quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Cristovam Buarque* - Até o racismo acabar

Correio Braziliense

De nossos 500 anos, 350 foram sob sistema escravocrata. As consequências foram trágicas para a saúde econômica, social, política e cultural do Brasil. Somos um país formado, forjado e viciado no sistema escravocrata, dividindo a sociedade entre pessoas incluídas e excluídas, estas até hoje identificadas com a raça negra. Mesmo a decisão de abolir o sistema escravocrata não eliminou o preconceito contra nossos compatriotas negros. Quando se observa o tratamento dado aos trabalhadores pobres e o racismo que se mantém 133 anos depois da Abolição, o Brasil é um país de escravismo ainda não superado totalmente. Os séculos consolidaram o preconceito e formaram o racismo. 

A principal causa vem da desigualdade como a educação de base é oferecida no Brasil conforme a renda da família, e ao fato de que muitas das famílias de baixa renda são negras. A escola das classes média e alta é diferente da escola dos pobres e, em consequência, a escola dos brancos é diferente da escola dos negros. O sistema escolar brasileiro segrega brancos dos negros, por força da desigualdade na renda, salvo raros destes que ascenderam economicamente e não são mais recusados nas escolas da elite. Apesar das leis que tentam quebrá-lo, o preconceito cresce porque as raças não se misturam em escolas de qualidade. 

Vera Magalhães - Lulalckmin 2022?

O Globo

O surgimento de criaturas exóticas em eleições nas últimas décadas tem se tornado tão rápido quanto o de variantes do novo coronavírus.

Esses transgênicos que aparecem a cada quatro anos podem resultar ou não em vitórias nas urnas, mas geralmente são renegados por seus doutores Frankenstein logo em seguida ao experimento.

Lulécio, Bolsodoria, Dilmasia, as combinações políticas são tão desprovidas de sentido quanto o resultado linguístico das aproximações.

Agora, quando começam a esquentar as especulações para 2022, um novo ser de proveta vai sendo gestado: o Lulalckmin.

Representantes do que pode haver de mais distante no pensamento político e nas práticas de governo nas últimas décadas, o ex-presidente Lula e o ex-governador de São Paulo pelo PSDB Geraldo Alckmin ensaiam uma chapa presidencial.

O que pegou muitos aliados de ambos de surpresa vai avançando à base de muito constrangimento e desculpa dos dois lados para negar o passado de pesadas críticas recíprocas e até o confronto direto entre ambos na campanha de 2006.

Na ocasião, Alckmin sentou a pua na corrupção petista revelada um ano antes nos escândalos do mensalão, da casa do lobby de Palocci e dos aloprados com dinheiro vivo em sacos para atingir José Serra — tucano como o próprio Alckmin.

Bernardo Mello Franco - No altar com Valdemar

O Globo

Jair Bolsonaro consumou, enfim, o casamento com o PL. É seu nono partido em três décadas na política. O presidente subiu ao altar com o chefão da sigla, Valdemar Costa Neto. “Não seremos marido e mulher. Mas seremos uma família”, derramou-se.

O enlace foi celebrado por Marco Feliciano, dublê de deputado e pastor evangélico. Na oração de abertura, ele disse que o país “já sofreu muito e agora começa a sair do lamaçal”. Não se referia a Jacinto Lamas, o ex-tesoureiro do PL condenado no julgamento do mensalão.

Preso no mesmo escândalo, Valdemar cumpriu pena na Papuda. Ontem alugou um auditório a 20 quilômetros do presídio para trocar alianças com o capitão. Em eleições passadas, o mensaleiro investiu em personagens folclóricos como Clodovil e Tiririca. Agora aposta em Bolsonaro como puxador de votos em 2022.

Ao se unir ao dono do PL, o presidente selou o matrimônio com o Centrão, que já mandava na Casa Civil e na área social do governo. Na campanha de 2018, ele definiu o grupo como “a nata do que há de pior”. Três anos depois, disse sentir-se em casa com a turma. “Eu vim do meio de vocês”, cortejou. O general Augusto Heleno, que cantava “Se gritar pega Centrão”, desta vez poupou a voz. Participou da solenidade, mas dispensou o microfone.

