Punição a motim no Congresso deve ser ágil e rigorosa
O Globo
Atos do corregedor e histórico sugerem
sanções brandas aos amotinados. Parlamento sairia desmoralizado
Diante do espetáculo deprimente de atropelo
das normas regimentais protagonizado por parlamentares durante o motim de 30
horas no Congresso na semana passada, é de esperar que a Casa reaja com
presteza e rigor. Até para que os acontecimentos não se repitam. Mas, a julgar
pelos primeiros movimentos da Corregedoria, que analisará o comportamento de 14
deputados acusados de envolvimento no episódio, a celeridade ficará para
depois.
O corregedor parlamentar, deputado Diego Coronel (PSD-BA), decidiu adotar um rito longo, com prazo de 50 dias úteis. Inicialmente, a previsão era de 48 horas, como estabelecido em ato da Mesa Diretora assinado em maio pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Coronel se baseou noutro ato, de 2009, que concede prazo maior. Afirmou que cada uma das 14 representações será analisada de forma individual, descartando sanções coletivas. As punições previstas vão de simples advertência a suspensão do mandato por até seis meses.
Não há mistério que demande grandes
investigações. Todo mundo viu o que aconteceu. Alegando insatisfação com a
prisão domiciliar do ex-presidente Jair
Bolsonaro, oposicionistas tomaram a Mesa Diretora e obstruíram os
trabalhos na Câmara. O protesto se estendeu ao Senado. Os deputados chegaram a
impedir que Motta ocupasse sua cadeira. Não bastasse esse absurdo, chantagearam
o Parlamento, impondo, como condição para a desocupação, a votação de projetos
sem cabimento: mudanças no próprio foro de julgamento (com a intenção de
escapar de inquéritos no Supremo Tribunal Federal), a PEC da Blindagem (que
restringe a investigação de parlamentares) e a anistia aos envolvidos no 8 de
Janeiro. O motim só foi encerrado depois de acordo costurado pelo ex-presidente
da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Motta, que diz não ter avalizado a
negociação, mostrou desconforto com o acordo e defendeu “punições pedagógicas”
aos envolvidos. “O que aconteceu foi muito grave”, disse. “Não se pode permitir
que um grupo de parlamentares ocupe fisicamente o plenário com o intuito de
impedir o andamento dos trabalhos.” Ele está certo. Depois de reunião de
emergência da Mesa Diretora, encaminhou à Corregedoria 14 representações. O
grupo acusado de quebra de decoro reúne deputados de PL, Novo e PP.
O histórico da Câmara infelizmente sugere que
as punições serão brandas. Desde 2001, quando foi criado, o Conselho de Ética
recebeu 234 representações contra deputados. A grande maioria (203) acabou
arquivada. Oito resultaram em cassação pelo plenário e cinco na suspensão
temporária. Outros casos foram punidos com censura verbal ou por escrito.
É óbvio que os acusados pelo motim têm todo o
direito de se defender pelo rito previsto no regimento. Mas é preciso
celeridade. Levar meses para analisar o caso e aplicar punições brandas, além
de beneficiar os baderneiros, desmoralizará a própria Casa. Para 78% da
população, os parlamentares priorizam os próprios interesses, e não os da
população, segundo o Datafolha. Eles deveriam levar isso em conta. Além dos
danos à imagem, se não houver rigor, qualquer um se sentirá no direito de
sequestrar o plenário para impor à sociedade suas pautas radicais. Numa
democracia, a política deve ser praticada por meio de diálogo transparente, não
de chantagem ou da força.
Brasil decepciona na tarefa crítica de
oferecer creches a quem precisa
O Globo
De cada dez crianças, duas ficam fora da
educação infantil por não achar creche — ou 29% das mais pobres
O acesso a creches no Brasil tem crescido em
ritmo abaixo do aceitável. Com apenas 41% das crianças de até 3 anos atendidas,
a meta de 50% ainda está distante. De cada dez, duas ficam fora da educação infantil
por não encontrar creche (ao todo, 2,2 milhões). Desgraçadamente, as mais
afetadas são as que mais precisam de atenção. Entre as mais pobres, 29% não
acham creche.
Como mostra análise da ONG Todos pela
Educação, elaborada a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (Pnad-C) e do Censo Escolar, as regiões Norte e Nordeste
exibem os indicadores mais críticos. No Amapá, o pior colocado, apenas 10% das
crianças são atendidas. No Amazonas e no Acre, a parcela não chega a 20%. Em
Pernambuco, 32,5%. São Paulo e Santa Catarina são os estados com maiores taxas
de atendimento, mas nenhum passa de 60%.
