segunda-feira, 17 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Terceirização pode melhorar gestão escolar em SP

O Globo

Iniciativa do governo paulista não significa ‘privatização’ do ensino e aumentará eficiência administrativa

É acertada a decisão do governo de São Paulo de licitar a prestação de serviços para 33 novas escolas de ensino médio e fundamental II. O sindicato de professores tachou a medida como “privatização” das escolas. Mas evidentemente se trata de um equívoco, já que as atividades de ensino continuarão a cargo do Estado. As empresas privadas apenas construirão as instalações, cuidarão da manutenção e conservação, sem nenhum contato com a área pedagógica das novas unidades.

Os prestadores de serviços assinarão contratos de concessão com duração de 25 anos, período em que certamente os gastos com as escolas serão mais eficientes. A administração privada dessas 33 unidades poderá ter custo mais baixo e obter resultados melhores que nas escolas sob gestão exclusiva da Secretaria de Educação. Outra vantagem é que a concessão, que passa para o setor privado tarefas como limpeza, vigilância, portaria, alimentação ou jardinagem, servirá de parâmetro para o governo avaliar a relação de custo e benefício dos mesmos gastos que realiza nas demais escolas. São apenas 33 estabelecimentos, num estado que tem mais de 5 mil.

A abertura para empresas privadas no ensino básico público também ocorre noutros estados, mas com um modelo distinto e muito mais arriscado. Tanto no Paraná como em Minas Gerais, grupos privados têm assumido escolas e também atuado no campo pedagógico. Desde o ano passado, dois colégios estaduais paranaenses funcionam dentro desse sistema, e a Assembleia Legislativa ainda se pronunciará sobre a extensão do modelo para mais 200. Em Minas, três escolas funcionam sob esse regime desde 2022.

Tais experiências, em contraste com a iniciativa paulista, são mais próximas do sistema americano conhecido como “escolas charter”, em que estabelecimentos de gestão privada são sustentados pelo dinheiro público. A primeira dessas escolas surgiu em Minnesota, em 1992. No segundo semestre de 2021, de acordo com o Centro Nacional de Estatísticas de Educação, aproximadamente 3,7 milhões de estudantes americanos estavam matriculados em 7.800 charters. O resultado desse modelo é ambíguo. Com base num levantamento de centenas de artigos acadêmicos sobre o assunto, um estudo do movimento Todos Pela Educação concluiu que, apesar de exemplos eventuais de sucesso, elas têm impacto muito baixo sobre o aprendizado.

Isso não quer dizer, contudo, que o modelo clássico de gestão de escolas públicas não deva ser rediscutido, nem que a iniciativa privada não possa ter seu papel. Além da experiência de São Paulo, restrita à prestação de serviços, várias outras envolvem organizações privadas ou da sociedade civil atuando junto a governos para ajudar na melhoria da qualidade do ensino, seja pela transmissão de novas ferramentas pedagógicas, seja pelo treinamento de professores. Querer desqualificá-las pespegando-lhes o rótulo de “privatização” — um anátema aos ouvidos da esquerda e dos sindicatos de professores — reflete, na melhor hipótese, apenas a ignorância daqueles que deveriam zelar pela transmissão do conhecimento.

Identificação por câmeras é positiva, mas exige cautela para evitar injustiça

O Globo

Tecnologia ajudou a reduzir em 42% os roubos de rua em Copacabana, mas um terço dos alertas estava errado

O uso de câmeras de reconhecimento facial como ferramenta de segurança tem se revelado um avanço no combate ao crime. A tecnologia, que auxilia na identificação e localização de foragidos, tem sido usada em diversos estados, como demonstram iniciativas em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Contudo, apesar dos inúmeros benefícios, é crucial que seu uso seja acompanhado por critérios rigorosos e ajustes constantes para minimizar erros e evitar injustiças.