Luiz Carlos Azedo - Filiação de Bolsonaro ao PL pôs a ética em segundo plano

Correio Braziliense

A criação do Auxílio Brasil foi tratada como eixo da campanha de reeleição. O novo programa de transferência de renda do governo entra no lugar do Bolsa Família

Ao lado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, dono da legenda, o presidente Jair Bolsonaro formalizou, ontem, sua filiação ao PL, em ato que reuniu todas as lideranças do Centrão e consolidou sua base parlamentar,  além de fortalecer sua campanha nos estados do Norte e do Nordeste, principalmente. O grande constrangimento na festa, porém, foi causado pelo senador Flávio Bolsonaro (RJ), que também se filiou à legenda. Ao discursar, o filho 01 chamou de ex-presidiário o ex-presidente Luiz Inácio Lula de Silva, principal concorrente do pai, segundo as pesquisas. Acontece que Costa Neto também é um ex-presidiário, com a diferença de que suas condenações não foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Elio Gaspari - O ativismo do crime na Amazônia

Folha de S. Paulo / O Globo

O narcogarimpo no rio Madeira expôs a ausência do Estado

As balsas do rio Madeira mostraram o tamanho do prejuízo que os agrotrogloditas, piromaníacos e negacionistas estão impondo ao Brasil.

Primeiro cercearam as atividades dos fiscais do Ibama para atender aos desmatadores. Depois, tratou-se de sedar a Funai para permitir a invasão das terras indígenas.

Nos dois casos, sempre aparecia alguém com argumentos marotos para defender a ação dos delinquentes. As balsas do rio Madeira e a articulação desse garimpo com a lavagem de dinheiro e o narcotráfico expuseram o resultado da ausência do Estado na região.

Desde o século 17 foi a ação do Estado, no muque, quem estimulou e manteve a soberania de Portugal e do Brasil sobre o vale amazônico. (Pela linha do Tratado de Tordesilhas, Portugal só tinha direito às terras a leste da foz do rio.)

As maiores potências da época, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, tinham um pé na Amazônia. Do Marquês de Pombal e Alexandre de Gusmão ao Barão do Rio Branco, brasileiros os mantiveram longe.
Por mais que se imaginem conspirações, hoje nenhum país está de olho na Amazônia.

Zeina Latif - A lei do superendividamento na contramão

O Globo

Medidas para evitar são meritórias, mas a lei representa uma intervenção excessiva no mercado de crédito

Crédito é assunto sério. Trata-se de um importante motor da economia, sendo um dos principais canais de atuação da política monetária do Banco Central sobre a atividade econômica. Não à toa, é elevada a correlação entre a concessão de crédito à pessoa física e o crescimento do PIB.

Além disso, o crédito impacta o bem-estar dos indivíduos ao permitir a antecipação de consumo e o socorro diante de contingências. Por outro lado, excessos precisam ser evitados, pois produzem ciclo econômico mais acidentado e o sofrimento de devedores. Todo cuidado é pouco nas políticas direcionadas ao mercado de crédito.

Fernando Exman - Caminhos cruzados na terceira via

Valor Econômico

PSDB e Podemos precisarão conversar sobre projeto comum

No dia 19 de outubro, quando “O Globo” e Valor realizaram o primeiro debate das prévias tucanas, a presidente do Podemos, Renata Abreu, fez questão de ir ao Rio de Janeiro acompanhar o evento.

Antes de entrar no auditório, disse que esperava ver um debate "equilibrado", que assegurasse não só a união interna do próprio PSDB, mas também a construção de pontes com outros partidos que buscavam consolidar uma terceira via, como o próprio Podemos. “Estamos todos trabalhando para viabilizar uma terceira via, que não pode se digladiar. Espero que tenha muito respeito não só aqui, mas depois também, nos debates que ocorrerão entre os candidatos de centro”, afirmou.

Um desafio e tanto. Naquele dia, sim, correu tudo bem. Deu-se de forma polida a interação entre o governador de São Paulo, João Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Mas, o ambiente dentro do PSDB foi se deteriorando.

Tiago Cavalcanti* - O desenho de ações afirmativas

Valor Econômico

As ações afirmativas melhoraram a diversidade sem efeitos negativos na eficiência e alocação de talentos

No artigo do mês passado neste Valor Econômico, escrevi que a meritocracia não é inconsistente com o aumento da diversidade. Mencionei o exemplo da admissão de mulheres nos colleges da Universidade de Cambridge em meados do século passado e o aumento da participação feminina e de negros em várias ocupações nos Estados Unidos. Esses aumentos foram acompanhados de melhorias na produtividade do trabalho americano, como vários estudos demonstram.

Certamente, o fortalecimento da oferta de educação e saúde à população carente, desde a primeira infância até o final do ensino médio, são essenciais para combatermos as desigualdades de oportunidades e promovermos a diversidade. Há inúmeras iniciativas no Brasil e no mundo de políticas que funcionam em relação à educação e saúde. É o papel de um bom gestor público estudar as experiências e procurar implementar ações de comprovado sucesso, levando em conta as restrições locais.

No entanto, o retorno do investimento em capital humano não é imediato e, portanto, ações afirmativas têm um papel decisivo em influenciar a diversidade no curto prazo. Tais iniciativas cumprem com o objetivo de promover a ascensão de indivíduos marginalizados e com isso diminuir vieses no longo prazo, já que a convivência de grupos diversos pode amenizar o preconceito estrutural.