As capitais do Nordeste com as maiores taxas
de atendimento a crianças de zero a 3 anos são Fortaleza e Recife. Porém
nenhuma das duas está acima da média. Entre 2019 e 2024, Macapá ampliou as
matrículas em 63%, mas continua ocupando a última colocação em cobertura entre
as capitais. Para sair dessa situação vexatória, precisará acelerar ainda mais
a construção de creches. O mesmo vale para todas as capitais com atendimento
abaixo de 30%: Goiânia, Boa Vista, Belém, Rio Branco, Porto Velho e Manaus.
Embora ocupe o primeiro lugar em taxa de atendimento, São Paulo, em termos
absolutos, tem déficit de 211 mil vagas, o terceiro maior do país, atrás apenas
de Minas Gerais (247 mil) e Bahia (220,5 mil).
Passou da hora de governadores e prefeitos
ampliarem a oferta desse serviço. As creches são uma política contra a
desigualdade. Nos primeiros anos de vida, o cuidado e os estímulos adequados
são fundamentais para desenvolver a memória e a execução de tarefas. Famílias
de todas as faixas de renda que preferem deixar os filhos pequenos em casa, mas
lhes dão atenção, não são o problema. O drama está em todas as que não
conseguem, buscam creches e não encontram. Em favelas de grandes metrópoles, as
cuidadoras informais são onipresentes. Recebem inúmeras crianças em suas casas
e as deixam boa parte do tempo brincando, diante da TV ou eletrônicos. Longe da
educação infantil, essas crianças começam a vida em desvantagem.
Creches também favorecem o equilíbrio entre os gêneros. Em 2023, a americana Claudia Goldin ganhou o Nobel de Economia por seu trabalho a respeito do desempenho profissional feminino. Nas suas investigações, ressaltou a diferença de rendimentos entre homens e mulheres depois do nascimento dos filhos. Por questões culturais, as mães sobrecarregadas com o cuidado dos bebês demoram a voltar a trabalhar. As creches aumentam a participação feminina no mercado de trabalho e elevam a renda das famílias. Não faltam, portanto, motivos para governos municipais e estaduais as encararem como prioridade.
Recuo da inflação é lento e exige apoio da
política fiscal
Valor Econômico
O cenário externo pode reservar surpresas
desagradáveis, mas até agora os efeitos das sanções de Trump não têm
consequências decisivas sobre a economia brasileira
As expectativas de inflação domésticas até
melhoraram um pouco depois do tarifaço decretado pelo presidente Donald Trump.
A balbúrdia no mercado externo, provocada pelo protecionismo americano, pode
ter auxiliado em alguma medida a colocar um limite para o aquecimento da
economia brasileira, diminuindo o impulso exportador e importador.
Uma das consequências da guerra tarifária de
Trump até agora é a desvalorização do dólar, que contribuiu para diminuir a
inflação brasileira e pode continuar exercendo esse papel por alguns meses
adiante. O IPCA de julho registrou alta de 0,26%, abaixo do 0,31% esperado
pelos analistas. Os núcleos de inflação, que expurgam itens que variam muito,
como energia e alimentos, recuaram de 5,23% para 5,06% nos 12 meses encerrados
em julho, segundo os dados da MCM Consultoria. No entanto, os serviços
continuam empurrando o índice para cima e, em 12 meses, subiram de 6,68% para
6,83% de junho para julho.
A alimentação, que vinha puxando o IPCA para
cima, está em deflação há dois meses, com queda maior no mês passado que no
anterior (-0,27% ante -0,18%). Há alguma expectativa de que o bloqueio
tarifário de Trump, que atingiu as carnes, propicie um desvio para o mercado
doméstico daquilo que não mais será exportado. Poderá haver então algum efeito
deflacionário.
Na alimentação no domicílio, houve queda de
0,69% em julho, superior à de junho, de -0,43%. No subgrupo de alimentação,
onde quase todos os itens apresentaram queda de preços no mês passado, apenas
dois deles tiveram aumento, carnes e peixes (0,43%), exatamente os produtos que
receberam tarifas de importação de 50% nos Estados Unidos e que perderam
competitividade no mercado americano.
A alta de preços está menos espalhada pela
economia, tendo recuado nos últimos meses. Em julho, a difusão foi de 49,6%,
abaixo dos 52,5% de junho - foi o menor índice de itens com inflação em um ano.
Entre as categorias, os preços dos bens industriais, como apontou a ata do
Comitê de Política Monetária da última reunião, arrefeceram: caíram 0,06%, a
menor variação desde março de 2024, segundo os dados da MCM, um efeito direto
da valorização cambial.
