quinta-feira, 24 de junho de 2021

Roberto Freire* - Corrupção na gestão Bolsonaro exige investigação

Blog do Noblat /Metrópoles – 23/06/2021

É lugar comum dizer que CPI sabemos como começa, mas não como termina. Pois a da Covid, ou da Pandemia, para quem preferir, está diante do maior e mais grave escândalo de corrupção da nossa história. Pelo valor expressivo – ao menos R$ 500 milhões – e pelo resultado direto: a morte de milhares de brasileiros sem vacina.

Jair Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, que coordenava a área de importação do Ministério da Saúde, precisam explicar rapidinho por que uma empresa atravessadora, a Precisa, receberia tal valor para intermediar um negócio de R$ 1,6 bilhão no qual o próprio presidente se envolveu.

Por que Jair Bolsonaro pagou R$ 80,70 por uma vacina que custava R$ 7,20? Por que Jair Bolsonaro pagou mais de 1.000% a mais do que o real valor de uma vacina que sequer havia sido testada? Por que Jair Bolsonaro interferiu junto ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, por uma vacina que não estava disponível e era mais cara do que outras ofertadas ao Brasil?

Merval Pereira - Um cheiro de queimado

O Globo

 ‘Desovar’ é uma gíria brasileira que significa se livrar de alguma coisa que pode comprometer. Foi o que aconteceu ontem com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que pediu demissão no mesmo dia em que as investigações sobre a compra nebulosa da vacina indiana Covaxin começaram a ganhar uma dimensão política perigosa para o governo.

À noite, o governo reagiu com o anúncio, feito pelo ministro-chefe da Secretaria da Presidência, Onyx Lorenzoni, de que processará o deputado federal Luis Miranda por denunciação caluniosa e seu irmão Luis Ricardo, servidor do Ministério da Saúde, por prevaricação. As acusações são de que a dupla falsificou documentos e forjou denúncias sobre a compra da Covaxin com intenções criminosas, como sugeriu o ministro Lorenzoni.

O relato do governo responde a alguns pontos, rebatendo que Bolsonaro tenha mandado uma carta ao primeiro-ministro Modi pedindo especificamente a liberação da vacina Covaxin. A carta, na verdade, falava de outras vacinas, como a AstraZeneca, que também se utiliza de insumos da Índia. O documento que mostrava um pagamento adiantado da vacina existiu, mas foi, segundo Lorenzoni, alterado a pedido do próprio governo brasileiro. Também a presença do que seria uma empresa intermediária foi desmentida. Lorenzoni explicou que todas as compras de vacinas contaram com representantes das farmacêuticas no território brasileiro.

Mas outros pontos obscuros estão em aberto, e os membros da CPI estão convencidos de que há um esquema gigantesco de corrupção por trás dessa compra. Certamente, o deputado Luis Miranda e seu irmão mostrarão na CPI documentos para reafirmar suas acusações, e, agora rompido com o governo e ameaçado de processo, o deputado, que era um bolsonarista com acesso ao Palácio da Alvorada, transformou-se em inimigo do governo.

Malu Gaspar – O jogo mudou

- O Globo

Denúncia de corrupção na compra da Covaxin muda o jogo na CPI da Covid

Desde que a CPI da Covid começou, o que mais se ouve entre políticos, gestores de crise e até integrantes da própria comissão é que seria muito difícil as investigações mudarem a percepção da população a respeito de Jair Bolsonaro. “Quem já acha que Bolsonaro é genocida vai continuar achando, e quem gosta da gestão do presidente na Saúde vai continuar gostando”, sintetizou em abril um consultor de crise que estava enfurnado na CPI. Na opinião desse e de outros personagens, só uma variável seria capaz de alterar o rumo das coisas: “Se aparecer um caso de corrupção, o jogo muda”. Até ontem, essa era apenas mais uma tese entre tantas que se espalham nas conversas da corte. Não mais, porque a denúncia de corrupção apareceu.

Um servidor concursado do Ministério da Saúde, irmão de um deputado francamente bolsonarista, contou aos repórteres do GLOBO ter avisado o presidente da República de uma transação que reunia militares ligados ao ex-ministro Eduardo Pazuello e a lobistas de larga ficha corrida para a compra irregular de lotes da vacina indiana Covaxin. Se a negociata tivesse ido adiante, o possível prejuízo aos cofres públicos seria de R$ 222 milhões — algo em torno de cem rachadinhas do Queiroz.

Segundo o servidor público Luis Ricardo Miranda, os representantes da empresa Precisa, que importa a vacina indiana, queriam que o governo pagasse adiantado US$ 45 milhões no recebimento de 300 mil vacinas, quando o previsto no contrato eram 4 milhões de doses sem pagamento antecipado. Mas os documentos de importação mostravam que os lotes estavam muito perto da data do vencimento, o que impediria a aplicação da vacina em larga escala.

Míriam Leitão - Governo acuado ainda atira no país

O Globo

O governo terminou o dia envolvido num nebuloso caso de compra favorecida da vacina Covaxin e com Ricardo Salles tendo que se demitir para tentar fugir do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal. Era o retrato de uma administração desmontando. Mesmo assim, o projeto de demolição institucional continuou com a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de um projeto de lei que ameaça ferir de morte os direitos dos indígenas. O ministro Onyx Lorenzoni usou um versículo da Bíblia para definir os que se opõem à atual administração como sendo os “dominadores do mundo das trevas” e “forças do mal”. As palavras da Carta aos Efésios são boas, mas para definir o próprio governo.

