terça-feira, 4 de junho de 2024

Michael Stott - Os desafios diante de Sheinbaum no México são enormes

Financial Times / Valor Econômico

Mexicanos escolheram a promessa da continuidade na cruzada pela justiça social do presidente Andrés Manuel López Obrador

O segredo da vitória esmagadora de Claudia Sheinbaum nas eleições presidenciais do México, no domingo, pode ser resumido em uma palavra: redistribuição.

Os mexicanos mais pobres foram os grandes vencedores no mandato do presidente Andrés Manuel López Obrador, que mais do que duplicou o salário mínimo e expandiu os programas de assistência social, embora a economia mal tenha crescido, em termos per capita, desde a sua posse em 2018.

Os eleitores relevaram os números alarmantes dos crimes violentos e os temores sobre a erosão das instituições democráticas. Preferiram recompensar Sheinbaum, uma aliada próxima do presidente nacionalista de esquerda, pelas promessas de continuar e aprofundar sua cruzada por justiça social em um país com níveis elevados de pobreza e desigualdade.

Depois de 30 anos de livre comércio com os EUA e o Canadá, o norte do México prosperou, mas muito pouco dessa riqueza chegou ao centro e ao sul do país, ou aos grupos de renda mais baixa.

“Isso é um choque de realidade muito importante para muitas pessoas que têm de entender melhor que o México precisa de uma mudança na sua cultura predominante de privilégios”, disse Vanessa Rubio, da London School of Economics e ex-vice-ministra do México. “Muitos setores da população acreditam que saíram perdendo nas últimas décadas, de que ficaram à margem enquanto outros sentiam os benefícios dos resultados econômicos positivos.”

A escala da vitória de Sheinbaum — cerca de 30 pontos porcentuais à frente da adversária mais próxima, Xóchitl Gálvez, de centro direita, segundo os resultados oficiais parciais — lhe dá uma autoridade pessoal poderosa. Também aumenta a probabilidade de que a principal aliança da oposição, composta por três partidos em grande parte desacreditados, se fragmente, já que vê pela frente um longo período de quase nenhuma influência política.

“A coligação da oposição é um fracasso total”, afirma Antonio Ocaranza, diretor da consultoria Oca Reputación. “Seus líderes perderam a legitimidade e os partidos não têm outros nomes de expressão em torno dos quais possam se reconstruir... é mais provável que continuem encolhendo.”

O partido de Sheinbaum, o Morena, e seus dois principais aliados, o PT e o PVEM, também parecem ter garantido uma grande maioria no Congresso e estão no rumo de conquistar a marca dos dois terços do votos necessária para promover mudanças na Constituição. A matemática do Congresso é importante porque López Obrador apresentou 20 propostas de reformas constitucionais que pretende aprovar antes de deixar o cargo, em setembro. Entre elas estão eleições diretas para juízes da Suprema Corte e diretores do instituto eleitoral independente, a eliminação de algumas instituições independentes, aumento anual do salário mínimo de acordo com a inflação e mudanças para fortalecer o sistema previdenciário estatal.

 

“É muito provável que eles avancem rapidamente com as reformas constitucionais, já que Sheinbaum as apoiou na sua campanha”, diz Alejandro Werner, diretor do Georgetown Americas Institute, em Washington. “Os investidores não estão muito preocupados com a deterioração das instituições. Sua avaliação será de que a grande vitória dá a [Sheinbaum] mais instrumentos para governar se a economia piorar, enquanto a contaminação da economia pela deterioração institucional só acontecerá a médio prazo.”

O México tem outros problemas graves. Quase 220 mil pessoas foram assassinadas ou desapareceram durante a Presidência de López Obrador e grupos criminosos ampliaram seu controle pelo país e fatias lucrativas da economia.

O dinheiro será escasso. López Obrador abandonou o compromisso com a disciplina fiscal neste último ano de mandato, com grandes gastos nos seus projetos de infraestrutura e mais recursos nos programas de assistência social. Sheinbaum terá de cobrir um rombo no orçamento de quase 6% do PIB e ao mesmo tempo cumprir as promessas de expandir os gastos com saúde, educação e assistência social. E embora a ex-cientista da área de climatologia prometa impulsionar a energia renovável, ela também deixou claro que o Estado manterá seu controle sobre o setor de energia e seu apoio custoso à Pemex, estatal petrolífera em dificuldades.

A relação complexa e delicada com os EUA será uma grande preocupação, em especial no caso de uma vitória do ex-presidente Donald Trump nas eleições de novembro. Pré-candidato republicano, Trump já prometeu aumentar as tarifas e reprimir a migração ilegal se vencer a disputa.

Sheinbaum chega à Presidência com uma base mais acadêmica e internacional que López Obrador, e com o apoio de um voto popular formidável. Mas os desafios que enfrenta são maiores, o dinheiro é mais escasso e ela tem um antecessor difícil de igualar: Amlo, como López Obrador é conhecido, é sem dúvida o presidente mais popular e bem-sucedido do país desde o líder revolucionário Lázaro Cárdenas, que comandou o México de 1934 a 1940.

Com a parte mais fácil da redistribuição da riqueza já concluída, Sheinbaum terá de se voltar para áreas mais controvertidas, como aumentar impostos para financiar a expansão dos serviços públicos. Ao mesmo tempo, ela precisa tranquilizar os investidores estrangeiros e mostrar que seu dinheiro está seguro em um país que busca mudanças constitucionais radicais, que alguns temem que possam abrir espaço para um governo de partido único como o México teve no passado. Seu mandato promete ser um ato de equilibrismo complicado.

 

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