Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O Estado somos nós – os três poderes formais, o Ministério Público, a imprensa, seus leitores, a sociedade que se manifesta e vota.
O escandaloso comportamento do novo Severino Cavalcanti, o deputado-corregedor Edmar Moreira (DEM-MG), na inauguração da legislatura, teve o mérito de oferecer uma panorâmica da putrefação do Legislativo. Com apenas algumas frases e um inacreditável currículo exibiu o mau estado do nosso Estado.
No momento em que o mundo celebra o retorno do Estado atuante, rigoroso e responsável nos é oferecida a tomografia de um Estado moralmente arruinado e deficiente. A culpa, evidentemente, não é do governo que apoiou a chapa vitoriosa na Câmara Federal, a oposição também votou nela. A culpa não é do novo presidente da Casa do Povo, jurista Michel Temer (PMDB-SP), que não achou necessário investigar em profundidade a biografia, currículo e folha corrida de um de seus eventuais substitutos (o corregedor é também um dos vice-presidentes da Casa). O castelo medieval de 30 milhões de reais construído por Edmar Moreira sem o conhecimento do fisco e da Justiça Eleitoral não é obra recente. As aberrações que envolvem o deputado federal e seu filho, Leonardo, deputado estadual, estão sendo investigadas desde 2006.
A proposta de acabar com a corregedoria da Câmara e considerar os deputados como anjinhos que sofrem apenas de um vício, o "vício da amizade" não resultou de um escorregão retórico. Edmar Moreira completará em breve seus 70 anos, tem 18 de carreira parlamentar, é um sólido e perfeito exemplo da estupidez, despreparo, cinismo e ganância de um grupo considerável de servidores do Estado brasileiro eleitos para protegê-lo.
Edmar Moreira é mais um caso de geração espontânea. Ninguém é responsável por seu súbito aparecimento na cena pública, cada um tenta inocentar-se alegando que cumpre escrupulosamente as suas tarefas. A culpa é sempre do outro. E o outro são todos os que aceitam, convivem e reforçam o descalabro sem protestar, indignar-se ou, pelo menos, sofrer diante de suas dimensões.
O senador José Sarney (PMDB-AP) certamente não conhece o deputado Edmar Moreira, operam em esferas, níveis e ambientes diferenciados. Mas ao ser reconduzido pela terceira vez em 14 anos à presidência da Câmara Alta, Sarney incorpora-se ao mesmo sistema que na Câmara Baixa produz um deputado que aceita o convívio com o crime e a corrupção. Sarney chefia o Legislativo, esta deformação deveria sensibilizá-lo. Não está obrigado a pronunciar-se diante de cada delito cometido por um parlamentar, mas de alguma forma deveria consolar os milhões de concidadãos que esperam dos legisladores um mínimo de dignidade.
Um Legislativo desacreditado, desacredita o Estado, anula sua legitimidade. Aliena para o Executivo e o Judiciário parte de seus compromissos, desequilibra o edifício institucional. A "judicialização" da vida nacional que tanto incomoda o presidente Lula – e ele está certo em reclamar – decorre apenas da lenta e inexorável desmoralização do Legislativo. Quando os candidatos à presidência da Câmara Federal denunciavam o excesso de Medidas Provisórias encaminhadas pelo governo assumiam plenamente o estado calamitoso de um dos sustentáculos do Estado e que, ao longo dos anos, vem abdicando de suas prerrogativas absorvido apenas pela manutenção de privilégios.
A discussão mundial sobre o papel do Estado não se limita ao campo econômico. A crise não é apenas financeira, seus efeitos políticos logo começarão a aparecer. Conflitos sociais – espontâneos ou orquestrados – não tardarão. São inevitáveis, basta examinar o que aconteceu em todo o mundo nos anos 30 do século passado, na véspera da Segunda Guerra Mundial.
A famosa declaração do Rei Sol, Luis XIV, "O Estado Sou eu", pode não ter acontecido, os historiadores ainda discutem sua autoria. Mas a frase completa seria ainda mais preocupante: "Eu sou a Lei, eu sou o Estado, o Estado sou eu".