O ministro Lorenzoni ameaça jogar céus e terra contra o servidor Luis Ricardo Miranda e o deputado Luis Miranda, que contaram ter avisado o presidente, em 20 de março, de pressões indevidas para a compra da Covaxin.

— Deputado Luis Miranda, Deus está vendo. Mas você não vai se entender só com Deus não. Vai se entender com a gente também, o senhor vai explicar e vai pagar — disse Onyx.

Em seguida, disse que os irmãos serão processados por produção de prova falsa e denunciação caluniosa. O relator da CPI, Renan Calheiros, disse que isso é coação de testemunhas e avisou que pode pedir a prisão do secretário-geral da Presidência.

Luiz Carlos Azedo - Salles teme ser preso

Correio Braziliense

O ministro Salles (Meio Ambiente) foi exonerado num dia de grande tensão no Palácio do Planalto, por causa das denúncias sobre a suposta compra irregular da vacina Covaxin

O presidente Jair Bolsonaro exonerou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ontem, e nomeou para o seu lugar o líder ruralista Joaquim Álvaro Pereira Leite. O novo ministro ocupava o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta, o que significa que não haverá mudança de rumo na política de desmonte da legislação ambiental e dos seus órgãos de controle e fiscalização. Para os ambientalistas, é mais uma raposa tomando conta do galinheiro. Na terça-feira, em solenidade no Palácio do Planalto, Bolsonaro elogiou o ministro: “Prezado Ricardo Salles, você faz parte da história. O casamento da Agricultura com o Meio Ambiente foi um casamento quase que perfeito. Parabéns, Ricardo Salles. Não é fácil ocupar seu ministério. Por vezes, a herança fica apenas uma penca de processos.”

A queda do ministro Salles já estava contratada, desde a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que colocou em xeque a política negacionista das mudanças climáticas e contrária à preservação da Amazônia do governo brasileiro. Salles fazia dobradinha com o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, que foi defenestrado em razão da guinada política do governo norte-americano, após a derrota do ex-presidente Donald Trump, no qual Bolsonaro se espelhava. Ambos se tornaram figuras ridículas na política internacional. Salles escandalizou a opinião pública após a divulgação de reunião ministerial, em 22 de abril do ano passado, na qual anunciou que pretendia aproveitar a pandemia de covid-19 para “ir passando a boiada” na área ambiental. Desde então, a situação de Salles tornou-se insustentável, embora tenha sido mantido no cargo pelo presidente da República até ontem.

Ricardo Noblat - 23 de junho de 2021, o dia que não terminou para Bolsonaro

Blog do Noblat / Metrópoles

A fogueira queima em homenagem a São João e pode esturricar o governo que se apresenta como o mais honesto da história do país

Como os séculos, os governos nem sempre começam ou terminam nas datas previstas no calendário gregoriano.

O século passado começou quando explodiu a primeira guerra mundial em julho de 1914, e terminou em 26 de dezembro de 1991 com a dissolução da União Soviética.

Este século começou com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 que derrubou as torres gêmeas de Nova Iorque.

Não havia governo Bolsonaro antes da pandemia, só um projeto de destruir o “sistema” para, mais tarde, construir outro. Não há governo depois de mais de 500 mil mortos pelo vírus.

De certo o que há é um desgoverno que tinha data marcada para chegar ao fim (31/12/2022), e que agora nem isso tem mais.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid-19, comentou com amigos que o governo está desmoronando. A conclusão parece precipitada.

Seria mais razoável dizer que o dia de ontem para o presidente acidental não terminou, e tudo indica que não terminará tão cedo.

O dia começou com Bolsonaro chamando de “pobres coitados” os que foram às ruas pedir o seu impeachment. Anoiteceu com Bolsonaro atingido por grave denúncia de corrupção.

William Waack - Bolsonaro e o abismo

O Estado de S. Paulo

Mesmo com a economia melhorando, a situação política é de grande incerteza

Se Jair Bolsonaro acha que está sendo cercado e cerceado, e se sente ameaçado, está mesmo. Do ponto de vista “estrutural” perdeu poder para o Legislativo (além de virar refém do Centrão) e foi manietado pelo Judiciário. Do ponto de vista das circunstâncias do cotidiano, está acuado pela evidência de que as ruas não são apenas dele. A CPI da pandemia mantém constante pressão política, gerando desgaste que o foco nos contratos da vacina indiana aumentaram perigosamente. 

A questão é saber como Bolsonaro pretende sair de uma situação que ele mesmo ajudou a criar. Até aqui ele tem dobrado a aposta em reiterar crenças absurdas (como a do tratamento precoce), falsidades (como o “documento” do TCU sobre exagero no número de mortos) e seu comportamento habitual de desprezo por instituições (como se aconselhar com charlatães e puxa sacos em detrimento das instâncias técnicas do Ministério da Saúde) e ataques à imprensa. 