No Rio, a implementação de câmeras de reconhecimento facial em grandes eventos, como o Réveillon em Copacabana, resultou, em quase seis meses de uso, na prisão de 185 suspeitos foragidos. O resultado inicial é alentador, mas ainda há um longo caminho para que a eficácia atinja patamares satisfatórios. Um levantamento do projeto Copacabana Presente revelou que, até março, dos 75 alertas gerados pelas câmeras, apenas 12 resultaram em prisões. Isso mostra que parcela significativa ainda é detida por engano.

A integração eficiente entre as instituições de segurança é fundamental para melhorar a precisão dos sistemas de reconhecimento facial. “É importante que exista um banco de dados com informações compartilhadas entre Justiça, Ministério Público, polícias Civil e Militar”, afirma o coronel reformado da PM José Vicente da Silva. “A rivalidade dificulta parcerias, mas o ideal seria um sistema cooperativo de inteligência compartilhada.”

As autoridades devem ser cautelosas e diligentes na atualização dos bancos de dados. No primeiro trimestre, um terço dos alertas emitidos em Copacabana era incorreto, gerando “falsos positivos” que causam constrangimento e injustiça. Para reduzir esses equívocos, o Centro Integrado de Comando e Controle afirma ter recalibrado o sistema e implementado um protocolo de checagem adicional, incluindo a verificação de fotos e a consulta a listas de falsos positivos anteriores.

Há necessidade de atualização constante dos bancos de dados. Erros como os ocorridos em janeiro, quando dois suspeitos foram detidos sem que suas ordens de prisão tivessem sido emitidas, devido à desatualização do sistema da Polícia Civil, demonstram a necessidade de bases de dados mais precisas e atualizadas.

Resultados positivos, como a redução de 42% nos registros de roubo de rua em Copacabana e no Leme de janeiro a abril, evidenciam o potencial da tecnologia quando bem aplicada. Em consequência, o plano é instalar outros 16 pontos de vigilância no bairro, além dos 11 já existentes, para criar um “cinturão de reconhecimento facial”.

Mas é essencial que haja ajustes contínuos para evitar erros e garantir que a ferramenta não perca credibilidade. O sucesso depende do equilíbrio entre inovação e rigor operacional. Apenas com a implementação de protocolos robustos, a integração eficiente entre instituições e a atualização constante dos bancos de dados será possível minimizar as falhas e proteger os cidadãos de injustiças, garantindo que a tecnologia sirva à segurança pública sem comprometer os direitos individuais.

Disputa de EUA com China dissemina o protecionismo

Valor Econômico

O número de medidas discriminatórias adotadas pelos países e que dificultam o comércio disparou a partir de 2020, por causa da pandemia, e segue em nível muito alto

A União Europeia (UE) aplicou tarifa adicionais sobre os veículos elétricos chineses, como resultado da sua investigação sobre subsídios na China. Elas variam entre 17% e 38%, além da já existente de 10% sobre todos os carros desta categoria, e entrará em vigor em 4 de julho. O resultado da investigação concluiu que os veículos elétricos da China são “pesadamente subsidiados”, segundo o comissário para comércio da UE, Valdis Dombrovskis. Em maio, o governo americano impôs sobretaxa de 100% sobre os carros elétricos chineses. Essa é potencialmente a principal e mais simbólica medida protecionista adotada pelo Ocidente, que liderou o processo de liberalização comercial nos anos 90.

É impressionante que o comércio global tenha sofrido uma reversão tão importante em tão pouco tempo. Pouco mais de 30 anos atrás, em abril de 1994, foi assinado o acordo que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC) e que gerou um período de intensa liberalização comercial global. Esse processo ocorreu não apenas no âmbito da OMC, mas também por meio de uma miríade de acordos de livre comércio assinados entre países e blocos comerciais. Até 1990, os EUA tinham apenas um acordo de livre comércio. Desde então, 13 foram assinados. A UE tinha somente dois acordos até 1990. Desde então, assinou outros 36.