Os preços dos bens monitorados e dos
serviços, no entanto, continuam desafiando a política monetária. As tarifas de
energia elétrica subiram mais de 3% em julho, avançando no ano 10,18% e em 12
meses, 7,27%. No conjunto dos preços monitorados, no entanto, houve algum
alívio. Os preços recuaram de 5,15% para 4,73% nos 12 meses até julho. Já os
serviços continuam fora de esquadro.
Os serviços subjacentes, os mais sensíveis à
evolução da demanda, subiram 0,49% em julho, acima do 0,43% do mês anterior. A
alta em 12 meses encerrados em julho acumula 6,68%, um nível que, como o Comitê
de Política Monetária tem assinalado em todas suas atas, é incompatível com a
consecução da meta de inflação de 3%.
Houve uma melhora no panorama inflacionário,
embora os efeitos do aperto monetário extraordinário aplicado, com taxa de juro
real perto dos 10%, ainda não tenham sido plenamente sentidos na economia. Dos
grandes grupos que compõem o IPCA, apenas dois, artigos de residência (2,26%) e
comunicação (1,8%), se situam abaixo da meta de 3% em 12 meses. Os principais
grupos, porém, ainda estão longe disso. Alimentação, com peso maior no índice e
grande influência no humor político do país, ainda subiu desconfortáveis 7,44%,
seguido de perto por despesas pessoais (6%) e educação (6,15%). Saúde e
habitação, com 5,4%, também continuam distantes dos 3% da meta do BC.
O IPCA deixou de acelerar, mas ainda
apresenta uma morosidade exasperante de queda, que sanciona a maior taxa de
juros em quase 20 anos, com uma carga real próxima a 10%. É preciso que a
economia esfrie significativamente para que ele se aproxime da meta, algo que o
Fundo Monetário Internacional estima que só vá ocorrer ao fim de 2027,
expectativa não distante do Banco Central em seu cenário de referência (3,4% no
primeiro trimestre daquele ano, o horizonte atual de referência da autoridade
monetária).
A economia vai desacelerar aos poucos, não
com a velocidade que seria de se esperar com a dose atual de juros. Os
incentivos fiscais diretos e indiretos do governo vão no sentido contrário ao
aperto monetário, enfraquecendo-o. É possível que os preços caminhem em direção
à meta, mas a dinâmica atual continua muito ruim.
O IPCA a curto prazo oscilará, se tudo der certo, entre 4,5% e 5% (boletim Focus), com juros reais ainda bem altos. O cenário externo pode reservar surpresas desagradáveis, mas até agora os efeitos das sanções de Trump não têm consequências decisivas sobre a economia brasileira. As contas públicas, no entanto, pagarão um preço alto, não pelas sanções americanas, mas por problemas domésticos pre-existentes: a carga de juros pagos pelo Estado se aproximará de R$ 1 trilhão no ano.
A miragem da 'autossuficiência do Sul Global'
Folha de S. Paulo
Lula obtém solidariedade do líder chinês em
relação a Trump, mas apoio depende do tamanho das economias
Note-se que Xi Jinping só conversou com o brasileiro após ter assegurado para si mais 90 dias de trégua nas negociações com os EUA
Ao eleger a motivação política como critério
de sua
guerra tarifária contra o mundo, Donald Trump segue
se arriscando a ver países próximos dos Estados
Unidos se afastarem para a esfera chinesa da disputa
geopolítica que marca o século 21.
Mesmo rivais de Pequim têm sido punidos.
Trump subiu de 25% para 50% a sobretaxa das importações indianas devido ao fato
de que Nova Déli é a segunda maior compradora do petróleo da Rússia,
com 38% do mercado final do produto desde o fim de 2022.
Trump mirava Vladimir
Putin, a quem havia dado um ultimato para aderir a uma trégua na
Guerra da Ucrânia. Com a usual balança torta de suas decisões, escolheu punir
a Índia pelo
financiamento do conflito, quando a China é
o maior patrono da pressionada economia russa.
Depois que o autocrata do Kremlin aceitou uma
reunião de cúpula com o americano, os chineses foram poupados de uma
sobretaxa para quem negocia com a Rússia. A medida afetaria o Brasil, que traz
60% do diesel que consome dos domínios de Putin.
Nesta terça
(12), mais uma peça se moveu. Em uma conversa realizada a pedido de
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
o líder chinês, Xi Jinping,
expressou solidariedade ante o brutal ataque à soberania brasileira promovido
por Trump.
O americano impôs 50% de sobretaxas a
importações do Brasil a pretexto do que chama de perseguição ao aliado Jair
Bolsonaro (PL), ora em prisão domiciliar esperando seu julgamento.
