Nomes à mesa no tabuleiro eleitoral
Correio Braziliense
Apesar de a eleição para o Palácio do Planalto estar distante mais de um ano do seu primeiro turno, a corrida eleitoral teve a sua largada nas últimas semanas
Apesar de a eleição para o Palácio do Planalto estar distante mais de um ano do seu primeiro turno, a corrida eleitoral teve a sua largada nas últimas semanas. Enquanto no campo mais à esquerda há uma maior clareza, justamente pela possibilidade de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no âmbito conservador há incertezas sobre quem desafiará o atual chefe do Executivo. Em jogo está o eleitorado alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível.
Vários nomes se colocam na mesa do tabuleiro — em especial os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Ratinho Jr. (PSD), do Paraná; Eduardo Leite (PSD), do Rio Grande do Sul —, que convergem para um ponto: o gosto pela polarização.
No discurso, os postulantes a evitar um quarto mandato de Lula afirmam que o Brasil não merece viver a dicotomia entre o lulopetismo e o bolsonarismo. Garantem que oferecem uma terceira via. Na prática, porém, oferecem muito pouco ao eleitor que procura uma alternativa.
Como mostrou a última pesquisa Quaest, essa parcela da população é maioria, independentemente do recorte salarial. Entre os mais pobres, 56% não se classificam como lulistas nem como bolsonaristas. Essa fatia cresce para 69% na classe média, e para 72% entre os mais ricos. Ou seja, há uma rejeição à figura dos dois políticos que protagonizaram a disputa há três anos.
A oferta, no entanto, não atende à demanda. O discurso dos governadores pré-candidatos citados continua alinhado às bases do bolsonarismo. A defesa integral da anistia dos condenados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro é o maior exemplo disso — sem entrar no mérito se há ou não exagero em algumas condenações.
A participação do governador de Minas Romeu Zema no Programa Roda Viva, da TV Cultura, foi emblemática nesse sentido. Ele garantiu que seu vínculo com Bolsonaro "não é tão grande", mas confessou que visitou o ex-presidente recentemente para informar sobre o lançamento de sua pré-candidatura em São Paulo, o que é chamado de "pedir a bênção" no jargão político.
No último sábado, em discurso durante a Festa do Peão de Barretos — no interior de São Paulo —, Tarcísio levantou um boneco de Jair Bolsonaro para homenagear aquele que fez "tudo por ele" e que é vítima de uma "grande injustiça". O governador de São Paulo dividia o palco com Zema e Caiado, que tem repetido a promessa de anistiar o ex-presidente caso chegue ao Palácio do Planalto.
A busca por uma país pacificado não deve passar por uma aproximação da polarização, mas pela apresentação de um plano de governo coerente com as necessidades da população, independentemente do espectro ideológico. Na esquerda, por sua vez, a elaboração de políticas públicas também precisa ser prioritária, ainda que os desafios sejam grandes no que diz respeito ao relacionamento com o Congresso Nacional, majoritariamente conservador.
Em uma guerra de narrativas que dividiu o país, os números da Quaest escancaram a demanda da população por uma nova maneira de fazer política. Mesmo sem caneta federal nas mãos, os pré-candidatos, se querem ter sucesso nas urnas, precisam apresentar esse paradigma alternativo no discurso de agora.
O Globo
Congresso não pode cair na tentação dos
holofotes e da polarização. O que importa é a investigação em si
Nenhum governo gosta de comissões parlamentares de inquérito, afinal elas sempre oferecem distração da agenda do Executivo e dão palco a parlamentares oposicionistas. Não é diferente com a CPI do INSS, comissão mista recém-instalada para esquadrinhar as responsabilidades pelos descontos fraudados de aposentados e pensionistas. Por falha de articulação política, a base do governo não conseguiu eleger nem o presidente nem o relator. Mas a CPI também preocupa a oposição — pois, embora tenham explodido no governo Luiz Inácio Lula da Silva, as fraudes começaram na gestão Jair Bolsonaro.
Não faltam motivos para justificar o trabalho
dos deputados e senadores. Na origem da proliferação dos descontos indevidos em
aposentadorias e pensões, está a escassez de recursos enfrentada por sindicatos
e associações de trabalhadores com o fim do Imposto Sindical, extinto na
reforma trabalhista do governo Michel Temer, em 2017. Sem o dinheiro do
imposto, sindicatos tiveram de justificar sua existência por meio de serviços
prestados às categorias. Boa parte se viu em apuros, e vários aderiram à fraude
nas aposentadorias e pensões.