José Serra* - Reformas à deriva

O Estado de S. Paulo

O País corre perigo quando mudanças institucionais passam por simples aventuras

O sistema político brasileiro requer lideranças empenhadas, sobretudo na Presidência, para a promoção de iniciativas que vão ao encontro do interesse público. O Congresso, por sua dinâmica interna, tende a favorecer interesses localizados e muito heterogêneos. A falta de coordenação e clareza de propósitos pode conduzir o processo legislativo a resultados frustrantes, quando não desastrosos. Vimos isso com a PEC Emergencial. O mesmo acaba de acontecer com a MP da Eletrobrás.

A proposta declarada de privatização da estatal ter-se-á transformado, ao fim de sua tramitação, numa colcha de retalhos na qual o Congresso, de maneira oblíqua e temerária, assumiu indevidamente o papel de planejador do sistema elétrico brasileiro. Como escreveram especialistas, a falta de liderança executiva para assegurar alguma coerência à proposta fez a privatização de uma estatal do setor ser transmutada numa intervenção parlamentar na política energética do País, visando interesses inconfessáveis. As consequências estão por vir.

Cabe lembrar que riscos idênticos cercam outra reforma muito relevante em tramitação: a administrativa, veiculada pela PEC n.º 32/2020, de autoria do Executivo. Na sua exposição de motivos são anunciadas as três grandes balizas da proposta: modernizar o Estado, conferindo maior dinamicidade, racionalidade e eficiência à sua atuação; aproximar o serviço público brasileiro da realidade do País; e, por fim, garantir condições orçamentárias e financeiras para a existência do Estado e para a prestação de serviços públicos de qualidade.

Cristiano Romero - Por que paramos de distribuir renda?

Valor Econômico

No Brasil, elites recebem mais do Estado do que os pobres

O país a que chamamos de Brasil convive com níveis extremos de desigualdade desde o início da colonização europeia. A escravidão, usada como fator de acumulação de capital por quase 400 anos, nunca nos deixou, o que explica o estranhamento das elites diante da maioria da população e seu desdém com a educação do povo, característica ausente na maioria das nações.

A história, estudada com profundidade, explica o caminho tomado por cada sociedade. Nenhum povo está fadado ao fracasso por razões culturais ou origem étnica. Onde há nação, isto é, nos países onde a maioria dos habitantes se reconhece no outro, na acepção mais ampla do que chamamos de cultura, é raro ver grupos minoritários se apropriando da maior parte das riquezas e impedindo o desenvolvimento humano das concidadãos.

O desafio maior das nações está nas Américas, onde o processo de colonização europeia se deu de forma violenta, por meio inclusive do extermínio dos antigos donos dos territórios. Acrescente-se a isso o modelo econômico baseado na acumulação de capital por meio da escravização de povos de um terceiro continente, a África.

É importante lembrar que os africanos escravizados foram sequestrados de suas nações. Eram pessoas que pertenciam a um universo cultural próprio, com suas línguas e costumes específicos, transformadas, da noite para o dia, em mão de obra gratuita, primeiro, das lavouras de cana de açúcar no Nordeste, depois, da atividade pecuária e do garimpo em Minas Gerais e, por fim, das plantações de café no Sudeste. Serviram também, claro, ao trabalho serviçal doméstico de famílias abastadas e à atividade, nunca remunerada, no comércio.

Maria Cristina Fernandes - A investida contra a Justiça Eleitoral

Valor Econômico

Com reforma do Código Eleitoral, aliados do presidente contra-atacam cerco da Justiça Eleitoral

Golpista que se preze não age sozinho. Tem aliados bem postos que pavimentam seu caminho. Aqueles que o presidente tem no Congresso não se limitam a mantê-lo no poder a despeito do contêiner de crimes de responsabilidade que Jair Bolsonaro carrega. Vão além. Minam as instituições capazes de contê-lo.

É isso que está em curso com a reforma do Código Eleitoral. Num momento em que o TSE tem uma bem bolada estratégia de cerco e começa a angariar no Congresso aliados contra o golpismo do presidente da República vem um contra-ataque com potencial para reconfigurar o apoio parlamentar contra a Justiça Eleitoral. Não há amadores em cena.

O cerco institucional começou pela peregrinação do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, contra o voto impresso, e não parou aí. Mobilizou o Ministério Público Eleitoral, que ajuizou representação contra a propaganda eleitoral antecipada em ato de entrega de títulos de propriedade rural no Pará, transmitido pela TV Brasil.

O cerco avançou com a portaria do corregedor-eleitoral do TSE, Luis Felipe Salomão, para que autoridades da República apresentem evidências de fraude nas eleições de 2018 e 2020. Estão citadas na portaria as acusações do presidente e de seus aliados de que ele teria sido eleito no primeiro turno não fosse a urna eletrônica.

Maria Hermínia Tavares* - Proposta golpista

Folha de S. Paulo

A PEC do voto impresso não visa aprimorar o processo eleitoral

“Aceitarei totalmente os resultados desta grande e histórica eleição, se eu ganhar.” A declaração, de um cinismo atroz, data de 2016. O autor, Donald Trump, afinal vitorioso. Mas a tirada ficaria bem na boca de seu fã alçado ao Planalto e decidido a ali permanecer a qualquer custo, pelo tempo que conseguir.