Xi mediu palavras, concentrando-se na relação
econômica com Brasília, que tem em Pequim sua maior parceira econômica. Falou
em "autossuficiência do Sul Global", valendo-se da retórica em voga
para designar os países já chamados de emergentes.
É um movimento de aproximação óbvio —e que
satisfaz em especial o entorno ideológico do petista, dado a acreditar em
fábulas de autonomia.
Note-se que Xi só conversou com Lula após ter
assegurado para si mais 90 dias de trégua nas negociações comerciais com Trump.
A China é o terceiro maior parceiro comercial dos EUA, só atrás de México e
Canadá.
Dessa forma, deve-se relativizar a altivez de
ocasião dos Brics, grupo que une países tão díspares quanto China, Brasil,
Rússia, África do Sul e Índia, para ficar nos fundadores, mais seis agregados
ainda mais diversos.
É incontornável para Xi que sua questão maior
é com os EUA, com os quais seu país teve US$ 581,9 bilhões em bens trocados —e
as vendas chinesas foram o triplo das do parceiro. Em comparação, a corrente de
comércio entre americanos e brasileiros somou US$ 91,4 bilhões, com ligeiro
superávit para os primeiros.
Com o Brasil, a China trocou US$ 188,2
bilhões no ano passado, dos quais US$ 116 bilhões vendidos pelos chineses.
Isso deveria estar na contabilidade de Lula,
para quem a disputa aberta com Trump não trouxe até agora os ganhos políticos
domésticos esperados.
É hora de falar sobre a morte digna
Folha de S. Paulo
Grupo incentiva debate, na sociedade e no
Congresso, sobre direito à eutanásia e ao suicídio assistido
Como defende a Folha, trata-se de traçar limites entre o Estado e a autonomia individual para garantir a vontade de pacientes que padecem
Em outubro do ano passado, o poeta
brasileiro Antonio
Cicero realizou suicídio assistido na Suíça, onde a prática é
permitida. Recentemente, numa entrevista, a cantora Marina Lima, sua irmã,
questionou: "Por que tem que ir para o exterior para fazer isso? Não
entendo".
Considerando que —a partir dos princípios das
liberdades individuais e da dignidade da pessoa humana— um indivíduo deveria
poder escolher como morrer para cessar um sofrimento crônico insuportável, a
pergunta faz sentido. E Marina não está só em sua percepção crítica.
Acaba de ser lançada a primeira associação
em defesa do direito à morte assistida do Brasil. Idealizada
pelo guitarrista Andreas Kisser, cuja esposa morreu de câncer, a Eu Decido é
formada por pesquisadores, juristas, profissionais da saúde, artistas e
comunicadores que buscam incentivar o esclarecimento sobre o tema.
Na eutanásia, a morte é conduzida pelo
médico; no suicídio assistido, o paciente recebe orientações médicas para pôr
fim à própria vida. Ambos os procedimentos são proibidos aqui porque o Código
Penal prevê punição a quem induzir, instigar ou auxiliar outra pessoa a se
suicidar.
A eutanásia é legalizada em oito países:
Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Espanha, Colômbia, Equador e Nova
Zelândia. Outros, como Suíça, Alemanha e Áustria, permitem o suicídio
assistido; o tema está em tramitação no Parlamento britânico.
Aqui há opositores na sociedade devido a
convicções ideológicas e religiosas, como se dá em relação às drogas e
ao aborto.
Mas tal cenário não pode ser usado como
desculpa para que o Congresso
Nacional continue a se eximir de debater a questão com ampla
visibilidade e de modo racional, sem viés populista, dada a laicidade do Estado
brasileiro.
Se, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em outubro
de 2024, pacientes podem recusar
tratamento médico por motivos religiosos, por que têm de ser
obrigados a viver sob cuidados paliativos, se suas crenças ou visões de mundo
não se contrapõem ao suicídio?
Como defende
esta Folha, trata-se de traçar os limites entre o poder público
e a autonomia individual num momento existencial crítico, que deve estar sob
controle apenas daquele que padece.
A ideia encontra resistência, mas iniciativas como a Eu Decido são capazes de abrir o caminho a partir da conscientização e do debate público —que, nas democracias, é mecanismo essencial na formação de consensos e para exercer influência sobre o trabalho do Legislativo.
