O Globo
Decisões baseadas apenas na intuição ou em ideologias são perigosas pelo alto risco de ineficácia e por prováveis consequências negativas
O que queremos dizer quando falamos em tomada de decisão baseada em evidências? Com frequência, nada, ou quase nada. O argumento de que políticas públicas precisam ser baseadas nelas é quase consensual, mas torna-se complexo quando questionamos o que cada um entende por evidências, como identificamos as mais robustas e adequadas, ou de que forma devem ser incorporadas nas ações governamentais. E há também o desafio, ainda maior em sociedades democráticas e plurais, de convencer políticos e a população — que possuem visões de mundo distintas e, não raro, opostas — de que determinado caminho é o melhor e mais viável.
A expressão “políticas baseadas em
evidências” por vezes é equivocadamente compreendida como o predomínio da
técnica sobre a política. Como se fosse possível, em temas complexos, recorrer
à ciência para resolver conflitos e tomar, com plena certeza, a melhor decisão
— o que significaria, diga-se, a não tomada decisões, porque o melhor caminho
já seria “objetivamente” conhecido. Reconhecer essas limitações, porém, não
significa que devemos ignorá-las. Decisões baseadas apenas na intuição ou em
ideologias são perigosas pelo alto risco de ineficácia e por prováveis
consequências negativas. O desafio das democracias modernas, portanto, é a
busca de equilíbrio entre as melhores evidências disponíveis e a sensibilidade
política.
Vale dizer que as evidências não se resumem
apenas aos conhecimentos organizados pela comunidade científica. Elas podem
considerar saberes populares, a prática dos operadores da política pública e as
perspectivas da população por ela afetada, conforme o recente estudo Governança e Cultura do Uso de Evidências no Brasil, do Ipea.
Com frequência, ouvimos de grupos opostos que
seus argumentos são baseados em evidência. A banalização da expressão exige da
sociedade — especialmente dos formuladores de políticas e formadores de opinião
— ampliação da capacidade analítica sobre a robustez e a relevância das
evidências apresentadas. Isso exige pensamento crítico, métodos investigativos
e mais abertura ao contraditório, algo raro em tempos polarizados. Mesmo
recorrendo ao conhecimento científico, é possível chegar a conclusões enviesadas
se selecionarmos — de forma intencional ou involuntária — apenas o que confirma
nossos pontos de vista prévios. A ciência, aliás, já abandonou a ilusão
iluminista do “conhecimento absoluto”. O desconhecido pode ser metafísico ou
impossibilidade cognitiva, mas seguirá existindo.
Mesmo quando confiantes do uso da melhor
ciência possível durante a ideação de políticas, é fundamental seu
monitoramento constante, afinal, a diversidade de contextos, a qualidade da
implementação e limitações ao conhecimento objetivo da realidade podem produzir
resultados diversos ou distintos do planejado, especialmente quando se trata de
intervenções sobre situações multideterminadas em sistemas de interações
complexas. Esse exercício de humildade combinado à disciplina investigativa
permite corrigir rotas e readequar rumos.
É preciso também produzir entendimento e
engajamento amplo. Basta lembrar que a comunidade científica há pelo menos três
décadas alerta para as consequências do aquecimento global. Argumentos
técnicos, por mais sólidos, nem sempre são suficientes para fazer com que a
política se mova na direção e tempo adequados, mesmo quando se referem a riscos
existenciais à população.
Soa contraditório que a dificuldade no uso de
evidências em políticas públicas ocorra numa era de abundância em dados para
embasar o conhecimento científico. Mas, nos tempos atuais, o nível de incerteza
se ampliou e sua natureza se diversificou. Até processos que considerávamos
sólidos — como a consolidação das democracias liberais no ocidente — são
colocados à prova pelo crescimento do populismo autoritário, que tem como uma
das estratégias justamente a negação da política e da ciência.
Neste cenário, não falta quem se aproveite de
expectativas frustradas e ressentimentos acumulados para oferecer soluções
simples e equivocadas — mas, ainda assim, entendidas como soluções. O campo
democrático precisa apresentar respostas para as legítimas aspirações da
população. Soluções complexas para problemas complexos, mas, acima de tudo,
soluções. Só questionamentos não apaziguarão ou engajarão a população. Elas
precisam ser baseadas nas melhores evidências disponíveis, institucionalizando
uma cultura de produção e de seu uso em políticas públicas, e reconhecendo, por
fim, que o campo de disputa não é apenas o racional, mas, também, o emocional e
afetivo.
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