Maior item do Orçamento da União, o INSS é
alvo conhecido da cobiça de golpistas e, por consequência, de diversas
operações da Polícia Federal. A Sem Desconto, lançada em abril a partir de
informações da Controladoria-Geral da União (CGU), vasculhou a transferência
ilegal de dinheiro a associações e sindicatos. Descobriu que entidades de
classe formalizavam Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) sem anuência dos
beneficiários e transferiam quantias modestas, descontadas dos benefícios, a
diversas entidades sindicais.
Os valores eram baixos, mas, descontados de
milhões de beneficiários, representavam o desvio de bilhões de reais. A CGU
constatou que 97% não haviam dado autorização para as contribuições. Das 29
entidades auditadas pela CGU, 70% não haviam entregado documentação completa ao
INSS para assinar os ATCs. Fraude em cima de fraude. Num primeiro momento,
estimou-se que, entre 2019 e 2024, haviam sido surrupiados até R$ 6,3 bilhões
de segurados do INSS. Depois a estimativa foi reduzida para R$ 2,1 bilhões,
considerando apenas aqueles que formalizaram pedido de reembolso, homologado
pelo Supremo Tribunal Federal. Desse total, o INSS afirma já ter devolvido mais
de R$ 1 bilhão.
Ainda que o dano seja reparado, falta
identificar e punir os culpados. Para isso, o trabalho da CPI do INSS pode ser
fundamental. O importante é que os parlamentares se concentrem nas evidências e
na investigação, contendo a tentação de acusar este ou aquele governo e o
ímpeto pelos holofotes inerente a toda comissão de inquérito. A polarização só
fará mal. Outro risco a evitar é o desvio de prioridades. A CPI não é pretexto
para o Congresso deixar em segundo plano a votação de propostas essenciais,
como a reforma administrativa ou a PEC da Segurança. O importante é que, à
margem da polarização, a CPI identifique os responsáveis pela fraude bilionária
e dê sugestões efetivas para evitar que crimes assim se repitam.
Bacellar põe interesse pessoal à frente da
população fluminense
O Globo
Por picuinha política com governador, o
presidente da Alerj paralisou andamento de projetos essenciais
É injustificável que o presidente da
Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Rodrigo
Bacellar (União), dificulte a tramitação de projetos de
interesse do estado devido a desavenças políticas com o governador Cláudio
Castro (PL). Um pacote com 12 propostas prioritárias para reforçar
as receitas estaduais e combater a violência — dois temas urgentes — foi
enviado ao Legislativo há duas semanas. Permanece parado na presidência da Casa
à espera de decisão.
Entre as propostas para sanear a grave crise
fiscal do estado, estão a redução progressiva de benefícios tributários a
empresas (a intenção é encolherem 30% do valor atual em 2026, até ser
totalmente extintos em 2032); a autorização para uso dos royalties do petróleo
no pagamento da dívida do estado com a União; e a venda de 47 imóveis
subutilizados ou abandonados (a transação pode render R$ 1 bilhão ao estado).
A aprovação desses projetos é importante para
que o Rio melhore sua situação fiscal e possa aderir ao novo programa de
refinanciamento das dívidas dos estados com a União, o Propag. A despeito da
benevolência do governo federal com estados endividados e da falta de
contrapartidas robustas de responsabilidade fiscal, não há dúvida de que a
adesão trará alívio ao Rio, cuja dívida soma mais de R$ 220 bilhões. O governo
fluminense paga parcelas mais suaves, graças a uma liminar do ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, mas a trégua é temporária.
Na área de segurança, o pacote inclui a
contratação de PMs e bombeiros da reserva para substituir agentes que trabalham
em serviços administrativos, liberando policiais para o policiamento ostensivo;
a instalação de câmeras de videomonitoramento e outros equipamentos em locais
públicos; a mudança na lei da Polícia Civil para adequá-la a regras nacionais;
a atualização da legislação que trata da carreira da Polícia Militar; e a
mudança nos critérios para saída de presos (o benefício levaria em conta se o
detento declarou pertencer a alguma facção do crime organizado).
Projetos desse tipo não podem ficar à mercê
da conjuntura política. Bacellar já foi aliado de Castro e era cotado para ser
o candidato dele à sucessão. A relação entre os dois se deteriorou depois que
Bacellar demitiu seu desafeto Washington Reis, então secretário de Transportes,
sem aval de Castro. A candidatura ficou inviável, e o próprio PL anunciou que
terá candidato próprio.