Uma pizza indecente
O Estado de S. Paulo
Há sinais cada vez mais claros de que os
arruaceiros bolsonaristas que tomaram a Câmara de assalto não serão devidamente
punidos. Isso deixa claro quem é que dá as cartas de fato no Congresso
O motim organizado pela bancada bolsonarista
na Câmara caminha a passos largos na direção da impunidade. O corregedor da
Casa, deputado Diego Coronel (PSD-BA), confirmou que adotará o rito mais longo
para analisar as representações contra os 14 parlamentares que tomaram de
assalto a Mesa Diretora e impediram o funcionamento da Câmara na semana passada
para protestar contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e pressionar o
Legislativo a pautar projetos para livrar a cara do ex-presidente.
Na prática, isso significa que os processos
terão a duração de 50 dias úteis para serem analisados apenas na Corregedoria –
cinco dias para apresentação da defesa e 45 para apuração pelo órgão. Ainda
segundo o corregedor, as representações serão avaliadas de maneira individual,
e não coletiva, de forma a garantir que as sanções, se recomendadas, sejam
graduais e compatíveis com a conduta de cada parlamentar.
Só depois disso é que os processos voltarão à
cúpula da Câmara e, eventualmente, ao Conselho de Ética. Isso empurraria a
conclusão dos casos para o fim deste ano, o que sinaliza que a intenção dos
deputados é deixar tudo esfriar sem que ninguém seja punido ou, no máximo,
escolher um ou outro bode expiatório para levar a culpa em nome de todos os
amotinados.
O erro, a bem da verdade, é de origem. Eleito
com o apoio de 444 deputados, o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), não conseguiu aval de seus colegas na Mesa Diretora para
recomendar a suspensão dos amotinados, o que abriu caminho para esse pastiche que
a Corregedoria está prestes a encenar.
Já seria suficientemente ruim se fosse apenas
espírito de corpo, mas o problema é que a condescendência generalizada com atos
inaceitáveis na Câmara já chegou às raias da prevaricação.
Recentemente, os deputados André Janones
(Avante-MG) e Gilvan da Federal (PL-ES) foram suspensos por três meses apenas
por terem xingado, respectivamente, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e a
ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann – punição, por sinal,
recomendada por representação da própria Mesa Diretora, e por rito sumário.
Enquanto isso, o deputado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) segue flanando nos Estados Unidos e atuando intensamente contra o
próprio País e os produtores brasileiros. Depois de sair de licença para trabalhar
pelas sanções contra o Brasil, o filho do ex-presidente Bolsonaro declarou que
não mais voltará e que pretende manter o cargo, a remuneração e a equipe de
assessores participando de sessões remotas em território americano. Até agora,
o máximo que sofreu foi uma admoestação do presidente da Câmara, que disse não
concordar com suas atitudes.
O que a diferença de tratamentos evidencia é
que há dois pesos e duas medidas na Câmara. Que Motta não tem controle do
plenário já está muito claro, mas a falta de solidariedade demonstrada por seus
colegas na Mesa Diretora depois da humilhação a que ele foi submetido na semana
passada diz muito sobre quem realmente dá as cartas na Câmara.
Não fosse assim, a punição a atos
inaceitáveis como a baderna na Casa dependeria unicamente do que foi feito, e
não de quem os cometeu. Ora, se nem esse tipo de comportamento é alvo de
punições exemplares na Câmara, quem será punido daqui em diante? Só os bagrinhos.
É preciso resgatar algum pudor na Câmara, a
começar pelo primeiro vice-presidente da Casa, Altineu Côrtes (PL-RJ), que
ousou dizer que pautaria o projeto da anistia aos condenados nos eventos do 8
de Janeiro na primeira oportunidade que tivesse para fazê-lo, um enorme
desrespeito à figura de Hugo Motta. É esse o recado que os bolsonaristas querem
passar à sociedade, e é essa a mensagem que a Câmara enviará se os amotinados
se safarem do que fizeram.
O esforço permanente dessa turba tem método:
minimizar o significado das ações que cometem para esgarçar os limites da
democracia e subir a régua no ato seguinte. Não se sabe o que fará a bancada
bolsonarista em sua próxima diligência, mas pode-se ter certeza de que ela
ocorrerá e será ainda mais grave que a última. Eis a razão pela qual a punição
precisa ser exemplar.
O telefonema que Tarcísio deveria dar
O Estado de S. Paulo
Governador cobra de Lula que ligue para
Trump. Mas Tarcísio também poderia telefonar a Eduardo Bolsonaro, filho de seu
padrinho político, e pedir que cesse a sabotagem contra SP e o Brasil
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, cobrou do presidente Lula da Silva que telefone para o presidente dos
EUA, Donald Trump, com o objetivo de negociar o tarifaço imposto pelos
americanos ao Brasil – e que afeta particularmente o agronegócio paulista. “É
isso que vai fazer a diferença”, disse Tarcísio. Este jornal defendeu e
continua a defender exatamente isso, que o presidente Lula tente telefonar para
Trump, mas, se o governador Tarcísio está de fato interessado em ajudar o
Brasil e os paulistas, ele mesmo podia passar a mão no telefone e ligar para os
EUA – para falar não com Trump, e sim com o deputado “exilado” Eduardo
Bolsonaro.