A partir de 1995, a OMC se tornou de fato um árbitro das disputas comerciais entre países. Isso foi algo inédito na economia mundial, pois até então o país mais forte geralmente impunha a sua vontade nas disputas, numa espécie de lei da selva.

Esse movimento de liberalização começou a ser questionado nos EUA ainda no governo Obama. Mas foi com Donald Trump que Washington definitivamente desembarcou dessa que era a sua própria agenda. Trump fez do protecionismo comercial um dos pilares de sua política econômica, com os objetivos de reduzir o déficit americano, de reindustrializar o país e de trazer de volta empregos perdidos. Era o “Make America Great Again” (fazer os EUA grandes novamente, em tradução livre), seu slogan de campanha, conhecido pelo acrônimo Maga. Nenhuma dessas metas foi atingida, mas o momento definitivamente mudou.

A ascensão econômica, política e militar da China e a atitude mais assertiva do país sob o presidente Xi Jinping reforçaram a percepção no Ocidente de que o livre comércio estava ajudando a fortalecer um competidor estratégico e uma ameaça à própria segurança ocidental.

A primeira vítima da reversão dessa agenda foi a OMC. Os EUA vêm há anos se recusando a aprovar a indicação de novos membros para os painéis de arbitragem da entidade, o que na prática inviabiliza a sua atuação na resolução de conflitos comerciais. Para Washington, esses painéis acabavam de fato criando jurisprudência em matéria comercial, o que não seria o objetivo inicial. Os americanos acreditam ainda que a OMC fracassou em fazer a China cumprir as regras comerciais.

O protecionismo de Trump, principalmente em relação à China, foi mantido pelo presidente Joe Biden e se tornou um dos poucos temas sobre os quais há um consenso suprapartidário em Washington. Logo no início do seu governo, Biden aprovou pacotes de apoio à economia que contêm grandes subsídios e apoios à produção nos EUA, que poderiam ser questionados na OMC se o sistema de solução de disputas estivesse funcionando. Em campanha eleitoral para as eleições de novembro, Trump ameaça impor sobretaxas a todos os produtos importados pelos EUA e aumentar ainda mais aquelas já impostas à China.

A UE, que vinha resistindo à agenda protecionista e de política industrial dos EUA, já aprovou planos de apoio à produção local (como a Lei dos Chips, do ano passado) e agora impôs sobretaxas aos veículos elétricos chineses, um setor em que a China está à frente dos fabricantes europeus e que Pequim ameaça dominar. Uma reação chinesa às novas tarifas americanas e europeias poderá desencadear uma nova guerra comercial entre o Ocidente e Pequim.

EUA, UE e outros países vêm acusando a China de ter acumulado um excesso de capacidade de produção em vários setores, como resultado de uma política de crescimento baseado no investimento e na exportação. E argumentam que os chineses estão desovando esse excesso de produção nos mercados globais. Nos últimos meses, vários países, inclusive o Brasil, adotaram medidas para limitar a entrada de aço chinês. A China pouco tem feito para responder a essas preocupações dos parceiros.

Segundo a Global Trade Alert (GTA), entidade que monitora mudanças de regras comerciais dos países que afetam o comércio global, a China é de longe o principal alvo de medidas restritivas. Mas não é o único. O número de medidas discriminatórias adotadas pelos países e que dificultam o comércio disparou a partir de 2020, por causa da pandemia, e segue em nível muito alto.

A tendência é bastante clara: os países estão cada vez mais recorrendo a medidas protecionistas, dificultando o comércio, e aqueles que podem adotam ainda medidas de apoio à produção local. É um mundo de comércio cada vez mais controlado, completamente diferente daquele que se imaginava no início deste século.

Plano de saúde precisa de regulação melhor

Folha de S. Paulo

Crise do setor reflete falhas que permitem tanto a rescisão unilateral de contratos quanto altos custos e judicialização

Quando um seguro contra inundações é contratado, não se cogita a possibilidade de que, no meio de uma enchente, a companhia cancele a apólice. Contudo algo similar tem sido feito por planos de saúde.

