94). Há também identificação com o candidato, uma admiração pela figura que parece ter vindo do nada, do interior, sem capital, formação ou amigos importantes, que se fez na vida como tantos influencers.

Não é novidade. Quem dá uma olhada em redes sociais reconhece essa atitude faz mais de década, com a popularização dos celulares com internet, em torno de 2010, ou com a ascensão e engorda da dita "classe C". Cientistas sociais e estudos variados dos colapsos políticos desde 2013 também já explicaram em parte como uma nova direita e um espírito "antissistema" se valeram das redes. A questão é como sair disso que se tornou um lamaçal.

Mariliz Pereira Jorge - Tabata peita Marçal

Folha de S. Paulo

Candidata aproveita a campanha para desconstruir a imagem de 'menina'

Grandona. Vingadora. Braba. Investigativa. Malvadona. Tabata Amaral (PSB) foi parar nos trending topics do ex-Twitter por causa de mais um vídeo sobre a condenação de Pablo Marçal por desvio de dinheiro de contas bancárias e por supostas ligações com o PCC. A candidata pode não ter subido nas pesquisas o suficiente para se tornar competitiva, mas sua imagem cresceu positivamente entre o público que acompanha a eleição paulistana por uma razão simples: ela é a única que tem peitado Pablo Marçal (PRTB).

É compreensível que Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) tenham optado por manter certa distância de Marçal, como mostra reportagem da Folha. Até agora, são eles os que têm mais a perder e ainda parecem atordoados ao lidar com um adversário que tem pinta de caricatura pelos métodos que usa, mas é uma ameaça real, como escrevi antes dessa reviravolta nas pesquisas.

Bruno Boghossian - As companhias de Marçal

Folha de S. Paulo

Seria ilusão acreditar que presidente do PRTB abriria mão de influência na prefeitura em caso de vitória

Pablo Marçal deve sua candidatura a um sujeito que se vangloria de suas conexões com o crime organizado. Leonardo Avalanche, presidente do PRTB, é um nome desconhecido, mas carrega uma bagagem pesada. Embarcou num avião com suspeitos de integrar o PCC e foi gravado dizendo que ajudou a libertar um chefe da quadrilha.

Avalanche não é uma peça qualquer nessa empreitada eleitoral. Ele tomou o controle do PRTB no início do ano e pavimentou o caminho para Marçal. O próprio ex-coach reconheceu que, sem o acordo com a sigla, não estaria na disputa. "Eu não escolhi o partido. Foi o único que teve para entrar", disse, na GloboNews.

Wilson Gomes - Pablo no circo eleitoral

Folha de S. Paulo

Ele mostra aos eleitores que a política é só uma piada infame

São Paulo virou um circo eleitoral. No centro da arena está um personagem distribuindo currículo para ser o líder político da cidade, fazendo questão, no entanto, de deixar claro que a sua maior qualificação para o cargo é justamente não ser político e achar a política uma palhaçada.

É compreensível que São Paulo admire os bem-sucedidos. É o seu mito fundador. Por isso, o candidato esfrega na cara de todos a sua grana e os indícios de que encontrou um modelo inovador de negócios que lhe deu sucesso e merecimentos. Merece tudo, inclusive o cargo de CEO da cidade mais bem-sucedida do país.

Afinal, ele não está se candidatando a prefeito, mas a chairman da São Paulo S.A., a maior empresa do Brasil, que precisa ser resgatada da mão dessa gente torpe, despreparada e incompetente que são os políticos.