Tarcísio poderia pedir que Eduardo Bolsonaro,
filho de seu padrinho político Jair Bolsonaro, pare de sabotar os esforços do
governo brasileiro para estabelecer um diálogo com a administração americana. O
recente cancelamento abrupto de uma reunião virtual entre o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, é
um exemplo cristalino de como o clã Bolsonaro faz mal ao Brasil. Até a
antevéspera, estava tudo pronto: agendas de ambas as autoridades alinhadas,
link de acesso à plataforma de videoconferência estabelecido e interlocução
formalizada entre os dois governos. Ainda assim, na undécima hora, a conversa
entre Haddad e Bessent, que deveria ter ocorrido hoje, foi retirada de pauta
pelo gabinete do secretário do Tesouro sob a insólita justificativa de “falta
de agenda” – uma desculpa claramente esfarrapada.
Haddad culpou “forças de extrema direita”, em
referência a Eduardo Bolsonaro e ao blogueiro Paulo Figueiredo, ambos
homiziados nos EUA para conspirar contra o Brasil em troca da impunidade de
Jair Bolsonaro e outros golpistas. De fato, as evidências apontam para uma
“coincidência”, chamemos assim, bastante reveladora: no dia do anúncio do
cancelamento da reunião entre Haddad e Bessent, Eduardo concedeu entrevista
ao Financial Times prevendo
novas sanções da Casa Branca contra autoridades brasileiras, justamente quando
o governo Lula da Silva tentava estabelecer canais de diálogo para conter a
escalada punitiva deflagrada por Trump.
Não se trata, por óbvio, de um mero
desencontro diplomático. Em público, o sr. Eduardo nega, mas a interferência do
filho do ex-presidente Bolsonaro para, desde o exterior, inviabilizar contatos
de alto nível entre os governos das duas maiores democracias das Américas é um
ato de gravidade ímpar. O fato de o deputado federal licenciado agir com esse
grau de desenvoltura contra seu próprio país revela não só seu desprezo pelo
decoro parlamentar, mas um desdém absoluto pelos interesses de milhões de
brasileiros que são prejudicados pelo tarifaço. É espantoso que a Câmara ainda
continue a lhe pagar salário e não lhe tenha cassado o mandato.
É certo que Lula não é propriamente conhecido
por sua admiração pelos EUA e vem subindo o tom com bravatas palanqueiras para
capitalizar eleitoralmente sua disputa particular com Trump. Mas a ordem dos
fatores, aqui, altera o produto: foi a sabotagem dos Bolsonaros que resultou no
tarifaço excêntrico de Trump, e não o antiamericanismo infantil de Lula. Logo,
se Tarcísio estiver genuinamente empenhado em destravar as relações com os EUA,
deve deixar de lado o discurso eleitoreiro que tenta jogar toda a
responsabilidade pela crise nos ombros de Lula e deve começar a cobrar dos seus
caros amigos Bolsonaros que parem de atrapalhar o Brasil.
Cabe a Tarcísio, como governador de um dos
Estados mais afetados pelo tarifaço e liderança política com pretensões
nacionais, exigir que cessem as manobras golpistas e irresponsáveis do clã
Bolsonaro que tanto vêm prejudicando o País e, de forma particular, a economia
paulista. Criticar Lula é fácil e sempre pode render dividendos políticos.
Enfrentar o sabotador maior do Brasil, contudo, exige coragem e compromisso com
a República, o que o sr. Tarcísio ainda precisa demonstrar com mais vigor e
independência.
A tentação do apaziguamento
O Estado de S. Paulo
Se ceder a Putin, Trump cometerá um erro que
terá gravíssimas consequências para o mundo
Nesta sexta-feira, o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, e o autocrata russo, Vladimir Putin, realizarão uma
cúpula no Alasca cercada de expectativas e temores. Para quem defende a
soberania ucraniana e os valores da democracia liberal, não é difícil entender
por quê. A guerra já mostrou que o Kremlin só negocia para ganhar tempo,
prolongar o conflito e consolidar ganhos territoriais. Putin exige, como
precondição de qualquer cessar-fogo, que Kiev reconheça a anexação de cinco
regiões ucranianas. E nada indica que suas ambições terminarão aí.