Eis porque, desinteressado das questões de governo e da sorte do país devastado pela pandemia, ele está em campanha permanente para se reeleger. Nessa empreitada, entre insultos à imprensa e ofensas aos adversários, quer o que nenhuma eleição democrática garante a candidato algum: a certeza da vitória.

Não é outro o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional 135/19, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL) —a PEC do voto impresso. A ideia é que cada voto eletrônico gere uma cédula física, a qual, conferida pelo eleitor, seja depositada em urna indevassável. Na realidade, trata-se de pôr sob suspeita a votação eletrônica e, por tabela, a confiança nos números apurados.

Democracias podem funcionar bem sob regras muito diferentes para traduzir as preferências dos eleitores em mandatos, para definir como se constitui o Executivo, e quais suas atribuições e limites frente ao Legislativo e ao Judiciário. São compatíveis com sistemas com muitos ou poucos partidos.

Bruno Boghossian – Risco duplo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro elimina Salles para abafar cheiro de corrupção no governo

Ricardo Salles sobreviveu a recordes de desmatamento, ao avanço do garimpo, às pressões do novo governo americano e à crise das queimadas na Amazônia. Colheu elogios do chefe e continuou tocando a boiada do desmonte da política ambiental. Ele só começou a perder espaço quando apareceu no centro de suspeitas de corrupção.

O ministro era um queridinho de Jair Bolsonaro porque cumpria uma dupla função: animava as bases radicais do governo com um discurso antiesquerda e atendia aos interesses de ruralistas, garimpeiros e madeireiros. Ainda que fosse uma peça política importante, Salles se tornava um problema cada vez maior, num momento delicado.

Ruy Castro - De luto contra Bolsonaro

Folha de S. Paulo

E se, num dia marcado, as pessoas apenas saírem às ruas ---qualquer rua--- vestidas de preto?

No dia 16 de agosto de 1992, um domingo, o Brasil saiu de preto às ruas para mostrar que tinha vergonha na cara. Dias antes, o presidente Fernando Collor, já carimbado por denúncias de corrupção, conclamara o “povo” a desfilar de verde-amarelo para defendê-lo. E por que não? Afinal, fora eleito com 35 milhões de votos, uma enormidade, e ainda se achava capaz de levar o país no grito. Em troca, o povo silenciou-o com suas roupas e bandeiras pretas em todas as cidades. Menos de dois meses depois, Collor deixou de existir.

Jair Bolsonaro é 505 mil vezes pior do que Collor. A palavra genocida, que só em casos excepcionais saía dos dicionários contra alguém, tornou-se seu sinônimo. E de uso tão corriqueiro que se arrisca a ficar insuficiente para definir o homem que, não só deixou que centenas de milhares morressem da Covid, como, sabe-se agora, desejou essas mortes —e debocha de quem as chora.

Vinicius Torres Freire – Ministério perde algumas aberrações

Folha de S. Paulo

Custo policial, judicial e político de manter certos ministros ficou alto até para Bolsonaro

As aberrações mais gritantes do ministério de Jair Bolsonaro estão no olho da rua. “Gritantes” em todos os sentidos da palavra. Ou seja, caíram as aberrações mais notórias, estridentes, destrutivas e, portanto, as mais capazes de açular as falanges bolsonaristas ou de satisfazer exigências concretas e ideológicas.

Bolsonaro ainda berra, como se pode ver na Saúde. Mas os efeitos colaterais e a fisionomia do seu governo mudam um tanto mais, o que já ocorrera na queda ou diminuição dos superministros, no pacto assumido com o centrão e no escanteamento dos generais.

Parte do programa de destruição do governo e do estado permanece. A propaganda terá de mudar de figura, algumas alianças se desmancham. Bolsonaro vai ter de caprichar mais, ele mesmo, na propagação de seu programa, talvez reforce o reacionarismo de outros ministros “ideológicos” e, quem sabe, até se beneficie das mudanças. É um parasita. Ataca “o sistema” e suga o resultado de algo que porventura funcione. Por exemplo, diz com sua cara-de-pau que é responsável pelas poucas vacinas que temos.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Barreiras invisíveis

Companheiro inseparável nesses dois anos de confinamento, o vôlei brasileiro venceu o Canadá, a Sérvia, a Itália, a Polônia, a Alemanha, a Holanda e a Argentina, lidera a Liga das Nações e se prepara para capitanear também as Olimpíadas, no Japão, daqui a um mês. Porém, não sai nada, nos jornais. Parece ignorado pela mídia impressa. Deve incomodar a muitos assinantes.

A supressão do noticiário sobre o vôlei ignora uma representação esportiva do Brasil que reúne alguns dos melhores atletas do mundo e, junto, o papel do cubano Yoandy Leal, naturalizado brasileiro. Dificilmente, sem ele, o Brasil teria alcançado aquelas primeiras posições no ranking. É invejável a dedicação de Leal à seleção do Brasil. Seu companheiro Leon preferiu ser polonês.  

O reconhecimento do papel de Leal passa por outro naturalizado, o sérvio Dejan Petkovic, que, nos anos 2000/2001, ajudou o Flamengo a ganhar o Campeonato Brasileiro de Futebol. Em geral, fazem opção pela naturalização migrantes exilados, evadidos, expulsos, criminosos e pessoas que buscam “uma terra na qual emana leite e mel”, como prometia Moisés.