Empresas rescindiram unilateralmente contratos de usuários considerados custosos —como portadores de transtorno do espectro autista e pacientes oncológicos em tratamento. Espanta também que, em princípio, a legislação autoriza essa procedimento.

saúde privada é um setor em que boa regulação se faz fundamental, dado que as operadoras primeiro recolhem os valores dos clientes e só mais tarde precisam desembolsar os custeios. Isso significa que elas têm enorme incentivo a prometer mundos e fundos para conquistar consumidores e, na hora do sinistro, procurar justificativas para glosar o pagamento.

O Brasil falha nessa seara —como evidencia a atual crise dos planos nos últimos anos, com redução de receitas e da rede credenciada.

Usuários de planos nas modalidades empresarial ou por adesão (a maioria) não têm garantias de que não terão a cobertura cancelada quando mais precisam.

Se, em relação a essa questão, os reguladores se mostraram excessivamente favoráveis às operadoras, em outras as normas extrapolam na proteção dos usuários, dificultando a tarefa de gerir as carteiras com base no cálculo atuarial —que é a essência desse serviço.

Qualquer rede de saúde, pública ou privada, deve ser baseada em análise racional de custos e benefícios com base em evidências.

Se há dois tratamentos para uma doença que apresentam resultados similares, mas com substanciais diferenças de preço, a opção deve ser pelo mais em conta.

É assim que funcionam os melhores sistemas do mundo, como o britânico. Lá, os tratamentos custeados estão claramente definidos e só muito excepcionalmente algo que não conste da lista oficial acaba tendo cobertura. Sem isso, deixa-se de operar com riscos, que são calculáveis, para trabalhar com incertezas, que não são.

No Brasil, tentou-se fazer algo similar com o chamado rol taxativo de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas, tão logo a Justiça reconheceu a validade desse instrumento, o Congresso aprovou lei que o tornou meramente indicativo.

Qualquer usuário que queira um tratamento alternativo, mesmo sem base científica ou que tenha custo excessivo, tem grande chance de obtê-lo, ainda que por via judicial, onerando os demais.

Sem regulação equilibrada, que proteja o consumidor mas permita uma gestão racional por parte das operadoras, nenhum sistema de saúde para em pé.

Lixo protelado

Folha de S. Paulo

Já passa da hora de o Brasil implantar políticas para tratamento de resíduos

O poder público brasileiro, nas três esferas de governo, não pode mais protelar políticas para o tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU), o que conhecemos por como lixo. O problema, abordado em série de reportagens da Folha, gera impactos tanto no meio ambiente e na saúde como na economia.

O país produz por ano cerca de 80 milhões de toneladas de RSU —o que enche quase 2.000 estádios do Maracanã— e projeções apontam alta de mais de 50% até 2050.

Atualmente, cerca de 40% do lixo produzido tem destinação final inadequada, como terrenos sem proteção, córregos, rios e mares.

Grande parte vai para o chamado lixão, que opera sem licença ambiental e sem os custos dos aterros sanitários. Estes protegem o solo de contaminações e têm potencial para recuperar o metano emitido pelos RSU para a produção de biogás e de energia elétrica —modelo de recuperação energética de resíduos que ainda engatinha no país.

Desde 2014, o Brasil empurra o prazo para eliminar os lixões. Dez anos depois, ainda restam mais de 1.500 deles, inclusive em áreas de proteção ambiental. O novo limite estipulado para a extinção da anomalia, agosto deste 2024, também não será cumprido.

Ademais, apenas 4% dos resíduos recicláveis são reciclados. A média global é de 19%, e em países da Europa Ocidental, Austrália e Coreia do Sul chega a mais de 50%.

Nestes, as indústrias que colocam no mercado produtos que geram resíduos são as responsáveis por recuperá-los para seu reaproveitamento em ciclos produtivos, por meio de reuso ou reciclagem.