Independentemente das picuinhas políticas, Bacellar não pode pôr interesses pessoais à frente da população fluminense. Mais que ninguém, deveria saber quanto é importante para o Rio melhorar sua situação fiscal e combater a violência. Ele pode ter a opinião que quiser sobre os projetos enviados pelo Executivo à Alerj. Mas tem obrigação de colocá-los em pauta com a urgência que os temas exigem. É um absurdo usar o cargo para fazer pressão política, protelando as votações. Agindo assim, ele não pune o governador, mas os cidadãos fluminenses, que há anos sofrem as consequências de um estado sem capacidade de investimento, acossado por uma crise de segurança que não dá trégua.
Golpe de Trump contra o Fed é risco à
economia global
Valor Econômico
A solidez do dólar e a da economia americana
se devem em grande parte à independência do Fed
O presidente Donald Trump deu seu passo mais
ousado até agora para conseguir o que nenhum de seus antecessores sequer
cogitou: pôr fim à independência do Federal Reserve (Fed), o banco central mais
poderoso do mundo. Ao anunciar que demitirá “imediatamente” Lisa Cook de um
cargo de direção do Fed — alegando supostas fraudes com hipotecas que ocorreram
antes de ela assumir um posto na instituição em 2022, mas com razões claramente
políticas —, Trump procura romper com uma tradição de 74 anos, a de o banco
decidir, segundo suas próprias diretrizes e expertise, os rumos das taxas de
juros, da supervisão do sistema financeiro e das formas de garantir sua solidez
e estabilidade.
Trump tentou, sem sucesso, intimidar o
presidente do banco, Jerome Powell, e forçá-lo a se demitir. Agora investe
contra Cook, com o objetivo de ter a maioria do board do Fed. Ele está em
campanha para reduzir os juros logo e todos os meios são para ele válidos para
conseguir o que deseja, um Executivo poderoso, que subordine todos os
instrumentos do Estado à sua vontade. Além de ofender Powell, insinuou que ele
poderia ser afastado por suposta fraude por superfaturamento na reconstrução
bilionária da sede do Fed. Contra Cook, alegou, sem provas e sem quaisquer
detalhes, indícios de fraude com hipotecas na compra de imóveis. Trump fez coro
às desconfianças de um seguidor, Bill Pulte, do Federal Housing Agency
Committee, que supervisiona e regula o mercado de hipotecas, para tentar ejetar
Cook do cargo. O Departamento de Justiça será acionado para investigá-la.
O controle do Fed é um alvo factível para a
Casa Branca. O Comitê de Mercado Aberto (Fomc), que decide as taxas de juros, é
composto pelos 7 membros do board, o presidente do Fed de Nova York e 4
presidentes regionais, dos 12 existentes, que se revezam. Já há dois aliados de
Trump no board, ambos cotados para substituir Powell quando ele terminar seu
mandato, em maio de 2026: Christopher Waller e Michelle Bowman. Ambos votaram
em minoria pela redução dos juros na reunião do Fomc de julho. O pedido de
demissão de Adriana Kugler abriu espaço para Trump nomear para o board seu
apaniguado Stephen Miran, até então presidente do Conselho de Assessores
Econômicos dos EUA. Se Cook for afastada, a direção do banco teria a maioria
partidária do presidente republicano, que seria reforçada com a partida de
Powell no ano que vem, isso se Trump não insistir em uma campanha para
expulsá-lo antes.
Haverá uma batalha judicial com Cook, que
possivelmente desaguará na Suprema Corte. A Corte, com maioria conservadora
após as indicações de Trump em seu primeiro mandato, deu o direito de o
presidente demitir dirigentes das agências independentes do governo, com
exceção do Fed, uma das várias vitórias obtidas por Trump nas contestações
judiciais. Antes, a Casa Branca terá de provar o que diz e isso não basta.
Ainda que a suspeita contra Cook se confirme, todos os fatos citados ocorreram
antes de ingressar no Fed, não havendo nada que a desabone no exercício da
função. Para Trump, no entanto, mais importante é que ela se afaste do cargo
enquanto corre o processo, o que também não é certo.
