Valor Econômico
Não há como negar que o notável processo de aprimoramento institucional dos últimos 25 anos no front fiscal
Na pauta econômica, o tema que tem tirado o sono do atual governo está no campo fiscal. Se, por um lado, há a necessidade de recursos para financiar tanto o sistema público já em operação como as políticas públicas que foram promessas de campanha, do outro, o Executivo tem que assegurar um resultado fiscal que não comprometa a saúde financeira das contas públicas. Contudo, na visão de muitos analistas, em virtude dos contextos nacional e internacional, o governo federal está errando a mão ao sancionar gastos públicos excessivos.
Seja como for, é sempre oportuno analisar as
respostas que nossa democracia tem encontrado para superar os obstáculos
enfrentados em suas mais diversas frentes. Quanto ao front fiscal, não há como
negar que, ao longo dos últimos 25 anos, houve um processo de aprimoramento
institucional notável. Para ficar em alguns poucos exemplos, a “arrumação” das
dívidas de Estados e municípios, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a
consolidação do entendimento da importância da atenção ao resultado fiscal
primário e a criação de um colchão de reservas internacionais de quase R$ 400
bilhões foram marcas vistosas. Mais recentemente, em 2016, foi aprovado o teto
de gastos que, através de uma Emenda Constitucional, inseriu em nossa
Constituição-Cidadã uma forte restrição ao aumento dos gastos públicos. Algo
que seria impensável quando da aprovação do texto constitucional em 1988.
Em 2019, foi aprovada uma significativa
reforma da Previdência. Nunca é demais lembrar as dificuldades pelas quais
passaram Rússia, França, Colômbia, entre outros países, para sancionar um
sistema previdenciário fiscalmente menos dispendioso. Já, em 2023, com a
implementação do novo arcabouço fiscal, foi possível fazer uso de maior
artilharia para tornar possível o equilíbrio das contas públicas sem sacrificar
em demasia as demandas sociais. No caso, o aumento da receita pública virou
também arma poderosa nas mãos do governo para tocar a gestão do país,
aliviando, com isso, a pressão sobre as contas públicas. Por fim, o Congresso
caminha para regulamentar reforma estrutural em nosso sistema tributário. Como
se vê, houve mudanças institucionais importantes, permitindo o entendimento de
que o cuidado com a agenda fiscal não tem fugido do radar de nossa classe
dirigente.
Evidentemente, isso não quer dizer que o
equilíbrio fiscal está automaticamente garantido. A propósito, em função dos
estragos causados pela pandemia, muita coisa na macroeconomia global mudou. A
volta da inflação talvez seja a mais evidente. Diante da escalada dos níveis de
preços, as taxas de juros observadas ao redor do globo têm sido
significativamente mais elevadas do que as verificadas no período anterior à
pandemia. Por causa disso, apesar do histórico positivo do Brasil em termos de
mobilização e respostas no campo fiscal, a situação de hoje impõe, entre outras
medidas, uma nova abordagem para a avaliação das contas públicas, em especial,
uma maior atenção ao conceito de déficit nominal, como veremos mais à frente.
Vamos a algumas evidências quanto à
fragilidade fiscal do país. Segundo dado divulgado recentemente pelo Banco
Central do Brasil, o déficit nominal dos últimos 12 meses fechados em abril de
2024 foi de 9,41% do PIB. Não resta dúvidas, é muito elevado. Para ter uma
ideia, esse percentual está próximo ao que vinha sendo observado na recessão de
2015/16.
Tal cenário exigiria um alinhamento entre
Executivo e Legislativo para propiciar ações que levassem a uma melhora efetiva
dos resultados fiscais. No entanto, a relação entre os dois Poderes passa por
um momento conturbado. Enquanto o foco da classe política estiver nas eleições
municipais, dificilmente um diálogo fiscalmente produtivo entrará em pauta. Por
causa do pouco espaço político para criar receitas ou reduzir custos, o governo
estabeleceu através do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2025
uma nova programação fiscal, reduzindo a meta de resultado primário de 2025 e
dos anos subsequentes.
Contudo, como bem coloca meu colega Manoel
Pires ao analisar a PLDO 2025, o esforço de redução dos gastos discricionários
necessário para atingir os resultados primários - 0% (2025), 0,25% do PIB
(2026) e 0,5% do PIB (2027) - já dá a dimensão do problema. O Executivo disporá
de algo como 1,40% do PIB em 2025 e verá esse montante de recursos sendo
diminuído ano após ano até chegar a apenas 0,86% do PIB em 2027. É difícil
imaginar que seja possível tocar a máquina pública com uma redução de cerca de
40% na despesa discricionária, já que, durante a pandemia, período em que
vários serviços do governo diminuíram fortemente seu ritmo, as despesas
discricionárias do Executivo foram de 1,5% do PIB. Assim, parece razoável
admitir que o cenário traçado pela PLDO 2025 é um tanto otimista. De qualquer
forma, embora haja ajustes a serem feitos, é bem possível que algo em linha com
o que está sendo projetado pela PLDO 2025 em termos de resultados primários
seja atingido.
Mas, afinal, resta saber: imaginando que os
resultados primários apontados na PLDO 2025 sejam alcançados, as expectativas
quanto à saúde financeira das contas públicas ficarão “ancoradas”? Creio que
não.
A explicação é simples. A despesa atual com
juros nominais, de cerca de 7% do PIB, é bastante alta. A razão para isso é
que, mesmo com a queda dos juros, a dívida líquida passou, em termos
aproximados, de 30% para 60% do PIB entre a crise de 2015-16 e o período atual.
Em suma, o déficit nominal tem que ser olhado
com enorme atenção. À medida que se queira superar os desacertos fiscais do
momento, é fundamental debater sobre o papel e a importância dos principais
ofensores responsáveis por inflar o déficit nominal. A conta a ser paga é alta
demais para que essas discussões fiquem interditadas. É importante que sigamos
aprimorando nossas instituições por meio de um debate aberto e sem travas.
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