A prática, chamada de logística reversa, é lei no Brasil desde 2010, quando foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Hoje, funciona para produtos como pneus e embalagens de agrotóxicos, mas ainda patina para materiais mais comuns, como papel, plástico, vidro e metais.

Se o tratamento dos resíduos é fundamental para a proteção do meio ambiente e da saúde pública, também gera oportunidades para o desenvolvimento de novos materiais, produtos e negócios sustentáveis capazes gerar desenvolvimento, trabalho e renda.

Quando petistas brigam, é o Brasil que apanha

O Estado de S. Paulo

Ao mais uma vez sabotar a política econômica, trabalhando para minar a credibilidade de Haddad, lideranças do PT atentam contra um herdeiro político de Lula e contra o País

Parece infinita a disposição do PT para sabotar os próprios governos que conquista e lidera – e o calvário enfrentado há meses pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é prova inconteste dessa vocação. Não é de hoje o confronto aberto entre morubixabas petistas e quem defende uma política econômica séria e fiscalmente responsável. Chama a atenção, no entanto, que não apenas se dediquem a tentar arruinar o arcabouço fiscal e o que resta da frágil credibilidade do governo, como também trabalhem para desmontar em praça pública uma liderança do partido. Haddad é considerado o principal herdeiro político do presidente Lula da Silva e o candidato de maior potencial para quando chegar o momento da aposentadoria do chefe. Abalos definitivos na sua atuação na Fazenda comprometem o governo, o presidente e o próprio partido, mas os algozes petistas de Haddad não parecem se importar com isso, muito menos com a estabilidade do governo e do Brasil. Ao contrário: talvez esteja nesse peso político do ministro, e não apenas nas divergências econômicas, a natureza dos ataques dirigidos a ele.

O PT foi forjado numa imensa variedade de tendências e correntes internas. Do grupo majoritário, a CNB (Construindo um novo Brasil), de Lula e José Dirceu, a muitas outras, como Resistência Socialista, Democracia Socialista, Articulação de Esquerda e algumas dúzias mais, há um cipoal de interesses, visões e disputas que costumam orgulhar as lideranças do partido – uma democracia interna louvável, embora grande parte acabe adotando silêncio obsequioso quando convém a Lula e ao comissariado. A história é diferente quando se trata da economia. Sob inspiração da própria ambiguidade presidencial, não só os desejáveis debates públicos se tornam mais intensos, como algumas das principais vozes do partido não hesitam em trabalhar contra. Contra o ministro de ocasião, contra o governo, contra o Brasil.

Nunca será demais lembrar os ataques sofridos por Joaquim Levy – que aceitara o desafio de ser ministro da Fazenda de Dilma Rousseff – e seus efeitos para a instabilidade política posterior. Pouco depois de eleita numa campanha polarizada ideologicamente, em que acusou os adversários Marina Silva e Aécio Neves de planejarem um ajuste duro, Dilma escalou Levy – reconhecido fiscalista, a ponto de receber o apelido “mãos de tesoura” quando dirigiu o Tesouro Nacional, durante o primeiro mandato de Lula – para, ela sim, implementar medidas de austeridade fiscal. A guinada entre a campanha e o segundo mandato foi oficializada, mas o PT trabalhou dia e noite no Congresso e na opinião pública para implodir os planos do ministro e deu no que deu: a deterioração fiscal foi crescente até provocar desequilíbrio macroeconômico e perda contínua de apoios, culminando com a crise política e o impeachment de 2016. A lição pareceu insuficiente, porque o PT fez o que costuma fazer: pôs o fracasso na conta de forças externas.