O risco é de que o encontro repita, em chave
contemporânea, a lógica de Munique em 1938 – quando o então premiê britânico,
Neville Chamberlain, cedeu à Alemanha nazista parte da Checoslováquia em nome
de uma “paz para o nosso tempo”, que durou menos de um ano. Na época, o então
deputado e futuro premiê Winston Churchill advertiu que a escolha britânica
pela desonra em vez da guerra terminaria trazendo ambas – como pode trazer
agora.
Trump até acena com a possibilidade de
devolver a Kiev parte dos “territórios estratégicos” ocupados por Moscou, mas
não especifica quais – ou quais ficariam nas mãos da Rússia. Ao mesmo tempo,
promete aliviar sanções e aceita discutir temas laterais, como controle de
armas nucleares, que podem servir de moeda de troca para Putin sem resolver o
essencial. A Casa Branca oscila entre afagos e ameaças, projetando hesitação e
improviso. Para o Kremlin, isso é um convite à intransigência.
A Ucrânia, por sua vez, não pode aceitar
termos que consagrem a ocupação. A Constituição ucraniana exige referendo para
qualquer mudança territorial, e a sociedade, marcada por massacres, deportações
e destruição, rejeita a ideia de premiar o agressor. Qualquer cessão seria lida
como fraqueza – e, portanto, como estímulo a uma nova ofensiva russa.
As análises mais realistas convergem: Putin
quer não apenas emascular militarmente a Ucrânia e subjugar Kiev como um
satélite do Kremlin, mas também reconfigurar a segurança europeia, fragmentar a
Otan e desmoralizar a credibilidade americana. Uma paz imposta sob ocupação
russa degradaria a ordem internacional e enviaria um sinal perigoso a outros
revisionistas, da China ao Irã.
O encontro no Alasca poderia, em tese, ser
uma oportunidade para reafirmar princípios: que fronteiras não se mudam pela
força, que agressores devem ser punidos, que a independência e a soberania da
Ucrânia são inegociáveis. Mas há sinais de que será usado para justificar
concessões unilaterais. Se assim for, Trump não estará encerrando uma guerra,
mas apenas adiando a próxima – e em condições muito mais favoráveis a Moscou.
Como em 1938, a tentação do apaziguamento é vender ao público a ilusão de que é possível encerrar um conflito sem deter o agressor. A História mostra o preço dessa ilusão. É imperativo que os Estados Unidos e a Europa resistam à pressão por uma paz desonrosa e mantenham o apoio militar e econômico a Kiev até que possa negociar de uma posição de força. O contrário não será paz, mas rendição – e uma rendição que custará caro a todos que ainda acreditam numa ordem internacional baseada em regras.
Adultização deve impulsionar debate sobre o
Marco Civil
Correio Braziliense
Para além de uma maior conscientização dos
pais, é preciso cobrar as redes e fomentar, mais uma vez, o debate em torno da
revisão do Marco Civil da Internet
São cerca de 30 milhões de visualizações em
menos de uma semana. O youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido
digitalmente como Felca, pautou o agendamento midiático nos últimos dias ao
discutir, em um vídeo de cerca de 50 minutos, a adultização de crianças e
adolescentes por meio das redes sociais. O conteúdo gerou debates fora das
redes, e chegou ao Congresso Nacional, onde o presidente da Câmara, Hugo Motta,
se comprometeu a priorizar projetos que tratam da temática nas próximas
semanas.
Um levantamento feito pela Palver, empresa
especializada em monitoramento e análise das redes sociais, mostra que a
repercussão alcançou um volume até mesmo superior à eventual taxação do Pix
impulsionada pelo deputado federal Nikolas Ferreira. Os números são
representativos para mapear como o problema supera qualquer polarização
política: 50% das repercussões mantiveram-se sem identificação ideológica,
tratando o caso de maneira despolitizada.
Mas, por que a discussão chamou tanta
atenção? Basta conviver com uma criança ou um adolescente nos dias de hoje para
perceber uma flagrante dependência das redes sociais que os deixa mais
vulneráveis a situações que não deveriam fazer parte do cotidiano deles:
consumismo, busca por status social e o anseio pela definição de uma identidade
em um momento de formação, não de demarcação.
Como explica a psicoterapeuta Maria Carol
Pinheiro, a neurociência define a infância e a adolescência como um período
fundamental para a chamada janela de oportunidade de aprendizado. É nesse
período em que há maior facilidade para absorver novas habilidades, como
aprender idiomas. Ao mesmo tempo, é quando se desenvolve a maior parte dos
problemas de saúde mental manifestados anos depois. Transtornos de ansiedade e
depressão são cada vez mais diagnosticados entre brasileiros, incluindo jovens
e adolescentes. Daí a importância de os pais monitorarem, cada vez mais de
perto, aquilo que os filhos consomem nas redes sociais.