Trump persegue de modo autoritário e caótico
objetivos contraditórios. Juros baixos favorecerão a rolagem da enorme dívida
americana, de US$ 36 trilhões, que continuará crescendo após a aprovação de
nova rodada de abatimento de impostos pelo Congresso, onde os republicanos têm
maioria nas duas Casas. As consequências são conhecidas. O dólar se
desvalorizará e a inflação subirá, um movimento que já ocorre como efeito do
choque tarifário imposto ao mundo. Déficits fiscais e inflação em alta forçarão
o governo americano a pagar juros mais altos para refinanciar suas dívidas.
O Fed independente é uma garantia de que a
economia americana não será vítima de desequilíbrios que a levem a crises
agudas. Além disso, quando houve o grande colapso financeiro de 2008, o BC
americano foi o emprestador de última instância no sistema financeiro global,
socorrendo bancos e dando liquidez em dólares aos demais BCs ao redor do globo.
Com um Fed sem independência, tudo muda, e a reação tímida dos mercados
financeiros de ontem é um retrato pálido das consequências futuras.
Os títulos do Tesouro de curto e longo prazos
(2 e 30 anos) apresentaram a maior distância entre si em três anos, de 1,25
ponto percentual. Isso significa que o mercado vê queda de juros no curto
prazo, por decisão do Fed ou por pressão de Trump, mas juros em alta no futuro
em decorrência de inflação e déficits maiores. A subordinação do Fed elevará os
prêmios dos títulos americanos, a parcela extra de remuneração que os
investidores cobram para emprestar a longo prazo de devedores sob risco. A
moeda americana seguirá perdendo valor, como apontou nota do Goldman Sachs:
“Mudanças na independência do Fed colocam claros riscos de baixa do dólar”.
A solidez do dólar e a da economia americana se devem em grande parte à independência do Fed. Sua perda, inimaginável até a chegada de Trump ao poder, abre caminho a um período de grande instabilidade na economia global.
Congresso precisa corrigir erros de novo
Código Eleitoral
Folha de S. Paulo
Conjunto de disparates inclui voto impresso e
fragilização dos mecanismos de fiscalização de contas
O novo Código Eleitoral até pode organizar o
cipoal normativo da área, mas, sem remediar as distorções, será um grave
retrocesso
Aconteceu o que se temia: ao votar o projeto
de lei complementar 112/2021, que cria um novo Código Eleitoral para o Brasil,
a Comissão de Constituição e
Justiça do Senado aprovou um
texto tão repleto de problemas que seria melhor tê-lo deixado
na gaveta onde dormitava havia quase quatro anos.
Agora, a proposta segue para o plenário da
Casa legislativa e, de lá, voltará à Câmara dos
Deputados. São oportunidades para que os congressistas eliminem os
disparates que, lamentavelmente, acabaram inseridos no projeto.
O mais vistoso deles é a ideia de levar o
país de volta aos tempos do voto impresso. Já declarada inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), a medida
é um mero espantalho a serviço de Jair
Bolsonaro (PL), interessado em perpetuar a
ofensiva contra as instituições democráticas.
As urnas eletrônicas, afinal, têm passado por
inúmeros testes de segurança e dado repetidas mostras de bom funcionamento há
mais de 25 anos, com a eleição de dezenas de milhares de políticos dos mais
diversos partidos.
Questionar esse sistema implica lançar dúvida
sobre todos esses pleitos —o que significaria, se a lógica fosse levada a
sério, contestar os mandatos de todos os parlamentares, governadores e
prefeitos bolsonaristas que apoiam o ex-presidente em sua cruzada retrógrada e
antidemocrática.
Mas esse não é o único aspecto a ser sanado
no projeto. Os senadores, por exemplo, derrubaram o desatino que seria permitir
ao Congresso
Nacional rever decisões da Justiça
Eleitoral, mas mantiveram outras normas que fragilizam a necessária
fiscalização.
Entre elas está a redução do papel da Justiça
Eleitoral no que respeita à prestação de contas: o órgão se transformaria em
reles checador de aspectos formais (como erros contábeis), perdendo o poder de
apurar irregularidades como superfaturamento e desvio de recursos públicos.
É um acinte. Uma proposta dessa natureza
interessa apenas a parlamentares que buscam usar o cargo público para se
locupletarem —e espera-se que eles não tenham maioria para aprovar o
dispositivo, pois o financiamento de partidos e candidatos mobiliza R$ 6
bilhões em dinheiro do contribuinte a cada disputa.
Em mais uma ideia fixa, políticos pretendem
encontrar maneiras de censurar ou constranger os institutos de pesquisa. Depois
de idas e vindas, permanece no texto uma picuinha destinada a forçar a
divulgação de comparativos entre levantamentos e resultados do pleito anterior.