Se Joaquim Levy era um forasteiro, um corpo estranho nas entranhas do poder petista, Haddad é um quadro potencial num partido cujas lideranças envelheceram – no tempo e nas ideias. Atribui-se à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, a liderança das investidas contra Haddad. Uma resolução da sigla chegou a classificar de “austericídio fiscal” a meta de déficit zero. Uma grita de tal monta que o ex-ministro José Dirceu definiu como “quase covardia” integrantes do PT não apoiarem as propostas de Haddad. De Gleisi se desconhece formação em matéria econômica. De Rui nota-se a dificuldade de construir e articular um plano crível de governo. De ambos sabe-se que não fariam o que fazem sem a anuência do presidente, pródigo na arte de estimular a emissão de sinais variados, de modo a garantir a ele o papel de árbitro. No passado, era Lula também que deixava lideranças petistas atacarem duramente outro ministro da Fazenda, o também petista Antônio Palocci – assim como Haddad, também citado à época como possível sucessor do presidente.

As cizânias petistas seriam irrelevantes, divertidas até, caso se restringissem ao partido. O problema é quando suas altercações atingem o nervo central do País: a economia. E o Brasil paga a conta.

Universidades precisam se abrir ao mundo

O Estado de S. Paulo

Numa economia do conhecimento globalizada, o País precisa de universidades de excelência e há instituições que podem cumprir esse papel, caso invistam em internacionalização

A Universidade de São Paulo (USP) deixou de ser a melhor da América Latina e passou para o segundo lugar no ranking da Quacquarelli Symonds (QS). Não é um problema grave. A USP segue entre as 100 melhores e rankings tem suas idiossincrasias e oscilações. No ano que vem ela pode voltar ao topo, e as manchetes passarão de apreensivas a laudatórias.

O que importa é utilizar essa foto do momento para avaliar a trajetória. Nos últimos 20 anos a USP subiu muitas posições e segue sendo a universidade brasileira mais bem posicionada para atingir o status de “classe mundial”. Ela tem a responsabilidade de puxar a fila e mostrar o caminho das pedras para outras universidades que também têm essa vocação, como a Unicamp (232.ª no ranking), UFRJ (304.ª) ou Unesp (489.ª). É justo prestigiar as conquistas da USP, mas ela ainda está aquém de seu potencial e precisa fazer a lição de casa.

Em depoimento ao Estadão, o diretor regional da América Latina da QS, Elson Freire, enfatizou dois caminhos para a USP melhorar sua colocação: internacionalização e sustentabilidade.

No segundo caso, a USP e o ecossistema universitário nacional já estão comparativamente bem posicionados. Mas, dadas as condições naturais e vantagens comparativas do Brasil na área ambiental, a avaliação é que as universidades podem ter um papel muito mais inovador e transformador.

Há outros déficits que Freire não chegou a apontar, mas que têm sido citados por especialistas em ensino superior. A burocracia excessiva, nos moldes das repartições públicas, engessa o orçamento e a flexibilidade para compra de equipamentos, gastos com pesquisa, contratação de professores e inovações nos departamentos e currículos. Acomodadas aos recursos públicos, as universidades públicas exploram pouco as fontes alternativas de financiamento e parcerias público-privadas, sem as quais nenhuma universidade atinge excelência. No topo do ranking a equação é inversa: as universidades de primeira classe também dependem de recursos públicos para pesquisa, mas, em geral, são privadas, e investem em toda forma de captação de recursos privados para robustecer seu capital.

Há uma vulnerabilidade estrutural que não pode ser totalmente sanada, mas pode ao menos ser mitigada, que é o gigantismo da USP e outras universidades públicas. Instituições no topo dos rankings são de tamanho médio para pequeno, com menos de 20 mil alunos. A USP tem quase 100 mil, e, como outras universidades públicas, administra de museus a hospitais, agravando dificuldades administrativas e orçamentárias crônicas.

Há ainda uma questão cultural. Na última geração as políticas para o ensino superior focaram quase que obsessivamente na expansão e na inclusão social, e negligenciaram a busca por excelência, a valorização do mérito e a diversidade acadêmica.