Não sei se Leal e Petkovic são capazes de cantar o Hino Nacional ou se reconhecem, como sua, a bandeira brasileira. Não é um mal em si, mas uma questão de raízes, da condição humana. Estefan Zweig, o escritor austríaco, aparentemente adaptado ao jeito dos brasileiros, inventor da expressão “País do Futuro”, mesmo depois de dez anos por aqui, terminou suicidando-se, ao conviver com a angústia da perda da nacionalidade de origem, após a anexação nazista da Áustria.

Ora, desde que Dom João VI resolveu também branquear os brasileiros (como os argentinos, de Sarmiento e Martinez), o Brasil recebeu levas de imigrantes europeus, que fincaram raízes aqui, a maioria por força de uma legislação autoritária.  A naturalização não é algo fácil de ser absorvida. Perde-se a relação com terra e com a cultura de origem e, supostamente, despede-se das raízes de nascença.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Grave suspeita

Folha de S. Paulo

São muitas as dúvidas sobre a lisura da compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro

Como se não fosse desastrosa o bastante a atuação do governo Jair Bolsonaro na busca de vacinas contra a Covid-19, às evidências de incúria somam-se agora suspeitas quanto à lisura do processo, em particular na compra do imunizante indiano Covaxin.

Os sinais de alerta começam pelos preços. Pelo contrato, assinado em fevereiro, o governo brasileiro pagaria US$ 15 por dose da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, numa operação que envolveria 20 milhões de doses e totalizaria R$ 1,61 bilhão.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, houve encarecimento de 1.000% ante o valor anunciado pelo fabricante seis meses antes.

O imunizante é o mais caro dos seis que o Executivo federal contratou. O da Pfizer, que se vale de uma tecnologia muito mais avançada do que a empregada na Covaxin, saiu por US$ 10 a dose. O produto indiano só foi aprovado pela Anvisa no último dia 4, após uma rejeição e com ressalvas de uso.

Ao contrário do que ocorre com as vacinas ocidentais, não há muitos trabalhos sobre a eficácia/efetividade da Covaxin publicados em periódicos com revisão por pares.

Outro detalhe inquietante é que ela, ao contrário de todas as outras vacinas compradas pelo Brasil, que foram negociadas diretamente com o laboratório, foi adquirida por meio de um representante, a Precisa Medicamentos.

Poesia | Fernando Pessoa - Tabacaria (Narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Elba Ramalho - São João de Campina Grande(2019)

 

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Opinião do dia - Fernando Henrique Cardoso*

A onda regressiva é forte, mas como toda onda, vai e vem.

Quem se aventuraria hoje a prever como será o mundo pós-pandemia?

“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é transformá-lo.” Há que reformular o famoso apelo de Karl Marx. Hoje, mais do que nunca, é imperativo interpretar o mundo para que ele possa ser transformado. Sem esse esforço intelectual não seremos capazes de enfrentar o desafio sem precedentes de revitalizar e reinventar a democracia.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. “Um intelectual na política (Memorias)“, p. 251. Companhia das Letras, 2021.

Vera Magalhães - Centrão fechado com Bolsonaro?

- O Globo

O Centrão, quem diria, vai vivendo um relacionamento monogâmico e estável com um presidente em crise de popularidade. Nas relações anteriores, ao primeiro sinal de turbulência, aquela miscelânea de partidos com figuras proeminentes da velha política já fazia as malas e ia procurar outro amor.

Por que, então, figuras total flex, que rodam com combustível do PT ao PSL, como Arthur Lira, Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Fernando Bezerra Coelho estão “fechados com Bolsonaro”, como diz a hashtag?

A principal chave para entender tanta fidelidade se chama Orçamento Geral da União. Foi só quando desenvolveu a engenharia que dá a parlamentares aliados o acesso sem intermediário a gordas fatias desse bolo, com direito a contemplar diretamente bases aliadas e até empresas amigas, que o presidente passou a ser blindado contra qualquer intempérie aos olhos do Centrão, de CPI a pedidos de impeachment.

Em entrevista ao GLOBO, Lira nem tentou disfarçar: minimizou as mortes pela pandemia, exagerou no otimismo com a economia, tudo para dizer, no fim, que o que falta para que ele decida deixar andar algum processo de impeachment são circunstâncias políticas. Em bom português, enquanto houver emenda não tem tempo ruim.

Rosângela Bittar - Suicídio anunciado

O Estado de S. Paulo

O golpe prometido por Jair Bolsonaro ganhou o absurdo suporte da Câmara e do Senado

O golpe prometido e descrito por Jair Bolsonaro como forma violenta de manter-se no poder, ao fim do atual mandato, ganhou um absurdo suporte institucional da Câmara e do Senado

As providências em gestação estão aceleradas. Certamente convencido de que não se reelegerá, Bolsonaro já anunciou que vai recusar o resultado das eleições. Para disfarçar, armou um pretexto. Exige do Congresso a criação do voto impresso, seu instrumento para contestar o resultado. Se não lhe derem o que quer, ameaça com a convulsão social

A Câmara do deputado Arthur Lira avança para atendê-lo. Uma contribuição ao tumulto ampliada pela adesão do Senado do senador Rodrigo Pacheco

O arcabouço normativo do golpe vem cheio de disfarces e encontra abrigo na manobra diversionista da ampla reforma político-eleitoral. Em entrevista ao Estadão, o cientista político Jairo Nicolau lembrou que esta proposta só poderia ser feita por uma Constituinte, tal seu alcance e profundidade. Mas Lira a está fazendo à sua maneira provinciana. Produz um terremoto a partir da cooptação onerosa de ampla maioria dos deputados. Sem discussão, vai empurrando suas causas. 