Outro item que merece revisão é a quarentena
para magistrados, membros dos Ministérios Públicos e agentes das forças de
segurança. O texto inicial previa um tempo maior, o que é desejável para evitar
que a lógica partidária contagie essas corporações.
Corrigidas essas e outras distorções, o novo
Código Eleitoral até pode promover um avanço ao organizar o cipoal normativo da
área; sem remediá-las, porém, será um grave retrocesso.
Acesso à Cannabis medicinal ampliado em SP
Folha de S. Paulo
Iniciativa da capital que amplia casos para
prescrição dos remédios no SUS deveria ser seguida pelo estado
Garantir oferta de medicamentos derivados da
maconha pelo sistema público é essencial, já que o veto ao plantio na Lei de
Drogas eleva preços
A trajetória da regulamentação da Cannabis medicinal
no Brasil mostra como a construção de consensos por meio do debate público é
mecanismo eficaz nas democracias para a implantação de políticas baseadas em
técnica, em vez de ideologia, mesmo que lentamente.
A partir de movimentos da sociedade no começo
dos anos 2000, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
autorizou o uso clínico de produtos derivados da maconha em
2015.
De lá para cá, regularam-se autorizações,
venda, importação de medicamentos e de insumos.
Ao menos 24 unidades da Federação ou
aprovaram leis que garantem acesso à Cannabis medicinal pelo SUS ou
discutem a ideia —medida essencial, já que o veto ao cultivo pela Lei de Drogas de
2006 encarece os remédios.
No estado de São Paulo,
a distribuição pelo sistema público foi autorizada em 2023, mas apenas para
esclerose tuberosa e síndromes de Dravet e Lennox-Gastout.
Em 2022, o Conselho Federal de Medicina, que
nos últimos anos vem atuando mais por ideologia do que por evidências, publicou uma
resolução em que restringia a prescrição para apenas essas
mesmas três condições. Após reação de médicos e pacientes, contudo, voltou
atrás.
A capital
paulista, de modo correto, promove avanços, segundo nota técnica da
Secretaria Municipal de Saúde obtida
pela Folha. A prefeitura expandirá os casos para os quais os medicamentos
à base de maconha podem ser receitados —o canabidiol, que não produz efeitos
psicoativos, e sua associação com baixa dosagem de THC, que produz esses
efeitos.
A lista inclui 31 patologias que vão de
epilepsia, Parkinson e Alzheimer até depressão, distúrbio do sono e dor
crônica. A nota fornece informações aos profissionais de saúde da rede, que já
estão recebendo treinamento.
Para ampliar ainda mais o acesso, o país
precisa eliminar o paradoxo normativo que permite o uso medicinal da planta e
proíbe seu cultivo. Um passo veio do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em novembro
de 2024, a corte autorizou o plantio de variedades com baixo
teor de THC para fins medicinais e industriais. O prazo para que Anvisa e União
regulamentem o setor foi prorrogado de maio para setembro. No Congresso
Nacional, tramitam dois projetos de lei de 2023 sobre o tema.
Ainda há outro caminho sendo trilhado pela sociedade e que parlamentares se recusam a encarar: o que leva à legalização da maconha, seguindo a situação das bebidas alcoólicas. Não é papel do Estado decidir o que o indivíduo faz com seu próprio corpo.
Governo vacila, as máfias agradecem
O Estado de S. Paulo
Cedendo ao lobby da PF, governo retira do
projeto de lei antimáfia sua espinha dorsal: a criação de uma agência nacional
contra organizações criminosas, modelo de sucesso na Itália
O governo Lula da Silva parece ter despertado
da letargia no campo da segurança pública, ainda que por interesse eleitoral.
Nos próximos dias, o Ministério da Justiça apresentará ao Congresso um projeto
de lei que institui uma legislação antimáfia no Brasil. A iniciativa é
bem-vinda e atende a uma necessidade premente: dotar o País de instrumentos
legais eficazes para enfrentar organizações criminosas que, há muito,
ultrapassaram a condição de meras facções locais para operar como verdadeiras
máfias, dentro e fora do território nacional.
O grande mérito do projeto, ao qual o Estadão teve acesso, é
reconhecer a gravidade do problema. O Primeiro Comando da Capital (PCC), o
Comando Vermelho (CV) e outras facções cresceram em poderio bélico e econômico
e desenvolveram uma enorme capacidade de infiltração no Estado, chegando a
dominar territórios e influenciar políticas públicas em várias regiões do País.