Todas essas disfuncionalidades agravam transversalmente aquele que é talvez o maior déficit das universidades brasileiras: o baixo grau de internacionalização. É quase uma tautologia: universidades que ambicionam o status de classe internacional precisam incentivar o intercâmbio internacional e a diversidade de alunos e docentes. Conscientes dos desafios de uma economia do conhecimento globalizada, países já desenvolvidos, como Alemanha ou Suécia, ou em desenvolvimento, como Coreia do Sul ou China, têm investido fortemente em internacionalização, com resultados expressivos nos rankings.

Um fator de alavancagem decisivo seria consagrar o inglês como segunda língua e idioma corrente em cursos e publicações. O engessamento administrativo e orçamentário é um empecilho ao recrutamento de professores estrangeiros a preços competitivos.

O Brasil é uma potência regional, é a segunda maior democracia no hemisfério ocidental e tem uma economia relativamente diversificada entre as 10 maiores do mundo. Um país assim não pode prescindir de universidades de classe mundial para navegar no novo mundo do século 21. À frente de um punhado de outras universidades públicas, a USP está no bom caminho, mas precisa fazer a lição de casa e acelerar o passo.

A rede hoteleira do crime

O Estado de S. Paulo

Ação da Polícia Civil empareda PCC na Cracolândia com inteligência, não pirotecnia

A Polícia Civil deflagrou uma operação no centro de São Paulo para desbaratar uma rede de hotéis do Primeiro Comando da Capital (PCC) usada como base do tráfico. A investigação revelou que, a partir dessa estrutura, o fluxo de usuários da Cracolândia passou a perambular atrás de droga – triste cena repetida à exaustão no coração da maior metrópole do País. O ardil da facção impressionou, e só foi possível interrompê-lo porque o trabalho da polícia não foi ancorado em violência, mas em inteligência.

A investigação mostrou que uma operação da Prefeitura, em 2021, para lacrar com tijolos antigas hospedarias na área em que o fluxo se concentrava havia dez anos, disparou o gatilho para a dispersão de bandidos e usuários. A partir do ano seguinte, o PCC encontrou uma solução para contornar o cerco das autoridades.

Os criminosos começaram a comprar imóveis na região para firmar a logística do tráfico. Esses estabelecimentos serviram também de esconderijo de bandidos e sedes de “tribunais do crime”, onde eram impostas “penas” de internação compulsória a usuários considerados “infratores” ou de morte, o que é estarrecedor.

Com a compra de imóveis abaixo do valor venal e, inclusive, com ameaças a proprietários, os bandidos deixaram um rastro de degradação – o que, por óbvio, tem impacto na valorização do entorno. Segundo a apuração, o PCC adquiriu 78 hotéis e hospedarias, espraiando o fluxo para as proximidades das Praças Marechal Deodoro e Princesa Isabel, dos Largos do Arouche e Paiçandu, além das Avenidas São João e Duque de Caxias.

Lojistas e moradores, como se sabe, viraram alvo da violência, vivendo sob o signo do medo e de prejuízos. Em demonstração da força do crime e da fraqueza do poder público, comerciantes baixaram as portas.

Agora, a Polícia Civil seguiu, corretamente, por uma nova trilha, após ações tão espalhafatosas quanto insuficientes. Em paciente investigação, os agentes mapearam o trajeto do fluxo no centro histórico e localizaram imóveis que davam suporte ao tráfico – a verdadeira raiz do problema que se espalhou pela região.

Os policiais identificaram, então, operações de compra e venda de imóveis em nome de porteiros, ajudantes gerais e até de usuários de droga. A avaliação de movimentações bancárias dos suspeitos, com base em análises do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ajudou os investigadores a entenderem a estrutura dos negócios do PCC e a hierarquia do bando.

De posse de informações bem organizadas, a Justiça deu a ordem para fechar 26 hospedarias clandestinas, expediu 124 mandados de busca e apreensão e determinou o bloqueio de dinheiro em 28 contas bancárias. É isso que tem potencial para sufocar o PCC. Com o esquema desvendado, a Polícia Civil e a Guarda Civil Municipal, com 600 agentes, foram às ruas, em um claro sinal de cooperação.