Luiz Felipe D’Avila* - Brasil, uma democracia em perigo

O Estado de S. Paulo

A única saída é um candidato democrata capaz de vencer Lula e Bolsonaro nas urnas

A eleição presidencial do próximo ano será a mais importante desde a redemocratização do Brasil em 1985. Estará em jogo não apenas a escolha dos governantes, mas o futuro da própria democracia. A perpetuação do populismo poderá pôr em risco a existência do sistema democrático. Tanto o lulopetismo como o bolsonarismo provaram ser tóxicos para a democracia. Ambos buscam transformar os seus líderes em mitos acima da lei e das críticas. Por isso atacam a liberdade de imprensa, o Congresso, o Judiciário e acirram a polarização política. Tampouco demonstram constrangimento ético e político para aparelhar o Estado e usar o poder para perseguir adversários políticos, proteger seus familiares e distribuir benefícios para comprar apoio político. Suas atitudes contribuíram para a radicalização do discurso político entre “nós e eles”, a polarização da sociedade e a corrosão do tecido da civilidade, da tolerância e do respeito aos valores essenciais para o bom funcionamento da democracia.

A 15 meses das eleições presidenciais, Bolsonaro vem sistematicamente esgarçando o tecido das nossas instituições democráticas. Há três sinais preocupantes.

Primeiro, o discurso golpista da “fraude eleitoral”. Apesar de termos um dos melhores e mais seguros sistemas eleitorais do mundo, que vigora há 25 anos sem nenhuma denúncia comprovada de fraude, Bolsonaro questiona a legitimidade das eleições e exige a volta do voto impresso. O interesse do presidente é fomentar suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral para invalidar o veredicto do eleitor em caso de sua derrota eleitoral. “Só Deus me tira do poder”, disse o presidente.

Bernardo Mello Franco - Terrivelmente bolsonarista

O Globo

O pastor está mais próximo de vestir a toga de juiz. Na sexta passada, Jair Bolsonaro levou André Mendonça a um templo da Assembleia de Deus. No púlpito, sugeriu que ele ocupará a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal.

 “Nós indicaremos um evangélico para que o Senado aceite o seu nome e encaminhe para o Supremo um irmão nosso em Cristo”, disse o presidente. A plateia explodiu em “aleluias”, e o advogado-geral da União deu um novo passo rumo ao olimpo do Judiciário.

A nomeação de um ministro “terrivelmente evangélico” é música para os ouvidos da bancada da Bíblia. O presidente já mantém três pastores no primeiro escalão do governo. Agora promete transferir um deles para a cadeira do decano Marco Aurélio Mello, que se aposenta em julho.

O lobby religioso sempre quis ter um porta-voz no Supremo. Na última década, a Corte reconheceu o direito à união homoafetiva, permitiu o aborto de anencéfalos e criminalizou a homofobia. Um “irmão nosso” assumiria com o compromisso de travar outras pautas progressistas.

Elio Gaspari - Ouçam Tasso Jereissati

Folha de S. Paulo / O Globo

Manifestações políticas de militares e destemperos de Bolsonaro devem se repetir, daí só trincando os dentes

Em janeiro, quando os mortos da pandemia já passavam de 200 mil, olhando para a eleição do ano que vem, o senador Tasso Jereissati avisou: “As instituições precisam ser fortes, trincar os dentes”.

De lá para cá, Jair Bolsonaro continuou defendendo a cloroquina, combatendo o isolamento e as máscaras. Os mortos chegaram a meio milhão e, na segunda-feira, o presidente teve seu momento de destempero em Guaratinguetá (SP).

Coisa parecida só aconteceu em 1979, quando o general João Figueiredo saiu do palácio do Governo de Santa Catarina e foi para a rua, tentando sair no braço com manifestantes que o hostilizavam. (Na ocasião, autoridades presentes e mesmo integrantes de sua comitiva entenderam que ele estava com um parafuso solto.)

Todo mundo precisa trincar os dentes, porque vem por aí um ano que testará o Brasil. A cena de Guaratinguetá, antecipada em inúmeras ocasiões, haverá de se repetir, como sucedia nos Estados Unidos com Donald Trump. As instituições americanas funcionaram, e desde que ele foi para a Flórida, o mundo e o país se tornaram mais calmos e seguros.

Bolsonaro destempera-se com adversários e desentende-se com correligionários. Pouco a ver com os dois ministros da Saúde que dispensou em circunstâncias macabras. Rifou Gustavo Bebianno que se juntou a ele quando os bolsonaristas cabiam numa kombi. Dispensou o general da reserva Santos Cruz, que lhe deu apoio quando ele era visto na hierarquia como um capitão indisciplinado. O mesmo aconteceu com o vice-presidente, Hamilton Mourão, que entrou na chapa supondo que viria a ser um parceiro.

