quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O risco para o STF em 2026, por Paulo Celso Pereira

O Globo

O perfil dos escolhidos nos próximos anos poderá dominar o Supremo por décadas

Em junho de 2022, a Suprema Corte americana, numa virada histórica, reverteu a decisão Roe vs. Wade, que garantia o direito ao aborto nos Estados Unidos. Um ano depois, novamente por 6 votos a 3, definiu que as universidades americanas não poderiam mais usar a raça dos alunos para selecioná-los. A guinada conservadora da Justiça americana não se deu depois de uma ofensiva parlamentar que tenha levado ao impeachment de seus juízes ou aumentado o número de cadeiras, como prega a receita contemporânea de desconstrução das democracias. Foi obra da fortuna e do método do Partido Republicano em, além de usar sua maioria parlamentar para bloquear uma indicação de Barack Obama, apontar nomes ideologicamente leais e jovens, que ficariam décadas na Corte, onde o cargo é vitalício.

O ex-presidente Jair Bolsonaro já cantou em verso e prosa que sua maior missão em 2026 é garantir a eleição de um Congresso abertamente conservador. Mais que isso: deixa claro que o foco está em assegurar, no Senado, uma maioria que permita a seu grupo enquadrar o Supremo Tribunal Federal (STF). O sonho é a votação do impeachment de ministros, Alexandre de Moraes à frente.

A preocupação em evitar o assalto bolsonarista ao Supremo cria, no entanto, uma cortina sobre o que pode mais suavemente redefinir o futuro do sistema judicial brasileiro. A questão não está em quem chegará ao Salão Azul do Senado, mas sim em quem tomará posse no Palácio do Planalto.

No próximo mandato presidencial, três ministros de perfil moderado — Luiz FuxGilmar Mendes e Cármen Lúcia — atingirão a idade-limite de 75 anos e serão obrigados a se aposentar. Os dois mais progressistas do tribunal, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, terão de pendurar a toga em 2033, no mandato presidencial seguinte. Depois desse grupo, as próximas saídas compulsórias só ocorrerão a partir de 2042. O perfil dos escolhidos nos próximos anos poderá dominar o Supremo por décadas.

Desde o segundo mandato de Lula, o STF aproveitou-se muitas vezes da omissão do Poder Legislativo para adotar uma série de decisões históricas em defesa de direitos e liberdades individuais — tendo nos ministros que agora se aproximam da aposentadoria personagens cruciais para essa agenda.

Fux, Gilmar e Cármen votaram alinhados em 2011 e 2012 a favor do reconhecimento das uniões homoafetivas, da liberação do aborto de anencéfalos e da legalidade das cotas raciais nas universidades. Barroso e Fachin ingressaram na Corte e se juntaram ao trio nos julgamentos pela derrubada da tese de Marco Temporal para demarcação de terras indígenas, pela descriminalização da maconha e pela equiparação da homofobia ao racismo.

A polarização política que se acentuou há pouco mais de dez anos mudou a forma de escolha dos ministros. Desde a redemocratização, para chegar ao Supremo o saber jurídico dos candidatos sempre precisou ser acompanhado de boa capacidade de construir apoios políticos ou vínculos pessoais com o presidente. O posicionamento político individual ficava frequentemente em segundo plano. Em seus primeiros governos, Lula indicou oito nomes com os mais diversos perfis, de abertamente progressistas a militantemente conservadores.

Em suas indicações, a presidente Dilma Rousseff deu mais atenção à linha ideológica dos escolhidos, mas deixou a idade deles em segundo plano. Bolsonaro foi cirúrgico na estratégia: ao escolher Nunes Marques e André Mendonça, ambos com 48 anos na época da nomeação, conseguiu criar um enclave de longo prazo em apoio a sua agenda. As entregas vêm sendo feitas não só nos julgamentos ligados à tentativa de golpe de Estado, como foram exibidas nos votos em defesa do Marco Temporal e contra a descriminalização da maconha.

O que ocorreu nos Estados Unidos deveria acender um alerta sobre o cenário que se avizinha para o Supremo. Ainda que a eleição de uma bancada de senadores majoritariamente conservadora seja hoje considerada provável mesmo dentro do PT, a tendência é que muitos nomes sejam ex-governadores e figuras ilustres do Centrão, cujas biografias não servem de incentivo para enfrentar aqueles que julgarão seus processos. Mas, se a trilha para o impeachment é acidentada, a indicação presidencial de nomes ao STF é uma avenida expressa. Há 131 anos um presidente não vê seu nomeado para o tribunal ser rejeitado.

*Paulo Celso Pereira é editor executivo do GLOBO

 

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