Daniel Rittner - Perdas bilionárias nos trens e metrôs

Valor Econômico

Algumas empresas não conseguem reequilibrar seus contatos e veem a recuperação total da demanda cada vez mais longe no calendário

As operadoras de metrôs e trens urbanos alcançaram em outubro o maior índice de recuperação de passageiros perdidos ao longo da pandemia. O número de usuários transportados em dias úteis representou 74% da quantidade registrada antes das medidas de distanciamento social. Há seis meses, ainda durante a segunda onda de covid-19 no Brasil, esse indicador estava em 52%.

Essa é a notícia boa no setor. Agora a ruim: as operadoras acumulam perdas tarifárias (diferença entre bilhetagem esperada e efetivamente verificada) de R$ 15 bilhões desde o início da pandemia, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). Algumas empresas não conseguem reequilibrar seus contatos e veem a recuperação total da demanda cada vez mais longe no calendário, por causa do trabalho remoto e da crise econômica. O projeto de lei que prevê um novo marco legal para o transporte público, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), pode ajudar. Mas está sem sinais de avanço.

Fernando Canzian – Explicar o que deu certo

Folha de S. Paulo

Com agenda ultraconservadora em um país macunaímico e discurso antipolítica que acabou no centrão, Jair Bolsonaro jamais unificou políticos e sociedade em torno de um projeto que oferecesse recompensa econômica para a maioria.

Assim, grupos de interesse arraigados trataram de proteger o que é seu. Parlamentares e seus bilhões em emendas; funcionalismo com altos salários contra a reforma administrativa; empresas e setores em posse de R$ 300 bilhões anuais em subsídios tributários; entre outros.

A pandemia atrapalhou, mas a engrenagem ruim construída por Bolsonaro —com aparelhamento tosco e ideológico em educação, saúde e meio ambiente— dificilmente produziria um país melhor. Falta um tempo ainda, mas o pesadelo pode estar chegando ao fim.

Bruno Boghossian - Carro de som turbinado

Folha de S. Paulo

Presidente pretende aproveitar verba e espaço na TV para reviver fórmula infame da última campanha

Jair Bolsonaro alugou um carro de som turbinado para sua campanha à reeleição. No discurso de filiação ao PL, o presidente mostrou que pretende usar a verba do partido, o espaço na TV e os palanques nos estados para repetir a fórmula infame que explorou na disputa de 2018.

Aquele deputado do baixo clero não escondia sua agenda. Candidato por uma sigla nanica, Bolsonaro citava planos para reduzir a proteção ambiental, prometia uma abordagem ultraconservadora na educação e agitava o fantasma do socialismo para amedrontar eleitores. Agora, ele quer uma máquina partidária maior para repetir a dose.

Ao lado do anfitrião Valdemar Costa Neto, o presidente pediu apoio da plateia do centrão para que o Congresso revogue decretos ambientais e facilite a abertura de resorts em áreas preservadas de Angra dos Reis (RJ). Reclamou das leis brasileiras e disse que elas protegem "de forma excessiva" a região amazônica.

Mariliz Pereira Jorge - O noivinho do centrão

Folha de S. Paulo

O instinto de sobrevivência fez Jair correr para os braços do centrão

Enfim, unidos. Depois de um longo namoro, idas e vindas, tapas e beijos, troca de galanteios públicos, presentes às custas do cidadão brasileiro, saiu o casamento mais provável do ano eleitoral, do Jair com o centrão. E tem gente que não acredita em almas gêmeas. Mas a vida —e a política—, essa danada, tratou de celebrar o "feitos um para o outro". Juntou o fisiologismo ao desespero pelo poder.

O amor —e a política— tem dessas coisas. O sujeito desdenha, diz que não quer comprar —muito menos se vender—, cospe no prato em que se lambuzou a vida inteira, o da politicagem, mas a natureza fala mais alto. E o instinto de sobrevivência fez Jair correr para os braços do centrão.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro, bolsolão, centrão e ômicron

Folha d S. Paulo

Presidente volta a seu ninho, moristas de elite fundam bolsonarismo sem Bolsonaro

Jair Bolsonaro está onde sempre esteve. Na terça-feira, filiou-se ao PL. Na plateia, estavam também o PP ("Progressistas") e o PR ("Republicanos"), ali na fila do gargarejo, passando pano sujo e batendo palmas para a dança dos infames. Bolsonaro foi procurar sua turma, os partidos campeões do mensalão, do petrolão e, agora, do bolsolão, o puro creme do milho do centrão.