Não há democracia que resista a esse ataque sem um aparato jurídico e uma
coordenação nacional eficientes. Nesse sentido, o governo dá um passo na
direção correta ao propor alterações relevantes no Código Penal, no Código de
Processo Penal e na Lei n.º 12.850/2013, a Lei das Organizações Criminosas,
entre outras.
Contudo, o governo vacilou e desistiu de
incluir no projeto de lei justamente aquilo que era sua espinha dorsal: a
criação da Agência Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas.
Inspirada na Direção Investigativa Antimáfia da Itália – um modelo testado e
aprovado –, a agência teria a missão de coordenar os esforços nacionais contra
o crime organizado, hoje dispersos em disputas corporativas e conflitos de
atribuições entre polícias, Ministério Público e órgãos técnicos.
A exclusão da agência nacional, como revelou
este jornal, é resultante do lobby da Polícia Federal (PF), receosa de perder
poder, ora vejam, para o Ministério Público. O interesse corporativo mesquinho
se sobrepôs à razão de Estado e ao interesse público. Consta que dentro do
próprio Ministério da Justiça houve resistências à iniciativa. Uma lástima. Se
policiais federais e burocratas de gabinete podem comemorar a reserva de seus
nacos de poder, criminosos também têm razões para brindar: seguirão enfrentando
forças públicas fragmentadas e, portanto, menos eficazes.
O argumento da pasta para abandonar a criação
da agência nacional seria risível, não fosse tão insultuoso à inteligência
alheia: contenção de gastos e espera por uma reforma administrativa. Ora,
jamais faltaram recursos públicos para outras ações governamentais infinitamente
menos relevantes para a sociedade. Faltam, isso sim, prioridade política e brio
republicano do presidente Lula da Silva para, ao fim e ao cabo, fazer valer o
melhor interesse da Nação. Essa opção pelo corporativismo custará mais caro:
manterá o Estado refém de sua maior vulnerabilidade no combate às máfias
brasileiras, a ausência de coordenação centralizada.
Não obstante, o projeto de lei que chega ao
Congresso não é desprezível. Além de redefinir critérios para a caracterização
das organizações criminosas e endurecer penas, o texto propõe novos
instrumentos jurídicos, como uma modalidade de ação civil que facilitará a
perda de bens em poder de criminosos. Se bem conduzido, pode tornar a vida das
lideranças do PCC, do CV e de outros bandos bem mais difícil do que é hoje. Mas
isso é insuficiente.
Cabe agora ao Congresso suprir as lacunas do
Executivo. O Legislativo deve resistir à tentação de transformar a proposta em
palco de disputas partidárias e atuar com espírito público, enriquecendo o
texto e recolocando em debate pontos essenciais, a começar pela criação de uma
instância nacional de coordenação contra o crime organizado. A experiência
internacional mostra que o enfrentamento às máfias exige ação centralizada e
instituições blindadas à corrupção e cooptação, comprometidas com o interesse
público. Sem isso, quem continuará ganhando essa guerra são os criminosos.
Trump, o puxador de votos do PT
O Estado de S. Paulo
Partido diz que Trump, associado aos
bolsonaristas, quer derrotar o ‘projeto de desenvolvimento nacional’ liderado
por Lula – mote usado para reeditar a ‘frente ampla’ que nunca existiu
O PT aprovou uma resolução política na qual
apresenta suas armas para a disputa presidencial de 2026. O documento é o
primeiro aprovado sob a nova gestão do partido, desde o início de agosto
liderado pelo ex-ministro Edinho Silva. Dele se conclui que, apesar do novo
comando, nada parece ter mudado nas hostes petistas. Está tudo lá: com ares de
denúncia, a identificação de inimigos externos como argumento de sustentação do
projeto do partido; a construção de teorias conspiratórias, apresentadas como
evidências inquestionáveis das ameaças ao País, que só tem Lula da Silva e o PT
para salvá-lo; e a escolha de uma providencial bandeira, supostamente capaz de
mais uma vez unir o País em torno do demiurgo petista, aquele que, pelo menos
no discurso, veio para defender a democracia.