Em primeiro lugar, é preciso entendê-las como
um espaço mercadológico, não como um blog pessoal. Há muita gente se expondo
nas redes em busca de dinheiro, vivendo a depender do conteúdo propagado, do
alcance obtido em cada postagem. Trata-se, portanto, de um espaço amplamente
disputado. Se os algoritmos criam vícios à audiência, crianças e adolescentes,
até mesmo pela falta de experiência de vida, formam o público mais vulnerável
ao consumismo descontrolado e à exploração de conteúdos rasos perigosos, que
encontram terreno fértil na janela de oportunidade do aprendizado.
Além disso, há a criminalidade. Redes sociais
estão lotadas de pessoas em busca de vítimas em potencial. Parte delas se
manifesta a partir dos golpes, outra fatia por meio do aliciamento, e uma
terceira porção já deixou as profundezas da deep web para habitar o Instagram:
os pedófilos. Quando crianças e adolescentes acessam as redes sem qualquer
monitoramento são vítimas em potencial desses criminosos. Não é por acaso que a
Austrália, recentemente, proibiu o acesso de menores de 16 anos a esses
sites.
Aqui, para além de uma maior conscientização dos pais, é preciso cobrar as redes e fomentar, mais uma vez, o debate em torno da revisão do Marco Civil da Internet. Não se trata de censura, mas se as big techs oferecem tantos serviços com uso dos algoritmos, derrubando, por exemplo, conteúdos que ferem os direitos autorais de artistas, como não conseguem mapear os criminosos que as habitam?
Emergência no transporte coletivo
O Povo (CE)
Não se trata de encontrar um culpado pela
deterioração a que chegou o sistema, mas de resolver um problema que afeta um
segmento da população que depende do serviço para se locomover pela cidade
Os problemas no sistema de transporte
coletivo em Fortaleza ganharam destaque depois do encerramento das atividades
da empresa Santa Cecília. Segundo o Sindiônibus (sindicato que representa as
empresas), essa é a quinta transportadora a suspender as atividades, porque a
operação teria se tornado deficitária.
Este jornal abordou o assunto na edição de
ontem, a partir do alerta do Sindiônibus de que é necessário equilibrar as
contas para evitar que outras empresas tenham o mesmo destino.
Segundo a entidade, 14 empresas continuam a
operar as mais de 300 linhas de ônibus urbanos na capital, mas somente em 80
delas o montante arrecadado cobriria as despesas.
Para o presidente do Sindiônibus, Dimas
Barreira, caso a situação continue a se deteriorar, medidas "mais drásticas",
como deixar de atender a algumas áreas da cidade, seriam necessárias para
preservar o sistema e as empresas.
De acordo com Dimas, o problema ocorre em
todo o País, necessitando de atuação do governo federal, pois a capacidade de
financiamento das prefeituras e estados seria insuficiente para bancar o
sistema de transporte. Ele diz que, em algumas capitais, como Teresina, Natal e
Rio de Janeiro, algumas áreas das cidades deixaram de ser atendidas.
Desde a pandemia do coronavírus, o número de
passageiros do transporte coletivo reduziu-se em mais de 50%. Em 2024,
levantamento do O POVO revelou que o número de viagens também havia diminuído,
com redução em mais da metade das linhas. A concorrência dos aplicativos de
transporte por motocicletas também contribuiu para reduzir o fluxo de
passageiros nos ônibus.
É de se considerar que os coletivos são
utilizados, essencialmente, pela população de baixa renda, que já sofre
bastante com a precariedade do serviço oferecido.
Existe uma longa lista de queixas comprováveis
e recorrentes, que raramente são corrigidas, apontadas por quem precisa
utilizar-se do transporte público. Superlotação, insegurança, longo tempo de
espera, acúmulo de sujeita, dificuldade de acesso, aparelhos de climatização
sem funcionar, entre outras.
O presidente do Sindiônibus diz agora que a
situação tende a ficar ainda pior, o que exige providências por parte da
Prefeitura e das empresas de ônibus.
Não se trata de encontrar um culpado pela
deterioração a que chegou o sistema, mas de resolver um problema que afeta um
segmento da população que depende do serviço para se locomover pela cidade.
É preciso agora o máximo de transparência,
tanto da Prefeitura quanto das empresas para fazer um diagnóstico preciso da
situação e encontrar uma saída para o impasse.
Seria também recomendável que as propostas avançassem para além da emergência que se apresenta, buscando-se soluções estruturais para melhorar o sistema de transporte em Fortaleza.
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