quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Pegadinha do destino aguarda Lula em 2026, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

PLOA de 2026 contará com receitas que podem não ocorrer e há risco de as despesas crescerem acima do orçado

É grande a chance de o governo de Luiz Inácio Lula da Silva chegar ao seu final tendo cumprido as metas fiscais nos quatro anos. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, que será enviado ao Congresso Nacional até a próxima sexta-feira, vai apontar nessa direção. Tudo bonito no papel, mas uma “pegadinha do destino” aguarda Lula pouco depois do início da campanha eleitoral, disse à coluna o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Marcus Pestana.

No papel, a meta fiscal de 2026, um superávit equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), será alcançada porque o PLOA pode considerar integralmente as receitas esperadas com propostas que estejam em tramitação. Assim, será possível incluir nele os R$ 20,87 bilhões da Medida Provisória (MP) 1.303/2025, ainda que as discussões no Legislativo apontem para sua “desidratação”.

Da mesma forma, o PLOA considerará neutro, do ponto de vista da arrecadação, o Projeto de Lei (PL) 1.087/2025, que eleva o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil. Isso, a despeito de as compensações que equilibram a reforma serem alvo de resistências no Legislativo.

Assim, o PLOA de 2026 contará com receitas que podem não ocorrer. Além disso, há risco de as despesas crescerem acima do orçado. Por exemplo: a recente decisão do Congresso de enquadrar a fibromialgia como deficiência física pode elevar as requisições dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC), pagos a deficientes e idosos de baixa renda.

Dessa forma, a peça mostrará ser possível cumprir a meta em 2026. Mas, mesmo tendo alcançado os objetivos fiscais nos quatro anos, o governo seguirá criticado pela condução das contas públicas.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, explicou à coluna por que, na sua visão, isso ocorre.

“A forma que nós encontramos de equilibrar o Orçamento passou por promover justiça fiscal”, disse. O caminho foi cortar gastos tributários e cobrar de quem paga pouco, explicou. “Obviamente que, quando você faz isso, quem tem o privilégio reclama.”

Um segundo ponto de crítica é o crescimento das despesas obrigatórias. Não é um assunto totalmente resolvido ainda, admitiu. Para ele, trata-se de um processo que está em curso e que ganhou, com o arcabouço, um tempo para ser amadurecido. No momento, o governo pretende priorizar o corte de gastos tributários, informou.

O terceiro ponto é o crescimento da dívida, que “depende muito mais da taxa de juros do que do resultado primário”, avaliou. O resultado das contas públicas é um fator condicionante da dinâmica da dívida, mas sozinho não é capaz de estabilizá-la, argumentou. É preciso produzir superávits fiscais na casa de 1% a 2% do PIB, mas também é preciso que as taxas de juros convirjam para níveis mais próximos do padrão internacional, defendeu.

Hoje, a taxa neutra de juros está na casa dos 4,5% a 5%. No caso do Brasil, deveria ser somada à inflação, que é da ordem de 5%. Assim, uma taxa no padrão seria algo como 8,5%, e não os 15% atualmente fixados pelo Banco Central. “Então, temos um caminho para percorrer no primário e um caminho para percorrer na Selic”, comentou. “Se conseguirmos de maneira consistente ir entregando o fiscal, fica mais fácil também consistentemente trazer a Selic a um patamar mais baixo.”

Na visão do diretor da IFI, a política fiscal do governo é curto-prazista e focada em manter o arcabouço fiscal vivo até 2026. “Não tem nada mais ambicioso”, criticou.

“Eles vão tirar nota 10 com as regras atuais, mas vão continuar sendo criticados, porque há essa distância entre o mundo virtual das leis, das excepcionalizações, de se ancorar em receitas não recorrentes, e o mundo real que vê a insustentabilidade do atual regime fiscal”, avaliou. “Na vida real, todos os agentes econômicos relevantes, investidores, financiadores da dívida, compradores de título do Tesouro, agências de rating, líderes sindicais, empresários, todo mundo sabe fazer conta.”

E é aí que entra a pegadinha do destino.

Em agosto de 2026, quando a capital federal estará respirando campanha eleitoral, Lula precisará enviar ao Congresso o PLOA de 2027. Como o crescimento das despesas obrigatórias foi pouco atacado ao longo destes dois anos de meio de governo, a proposta mostrará um quadro em que praticamente não há espaço para despesas discricionárias. Motor dos palanques na campanha de 2010, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estará concentrado em saúde e educação, pois essas áreas têm recursos assegurados pela Constituição.

“Até no papel, vai ser difícil fechar a peça orçamentária”, comentou Pestana. “Então, essa questão vai ser explicitada, pelo menos parcialmente, antes das eleições.”

Pestana avaliou que o prometido ajuste estrutural das contas públicas vai se impor em 2027. “Não vai ser por boniteza, vai ser por precisão”, disse, citando a famosa frase de Guimarães Rosa sobre por que o sapo pula. “Se 100% do Orçamento vai ser obrigatório, para que eleger presidente?”

A ver o que Executivo e Legislativo serão capazes de produzir para contornar o quadro de estrangulamento orçamentário.

 

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