A Operação Downtown levou à prisão 15 suspeitos e apreendeu celulares, dinheiro, crack, skank e cocaína. Sem confronto, bombas ou pânico, uma importante batalha contra o PCC foi vencida, mas a guerra está longe de terminar, razão pela qual será necessário ampliar a coordenação dos esforços policiais e investir em inteligência.

Crianças e adolescentes da era digital

Correio Braziliense

A geração conectada precisa lidar com as mudanças nas relações, desenvolver consciência do tempo de uso das telas e, especialmente, aprender a avaliar o uso ético das tecnologias

Presente na vida das pessoas como produto de primeira necessidade, a tecnologia se desdobra em uma diversidade de itens e ocupa posições variadas nas atividades do cotidiano. Independentemente da faixa etária, a dependência e o uso aumentam em ritmo acelerado, acompanhando a velocidade das inovações. A geração Alpha, considerada a primeira 100% nativa digital, está totalmente mergulhada nos aspectos positivos e negativos da alta exposição a esses recursos.

Com pessoas nascidas a partir de 2010, essa parcela da população percebe e conhece o mundo por meio das telas. São crianças e adolescentes que, extremamente estimulados, têm à disposição um universo de possibilidades. Ao mesmo tempo, estão expostos aos efeitos e riscos que os múltiplos contatos virtuais apresentam.

Na educação, a tecnologia vem auxiliando os processos de ensino e de aprendizagem desses estudantes. O acesso rápido à informação, a facilidade de se "aproximar" de outras culturas e a utilização em atividades pedagógicas beneficiam os alunos. Mas eles também ficam mais distanciados das interações com outras pessoas, o que pode comprometer o desenvolvimento emocional. O contato desde cedo com o mundo virtual vem afastando as experiências reais, como as frustrações.

Para a geração conectada, os desafios são diferentes das que vieram antes e precisaram se adaptar. Inserida no digital, a classe Alpha precisa lidar com as mudanças nas relações, desenvolver consciência do tempo de uso das telas e, especialmente, aprender a avaliar a aplicação ética das tecnologias. Além disso, encontrar equilíbrio entre o avanço tecnológico e a preservação dos recursos naturais é uma questão crucial que ronda essas crianças e adolescentes.

A proteção e a garantia da privacidade são outros pontos relevantes. Com agilidade para encontrar soluções nas redes, esse público vira alvo de perigo na mesma velocidade. Modelos mais seguros de navegação e de controle por parte dos adultos são fundamentais para assegurar a segurança dos menores. Nesse pacote de medidas, é preciso aprimorar sempre os limites da publicidade que pode atingir esse público via plataformas virtuais, já que nessa idade a deficiência de julgamento e a falta de experiência são fatos.

Os responsáveis parentais da geração Alpha precisam estar preparados para enfrentar as consequências da alta conectividade e da Inteligência Artificial (IA), principalmente os efeitos físicos, emocionais, psicológicos e morais.

Um maior comprometimento das empresas do setor, por sua vez, deve ser avaliado. O investimento em meios para deixar o ambiente virtual apropriado para essa faixa etária é um tema que entra nesse debate. Aprofundar a discussão, definindo obrigações, é uma atitude que a sociedade precisa ter.

A transição de gerações em ritmo cada vez mais rápido, resultado da era da internet, exige pensamento crítico. Hoje, é essencial educar para o consumo em tempo digital, explicando aos jovens que as ferramentas tecnológicas não são neutras e podem conter armadilhas. A atuação legislativa também é parte importante desse processo de atenção ao alcance da web na vida de crianças e adolescentes.

As conexões são amplas e profundas - analisar o impacto que podem provocar é um dever a ser cumprido globalmente. Apesar de os recortes geracionais não serem exatos, os nascidos recentemente estão ligados ao virtual e a sociedade precisa estabelecer o ambiente adequado a essa realidade.

 

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