» Alberto Dines é jornalista
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O Estado somos nós – os três poderes formais, o Ministério Público, a imprensa, seus leitores, a sociedade que se manifesta e vota.
O escandaloso comportamento do novo Severino Cavalcanti, o deputado-corregedor Edmar Moreira (DEM-MG), na inauguração da legislatura, teve o mérito de oferecer uma panorâmica da putrefação do Legislativo. Com apenas algumas frases e um inacreditável currículo exibiu o mau estado do nosso Estado.
No momento em que o mundo celebra o retorno do Estado atuante, rigoroso e responsável nos é oferecida a tomografia de um Estado moralmente arruinado e deficiente. A culpa, evidentemente, não é do governo que apoiou a chapa vitoriosa na Câmara Federal, a oposição também votou nela. A culpa não é do novo presidente da Casa do Povo, jurista Michel Temer (PMDB-SP), que não achou necessário investigar em profundidade a biografia, currículo e folha corrida de um de seus eventuais substitutos (o corregedor é também um dos vice-presidentes da Casa). O castelo medieval de 30 milhões de reais construído por Edmar Moreira sem o conhecimento do fisco e da Justiça Eleitoral não é obra recente. As aberrações que envolvem o deputado federal e seu filho, Leonardo, deputado estadual, estão sendo investigadas desde 2006.
A proposta de acabar com a corregedoria da Câmara e considerar os deputados como anjinhos que sofrem apenas de um vício, o "vício da amizade" não resultou de um escorregão retórico. Edmar Moreira completará em breve seus 70 anos, tem 18 de carreira parlamentar, é um sólido e perfeito exemplo da estupidez, despreparo, cinismo e ganância de um grupo considerável de servidores do Estado brasileiro eleitos para protegê-lo.
Edmar Moreira é mais um caso de geração espontânea. Ninguém é responsável por seu súbito aparecimento na cena pública, cada um tenta inocentar-se alegando que cumpre escrupulosamente as suas tarefas. A culpa é sempre do outro. E o outro são todos os que aceitam, convivem e reforçam o descalabro sem protestar, indignar-se ou, pelo menos, sofrer diante de suas dimensões.
O senador José Sarney (PMDB-AP) certamente não conhece o deputado Edmar Moreira, operam em esferas, níveis e ambientes diferenciados. Mas ao ser reconduzido pela terceira vez em 14 anos à presidência da Câmara Alta, Sarney incorpora-se ao mesmo sistema que na Câmara Baixa produz um deputado que aceita o convívio com o crime e a corrupção. Sarney chefia o Legislativo, esta deformação deveria sensibilizá-lo. Não está obrigado a pronunciar-se diante de cada delito cometido por um parlamentar, mas de alguma forma deveria consolar os milhões de concidadãos que esperam dos legisladores um mínimo de dignidade.
Um Legislativo desacreditado, desacredita o Estado, anula sua legitimidade. Aliena para o Executivo e o Judiciário parte de seus compromissos, desequilibra o edifício institucional. A "judicialização" da vida nacional que tanto incomoda o presidente Lula – e ele está certo em reclamar – decorre apenas da lenta e inexorável desmoralização do Legislativo. Quando os candidatos à presidência da Câmara Federal denunciavam o excesso de Medidas Provisórias encaminhadas pelo governo assumiam plenamente o estado calamitoso de um dos sustentáculos do Estado e que, ao longo dos anos, vem abdicando de suas prerrogativas absorvido apenas pela manutenção de privilégios.
A discussão mundial sobre o papel do Estado não se limita ao campo econômico. A crise não é apenas financeira, seus efeitos políticos logo começarão a aparecer. Conflitos sociais – espontâneos ou orquestrados – não tardarão. São inevitáveis, basta examinar o que aconteceu em todo o mundo nos anos 30 do século passado, na véspera da Segunda Guerra Mundial.
A famosa declaração do Rei Sol, Luis XIV, "O Estado Sou eu", pode não ter acontecido, os historiadores ainda discutem sua autoria. Mas a frase completa seria ainda mais preocupante: "Eu sou a Lei, eu sou o Estado, o Estado sou eu".
» Alberto Dines é jornalista
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