- Valor Econômico
Esquerda e centrão em novo movimento político
A relação entre os poderes é um jogo. E quando um deles precisa desesperadamente do outro, a vitória fica mais difícil. Como todo jogo, há regras, árbitro, que pode ser chamado de maestro, ou um coordenador político que Jair Bolsonaro, presidente eleito, ainda não tem. Lá vem de novo a cantilena da falta de articulação política, de todo começo, meio e fim de governo, mas agora é uma realidade gritante. Está fazendo falta a Bolsonaro um articulador político com o Congresso.
O presidente eleito está fazendo tudo corretamente nos primeiros passos de montagem do seu governo, é o que mostra uma visão panorâmica principalmente dos nomes que tem anunciado para a equipe. Na política, porém, tudo parece enrolado.
O fato mais importante da política, depois de sua própria eleição, será a escolha dos novos presidentes do Senado e da Câmara. O atual do Senado, Eunício Oliveira, não foi reeleito em outubro, e portanto não vai voltar. Os candidatos a substitui-lo ficam à vontade para se apresentar. Na Câmara, o atual presidente Rodrigo Maia é candidato à reeleição para o cargo porque foi reeleito deputado. Suas chances são grandes porque é próximo ao Centrão e também à esquerda, dois polos decisivos nessa equação.
Maia é amigo de Bolsonaro, mas tem sido enredado no palavrório do desorganizado grupo do presidente eleito.
Será um salve-se quem puder se os filhos de Jair Bolsonaro continuarem pontuando cada passo do governo, numa espécie de junta governativa não eleita mas com acesso privilegiado ao eleito. Flávio e Eduardo, parlamentares, poderiam usar sua força para apoiar, com argumentação e convencimento, o articulador político Onyx Lorenzoni, e consolidar uma maioria para seu pai. No entanto, preferem a conversa desconectada.
Por enquanto, o PSL, partido inventado pelo presidente eleito, com seus mais de 50 deputados, está só atrapalhando. Família, amigos, dirigentes partidários, Joice Hasselmann, major Olímpio, fulano e beltrano, todos eles, estão se sentindo, com justa razão, donos do poder, e circulam por gabinetes, por enquanto, articulando para si mesmos. Alguns querem a presidência da Câmara, outros apenas ameaçar Rodrigo Maia com a falta de apoio.
Entre informações e contrainformações, isso daí não deve ir longe. Em algum momento, Jair Bolsonaro nomeará um articulador e um líder do governo, que possam ter mais acesso aos pares que Onyx Lorenzoni ou possam ajudar o futuro chefe da Casa Civil na articulação política, se isso for mesmo ficar na sua alçada.
É essa turma do Bolsonaro, como vem sendo definidos os novos parlamentares do PSL e outros do baixo clero resgatados pelo presidente eleito por gratidão, por tê-lo apoiado na primeira hora, que tem lançado candidatos à presidência da Câmara e do Senado, ignorando as candidaturas já em curso que vão fazendo suas campanhas apesar da pretensa força dos novos eleitos.
Rodrigo Maia é candidato à reeleição para presidente da Câmara, Renan Calheiros é candidato a presidente do Senado. Se não for ele, muito desgastado, quer influir, determinar que pode ser Simone Tebet, Ciro Nogueira, Jader Barbalho ou outro alguém desse grupo. Estão conversando com o Centrão, e a esquerda, dois polos políticos em definição, no momento. Também na Câmara a proximidade do Centrão e da esquerda com Rodrigo Maia já é notória e antiga, mais forte que no Senado. É um movimento para conter a onda dos bolsonaristas, que querem tudo. Um experiente parlamentar define o que está em discussão. "O jogo é o seguinte: a turma do Bolsonaro é muito tosca, imatura, precoce. Não consegue ainda jogar esse jogo no nível que é jogado. Na Câmara, o jogo é mais sofisticado do que aparenta. Deputado não fala um com o outro pela rede social".
De fato, deputado não presta atenção nem em discurso que o colega faz da tribuna. Sua comunicação está sempre voltada para o eleitor, o público. A linguagem do Congresso é outra, e os novatos do PSL, cheios de poder e razão, não conhecem ainda as regras".
Mas não era isso mesmo que as ruas pediam? A resposta, para esse interlocutor, é: "As ruas já fizeram seu papel, escolheram Bolsonaro para presidir o Brasil. As presidências da Câmara e do Senado são outra coisa, as ruas não vão decidir isso".
Será complicado para Bolsonaro ir até o fim governando pela mídia social. Mais difícil ainda fazer um governo de colegiado familiar. Hoje não se sabe de onde virá o desmentido, o esclarecimento, o anúncio ou a crítica, se de Jair, de Flávio, de Carlos, ou sobretudo de Eduardo.
Se Onyx não consegue dar conta da família, como dará de 513 deputados e 81 senadores para articular votações? Nem com toma lá dá cá conseguiria.
O movimento que se percebe na esquerda e no Centrão é uma corrida para o abrigo da Câmara e do Senado. Governadores e parlamentares do PT, do PSB, do PDT, do PCdoB, e parlamentares do bloco, todos os que receiam serem vítimas da política econômica fiscalista e restritiva de Bolsonaro, correm, enfim, para a trincheira parlamentar.
"Qual vai ser o escudo que vai proteger o pessoal da esquerda? A Câmara e o Senado", afirma um observador do novo movimento político.
Se os bolsonaristas insistirem em ter candidato próprio à presidência da Câmara e do Senado, para enfrentar a turma de Maia e de Renan, não terão boa acolhida na chegada. O Centrão e a esquerda estarão unidos em torno dessas opções, segundo estimam os líderes da empreitada.
Considera-se natural essa união centrão-esquerda, que a princípio parece esdrúxula. E não só natural: "É democrática. Dela sairia um candidato do centrão (Rodrigo Maia) com o compromisso de manter o ambiente democrático nas duas Casas", argumenta um dos envolvidos. Isso pressupõe muito diálogo.
A ideia de Bolsonaro de não dialogar com o PT ou a esquerda esses parlamentares acham absurda - "até na guerra do Vietnã havia diálogo". Para esse novo movimento político, os presidentes da Câmara e do Senado da próxima Legislatura, que está sendo organizada agora, não vão ser presidentes contra Jair Bolsonaro, mas também não serão uma Câmara e um Senado contra a esquerda.
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