O documento afirma que nossa soberania –
expressão usada eloquentes 21 vezes nas sete páginas da resolução – está sob
ataque articulado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, em conjunto com o
bolsonarismo e setores da direita. Para o PT, o tarifaço e as sanções impostos
com a exigência de o Brasil livrar Jair Bolsonaro da cadeia não configuram só
uma intromissão no trabalho do Supremo Tribunal Federal; o objetivo de Trump
seria, no fundo, derrotar o “projeto de desenvolvimento nacional” do PT. E para
isso, segundo o partido, o governo dos EUA usará e abusará das redes sociais e
ferramentas de inteligência artificial, classificadas pelos petistas como
“instrumentos de disseminação de desinformação, teorias da conspiração e
discursos de ódio”. Para enfrentar tais males, diz a resolução, “é necessária a
regulação das redes com legislação eficaz e mecanismos efetivos de punição”.
Em resumo, assim como em 2022 eleger Lula
equivalia a salvar a democracia, em 2026 significará proteger a soberania
brasileira, livrar o País do mal “fascista” representado por Trump, Bolsonaro e
a direita e, de quebra, usar esses fantasmas como arma persuasiva para levar
adiante uma obsessão do PT, isto é, controlar os meios de comunicação – agora
sob o manto da “regulação das redes sociais”. Lula já informou, em muitos dos
seus incontáveis palanques, que pretende retomar as tratativas com o Congresso
para regular as redes. Como se sabe, há meses o governo ensaia novos projetos
de lei nessa área, como se a internet fosse uma terra sem lei, crimes previstos
não já estivessem devidamente tipificados e o Marco Civil da Internet não
estabelecesse os parâmetros de responsabilização no ambiente digital.
Os argumentos em favor dessa ofensiva
regulatória são os de sempre: proteger a democracia, agora adornada pelo verniz
da soberania, combater “fake
news” e “discursos de ódio” e promover um “ambiente digital
seguro”. No passado, uma das bandeiras preferenciais do PT era uma opaca ideia
de “democratização dos meios de comunicação”, também traduzida pelo chamado
“controle social da mídia”, a ser exercido por grupos sociais controlados pelo
partido. Se os governos petistas não conseguiram levar adiante seu desejo, não
foi por convicção democrática, e sim por falta de apoio na sociedade e no
Congresso. O mais recente rosnado, no entanto, passou a ser direcionado
às big techs, que
para o lulopetismo se tornaram sinônimo de instrumentos a serviço da extrema
direita.
Mirando ora a imprensa tradicional, ora as
plataformas digitais, o sentido é o mesmo para o PT – benefícios à mídia
chapa-branca e tratamento de inimigo para quem não venera o chefão petista como
a encarnação do povo. Nenhuma surpresa, vindo de um partido que, malgrado posar
de democrata, tem a convicção plena de que detém a exclusividade da virtude
pública e costuma tratar as outras forças políticas, inclusive as democratas,
ou como males a combater ou como sócios menores do poder.
A resolução política apenas reafirma tais
princípios. E mostra que o PT nada aprendeu com a História e segue acreditando
que o poder punitivo do Estado sobre o discurso público é a melhor arma para
enfrentar a audácia de quem ousa não aceitar Lula como seu salvador.
Porteira aberta para a má-fé
O Estado de S. Paulo
Graças ao STF e ao TST, ações trabalhistas
caminham para recorde, em derrota da reforma
O ajuizamento de ações trabalhistas segue
trajetória de alta e caminha para um novo recorde em 2025, num sinal de
retomada da litigância que havia sido contida nos primeiros anos de vigência da
reforma trabalhista de 2017. Reportagem do Estadão mostrou que a distribuição de
processos nas Varas do Trabalho de todo o País deve bater a marca de 2,3
milhões até o fim deste ano, ante 2,1 milhões de 2024. Assim que a reforma do
governo Michel Temer entrou em vigor, o volume de novos processos despencou, de
um ano para outro, de 2,6 milhões para 1,7 milhão. Porém, no ritmo atual de
crescimento dos litígios, essa marca pré-reforma logo deverá ser alcançada e,
pior, superada.
Antes das mudanças na Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), uma reclamação trabalhista podia ser apresentada sem
qualquer consequência para o reclamante, haja vista que não havia custo nenhum
e, em caso de derrota, nenhuma punição lhe era imposta. Com a reforma, a parte
derrotada passou a ter de arcar com as custas periciais e os honorários de
sucumbência devidos ao advogado da parte vencedora, mesmo se fosse beneficiária
de Justiça gratuita. Isso, por óbvio, moralizou a judicialização e pôs uma
trava à litigância aventureira. Esse legado da reforma foi destruído nesta
primeira década de inovações na CLT.