Luiz Carlos Azedo - Flagrantes do darwinismo social

Correio Braziliense

A ideia de que ‘os mais fracos morrerão’ está por trás da teoria da imunização de rebanho; de igual maneira, a tese eugenista de que ‘os índios precisam ser civilizados’”

O que há entre o depoimento do deputado Osmar Terra (MDB-RS) na CPI da Covid no Senado e o confronto entre índios e forças policiais na Câmara dos Deputados? Por trás dos dois episódios, existe um darwinismo social muito perigoso, porque afronta os valores civilizatórios e os direitos humanos. Terra disfarça, mas continua sustentando a tese da imunização de rebanho, que até agora orienta a estratégia do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia do novo coronavírus; o episódio da Câmara desnuda o caráter eugenista da agenda governista “vamos passar a boiada” nas terras indígenas, encampada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra é médico e sempre foi bem conceituado entre os parlamentares da Frente da Saúde, mas, no governo Bolsonaro, assumiu posições cada vez mais criticadas por seus colegas médicos da área de saúde pública. Ontem, reiterou as posições que pautam o presidente da República: criticou o lockdown, culpou os governadores pelas mais de 500 mil mortes registradas desde o início da pandemia, disse que o contágio acontece dentro das casas das famílias e que “o vírus vivo provoca mais anticorpos do que o vírus morto”, ou seja, que as pessoas infectadas estão mais protegidas do que as vacinadas. Mais imunização de rebanho, impossível!

Ricardo Noblat - Depoimento dos irmãos Miranda baterá recorde de audiência da CPI

Blog do Noblat / Metrópoles

A história esquisita da compra superfaturada da vacina indiana contra a Covid-19 que não chegou ao Brasil até hoje

“Filhos da pátria”, berrou ao telefone, ontem à tarde, o presidente Jair Bolsonaro, ao saber que senadores da cúpula da CPI da Covid-19 pretendem convocar para depor nesta sexta-feira os irmãos Luís Miranda, deputado federal pelo DEM do Distrito Federal, e Luís Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde.

(Não foi bem “filhos da pátria” o que berrou Bolsonaro, e ouviu acidentalmente um funcionário do Palácio do Planalto. Foi outra coisa parecida com isso. E não foi um reles funcionário do palácio que ouviu, muito menos por acidente. Foi o graduado titular de um dos gabinetes próximos ao do presidente.)

Lázaro Torres, o serial killer, está no mato repleto de cachorros à sua caça, alguns deles, por seu apurado faro, importados de outros Estados. Bolsonaro parece estar no mato sem cachorro desde que os irmãos Miranda decidiram contar à CPI o que sabem sobre a compra da vacina indiana Covaxin.

Em depoimento ao Ministério Público Federal, Luís Ricardo Fernandes disse que o governo fez pressão para a compra da vacina indiana e para favorecer a Precisa Medicamentos, empresa que intermediou a compra. Ao jornal O Estado de S. Paulo, Luís Miranda, o deputado, disse que seu irmão chegou a ser demitido.

“Situação esdrúxula. Absurdo o que estavam tentando fazer. Era grave a situação”, disse Miranda. O governo fechou o contrato de compra da vacina por um preço 1.000% maior do que o anunciado pela fabricante seis meses antes. Miranda procurou o então ministro Eduardo Pazuello para reverter a demissão do irmão.

José Nêumanne* - Só descontentes na rua podem tornar Jair Jail

O Estado de S. Paulo

Mundo prova que Bolsonaro erra e aqui já há quem se habilite a nos livrar de seu jugo

A primavera despediu-se de Budapeste sábado com a Arena Puskas lotada por 60 mil torcedores presentes ao jogo da Eurocopa entre Hungria e Itália. O verão começou domingo no Hemisfério Norte com festa de rostos nus e abraços comovidos na manhã ensolarada de Nova York. Ali, com 70% da população imunizada, a vitória do time de basquetebol Brooklyn Nets foi comemorada em seu ginásio também lotado. A Hungria foi o primeiro país da União Europeia a vacinar e imunizou metade de seu povo, mesmo sendo o primeiro-ministro Viktor Orbán de extrema direita e venerado pela famiglia Bolsonaro. A vacinação nos Estados Unidos começou sob Donald Trump, herói da contemporânea capitania hereditária tupiniquim, e o presidente Joe Biden, Zé Gotinha ianque, deu por findas as restrições sanitárias na estreia desta estação.

O Brasil acompanha todas as provas da eficácia da imunização de longe pela televisão. Essa é uma das causas do negro humor necrófilo do presidente Jair (ou Jail, cadeia em inglês, destaca cartaz exibido em Londres no fim de semana), o charlatão-mor da pílula do câncer e da cloroquina. No fim de semana, antes de o inverno chegar abaixo do Equador, o mundo soube que sua indiferença contribuiu de forma inelutável para a marca tétrica de meio milhão de mortos pela pandemia de covid-19 nestes cada vez mais tristes trópicos. “Agora é o inverno de nosso descontentamento”, previu o britânico William Shakespeare no último decênio do século 16, na abertura da tragédia Ricardo III. O verso foi usado como título de um romance do norte-americano John Steinbeck em 1961, um ano antes de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. O protagonista é um balconista de origem nobre que negligencia valores morais numa sociedade corrupta.