Em 2025, o volume de ações trabalhistas do
setor de serviços puxou mais uma vez o número geral para cima, como uma
consequência do maior impulso desse ramo após a pandemia de covid-19,
implicando mais contratações, demissões e processos, mas são duas decisões de
Cortes superiores que explicam essa enxurrada de ações na Justiça do Trabalho.
Entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do
Trabalho (TST) sob o pretenso argumento de proteger os cidadãos que são
atendidos pela Justiça gratuita acabaram por abalar um dos principais pilares
da reforma trabalhista.
Como se sabe, desde 2021, por decisão do STF,
é proibido cobrar honorários e perícias de beneficiários de Justiça gratuita.
E, recentemente, o TST inverteu a lógica da reforma e decidiu que o
beneficiário de Justiça gratuita não precisa provar que é pobre – agora, basta
apenas a apresentação de uma mera declaração de pobreza. Diante do estrago
causado, o TST relacionou o aumento do número de processos ao fim da pandemia,
o que não parece plausível, uma vez que o volume de ações não foi reposto nos patamares
de 2018 e 2019, mas está bem acima dessas marcas, o que indica crescimento, não
represamento de processos.
A reforma trabalhista foi alvo de investidas de diversos setores da sociedade, com o intuito de barrar a modernização das normas que regem as relações do novo mundo do trabalho. Ações de inconstitucionalidade questionaram essas alterações, o que é do jogo democrático, mas o que surpreende é o fato de o Poder Judiciário, em vez de proteger a lei e a sua presunção de constitucionalidade, ser um agente de desestabilização. Tudo isso abriu a porteira para novas aventuras de litigantes que nem sempre são pobres e, não raro, movem-se pela má-fé.
Novo Código Eleitoral consolida legislação
O Povo (CE)
Relevante para atualizar as regras
eleitorais, o importante agora é corrigir propostas eventualmente equivocadas e
aprovar o projeto a tempo de vigorar para as eleições do próximo ano.
Reportagem publicada na edição de ontem
aborda um tema da máxima importância para as eleições do próximo ano — e para
as subsequentes —, mas que vem sendo pouco abordado pela imprensa. Trata-se do
projeto de lei complementar (PLP) 119/2021, que institui o novo Código
Eleitoral.
A matéria tramita no Congresso, sujeita à
regra da anualidade eleitoral. Portanto, para vigorar na próxima eleição, terá
de ser aprovada até o início de outubro.
Ciente dessa situação, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o texto base por 20 votos a
favor e seis contra. O projeto segue agora para o plenário para ser apreciado
em regime de urgência. O PLP tem o propósito de unificar a legislação que está
dispersa no novo Código Eleitoral.
No entanto, o projeto sofre críticas
pertinentes, como o possível prejuízo ao alcance da Lei da Ficha Lima, ao
reduzir o tempo de inelegibilidade de políticos condenados, permitindo que
retomem mais rapidamente o direito de disputar eleições.
Outro aspecto negativo seria quanto às cotas
de gênero, com obrigatoriedade de reserva de 30% das candidaturas para
mulheres. Porém, com garantia de ocupação de 20% das cadeiras do Parlamento,
considerado um índice baixo, pois as mulheres somam mais da metade da população
brasileira.
Um grande retrocesso foi a aprovação do
destaque prevendo o voto impresso nas eleições. Medida que, a propósito, foi
considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É de se
lembrar que o voto eletrônico vige no Brasil desde a década de 1990 do século
passado, sem que fosse apontado algum indício, evidência e menos ainda prova de
alguma irregularidade.
Ao contrário, todas as auditorias realizadas
— inclusive por partidários do voto impresso — concluíram que as urnas
eletrônicas são seguras. Inclusive, são consideradas exemplo internacional do
uso da tecnologia em eleições. Portanto, o melhor a fazer é derrubar essa
proposta no plenário do Senado.
O uso da inteligência artificial também será
objeto de regulação pelo novo Código Eleitoral, com a proibição de "deep
fakes", que simulem a voz, imagem ou movimentos de pessoas, com o objetivo
de evitar manipulação e disseminação de conteúdos falsos.
Medidas para evitar a influência das
organizações criminosas nas eleições também constam do projeto. Ficarão
inelegíveis candidatos condenados por participação em organizações criminosas
ou milícias privadas, em ações transitadas em julgado ou condenados por órgão
colegiado.
Relevante para atualizar as regras
eleitorais, o importante agora é corrigir as propostas eventualmente
equivocadas e aprovar o PLP a tempo de vigorar para as eleições do próximo
ano.
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