Fernando Exman - Um olho na rua e o outro em Bolsonaro

Valor Econômico

Maior vacinação pode aumentar adesão a protestos

Parlamentares independentes e de oposição estão otimistas com o que consideram uma oportunidade de ouro para confrontar o governo de um presidente que sempre gostou de agir como se fosse onipresente, onipotente e onisciente.

Não que estejam dadas as circunstâncias necessárias para a interrupção do mandato do presidente Bolsonaro. Mas, acreditam, Jair Messias vive seu pior momento.

A pandemia está longe de ficar sob controle. A aposta na retomada da economia, com o aumento de gastos sociais e investimentos públicos, pode esbarrar em dificuldades para a execução dos orçamentos deste ano e de 2022. No Senado, a CPI da Covid tende a radicalizar. Os requerimentos governistas terão pouca aceitação da maioria. E na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) precisará ter paciência: crescerão as cobranças para que analise os pedidos de impeachment acumulados sobre o seu escaninho.

Roberto DaMatta - A patologia nacional

O Globo / O Estado de S. Paulo

Se não existe sociedade perfeita — como adverte Claude Lévi-Strauss —, é necessário entender nossas doenças. E, se é bíblico jogar pedras nos outros, foi preciso um presidente com a compulsão de jogar pedras em todo mundo para que ele acabasse com a cabeça quebrada pelo meio milhão de mortos, vítimas da sua política de sabotar vacinas.

Tudo o que vai volta. A horrível experiência de Bolsonaro é a responsabilização por um boicote orquestrado e criminoso às vacinas. Se a antropologia social não é muito animadora quando confirma que toda coletividade tem problemas, ela mostra que não há sistema fundado na mentira, na malandragem, na má-fé e no negacionismo.

Do mesmo modo que as sociedades humanas (tribais ou nacionais) demandam território, elas exigem coerência moral. Não há como combinar democracia com hipocrisia e com uma rejeição absurda de uma doença por um governo federal que, eleito com o compromisso de acabar com a velha política, hoje sucumbe pela patologia de um cancro conhecido pelo nome de despotismo. Jair Bolsonaro foi feito presidente para cumprir um programa democrático que seu atávico familismo tem ostensivamente negado. A tragédia é a morte de mais de 500 mil pessoas por uma pandemia claramente sabotada.

Não há sistema sem trocas. Mas convenhamos que comprar e vender seres humanos — que, no regime escravocrata, viravam máquinas e animais e eram governados pela lógica do capital — é um irrefutável negacionismo. No Brasil, o negacionismo dos costumes legitimou um estilo de vida que combinou — como disse um FH sociólogo — capitalismo e escravidão, ambos legitimados por um catolicismo romano oficializado.

Tal dissonância foi orquestrada, mas não deixou de ser algo incômodo no passado (Joaquim Nabuco e Machado de Assis testemunham tal aberração), e seus restos e rastros são hoje algo vergonhoso, porque negar o real é mais que um erro; é algo impensável, abusivo e, no limite, psicótico.

Bruno Boghossian - Lobby e negligência

Folha de S. Paulo

Negociação da Covaxin desmonta linha de defesa de Bolsonaro

Para não comprar vacinas, Jair Bolsonaro reclamou do preço da Coronavac, levantou suspeitas sobre interesses estrangeiros na imunização, desdenhou do número de doses prometidas pela Pfizer e usou a Anvisa como pretexto para a própria omissão naquelas negociações.

O presidente adotou essas desculpas esfarrapadas para se proteger das acusações de que rejeitou a vacina e apostou na contaminação em massa dos brasileiros. A negociação a jato do contrato de R$ 1,6 bilhão para a compra da Covaxin, no entanto, desmonta sua linha de defesa.

O governo pagou mais pela vacina do laboratório indiano Bharat Biotech do que por qualquer outro imunizante. Em novembro, Bolsonaro criava obstáculos para a compra da Coronavac ao dizer que não pagaria qualquer preço por ela. A dose da vacina chinesa custou ao país R$ 58, enquanto a Covaxin saiu por R$ 80.

Hélio Schwartsman - Arrancada vacinal

Folha de S. Paulo

A ciência fez milagre ao nos proporcionar tantas vacinas em tão curto de tempo, e é nossa obrigação agora aplicá-las rapidamente e derrotar a pandemia

Apesar de falhas esporádicas, como a que acabamos de ver em algumas capitais, faz sentido a diretriz para que os gestores vacinem com a primeira dose o maior número de pessoas o mais rápido possível. No caso dos imunizantes da AstraZeneca e da Pfizer, a primeira dose já oferece algum nível de proteção.

Para seguir essa diretriz, os gestores têm de operar com estoques de vacinas reduzidos e devem ampliar o intervalo entre as doses da AstraZeneca e da Pfizer de três ou quatro semanas, conforme previam as bulas originais, para três meses. No caso da AstraZeneca, há um trabalho sugerindo que o intervalo mais dilatado entre as inoculações amplia a eficácia do fármaco.

Há, é claro, riscos. Para que a estratégia funcione, é preciso, antes de mais nada, que não ocorram rupturas no calendário de entrega dos imunizantes. Ajudaria também se o presidente Jair Bolsonaro e parentalha não falassem mal dos chineses, o que costuma provocar atrasos no despacho dos IFAs.