Por estes mesmos dias, o Congresso está dando um jeito de descumprir uma determinação do Supremo sobre emendas parlamentares. São aquelas que pagam o aluguel do centrão e ajudaram a evitar o impeachment de Bolsonaro. São as tais emendas de relator (na prática, a cúpula do centrão distribui dinheiros do Orçamento para obras na região dos amigos).

Não se vai saber quem levou as emendas pagas no ano passado e vai ser possível dar um jeitinho de abafar as do ano que vem. Tais como as despesas gordas do cartão corporativo de Bolsonaro, as despesas para adquirir apoio no Congresso também serão secretas. É o bolsolão. Apenas ainda não vimos direito o que tem dentro desse bolso.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

As muitas faces de um escândalo

O Estado de S. Paulo

Câmara e Senado se uniram para manter o ‘orçamento secreto’ e afrontar o Supremo com desassombro poucas vezes visto na história recente

O Congresso mostrou que está disposto a tudo, inclusive a descumprir nada menos que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), para seguir com a apropriação de uma expressiva parcela do Orçamento da União por meio das emendas de relator-geral – tecnicamente conhecidas como emendas RP-9 – sem qualquer tipo de fiscalização institucional. O único controle, por assim dizer, sobre o manejo de cerca de R$ 16 bilhões em emendas RP-9 no ano que vem, assim como foi em 2020 e 2021, será o conchavo entre quem libera, quem distribui e quem recebe essa dinheirama, uma concertação de bastidor orientada por qualquer coisa, menos pelo interesse público e pelo respeito à Constituição. É o patrimonialismo escancarado.

Na segunda-feira passada, deputados e senadores aprovaram uma resolução conjunta que não apenas institucionaliza o desvirtuamento das emendas RP-9, como sustenta o sigilo sobre a origem e o destino dos bilionários recursos liberados por meio dessa rubrica orçamentária. Na Câmara dos Deputados, a resolução antirrepublicana foi aprovada por folgada maioria: 268 votos favoráveis e 31 contrários. No Senado, a oposição ao texto foi maior, mas insuficiente para fazer prevalecer a decência: 34 senadores votaram a favor da resolução e 32, contra.

Poesia | Charles Baudelaire - A Beatriz

Num solo hostil, crestado e cheio de aspereza,
Enquanto eu me queixava um dia à natureza,
E de meu pensamento ao acaso vagando
Fosse o punhal no coração sem pressa afiando,
Em pleno dia eu vi, sobre a minha cabeça,
Prenúncio de borrasca, uma nuvem espessa,
Trazendo um bando de demônios maliciosos,
Semelhantes a anões perversos e curiosos.
Entreolham-se a mirar-me, aguda e friamente,
E, como o povo que na rua olha um demente,
Eu ps via rir, entre si cochichando,
Piscando os olhos e também sinais trocando:
“Contemplemos em paz essa caricatura
Que do fantasma de Hamlet imita a postura,
Os cabelos ao vento e o ar sempre hesitante.
Não causa pena ver agora esse farsante,
Esse idiota, esse histrião ocioso, esse indigente,
Que seu papel de artista ensaia à nossa frente,
Querer interessar, cantando as suas dores,
Os grilos, os falcões, os córregos e as flores,
E mesmo a nós, que concebemos esses prólogos,
Aos berros recitar na praça os seus monólogos?”
Com meu orgulho sem limite, eu poderia
Domar a nuvem dos anões em gritaria,
Deles desviando a fronte esplêndida e serena,
Caso não visse erguer-se, em meio à corja obscura
– Crime que até a própria luz do sol abala! –
A deusa a cujo olhar outro nenhum se iguala,
Que com eles de minha angústia escarnecia,
E às vezes um afago imundo lhes fazia.

Música | Paulinho da Viola - Vai dizer ao vento

 

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Merval Pereira - Fato novo

O Globo

O que parecia apenas um balão de ensaio está se transformando em fato político relevante. Ao abrir caminho para aceitar ser vice-presidente na chapa de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin não apenas se vinga de seu arqui-inimigo João Doria, como permite que Lula dê a guinada para o centro que era esperada e parecia ter sido superada pela ala radical do PT que defende ditaduras como as de Maduro na Venezuela e Ortega na Nicarágua.

Lula saiu da prisão menos disposto a ser o “Lulinha Paz e Amor” que chegou à Presidência da República em 2002. O PSDB sempre foi a alternativa ao PT, e Bolsonaro, que para muita gente parecia ser a nova opção, já não é mais. É uma extrema direita que não respeita a democracia. Como as recentes pesquisas mostram, Bolsonaro está esvaziando, carcomido pela inflação, pelo desemprego, por um governo inepto, pela radicalização.

Lula, cada vez que fala a favor das ditaduras da América Latina ou do tal “controle social da mídia”, deixa de ser opção moderada para os que procuram uma saída. Não está conseguindo ir para o centro, como em 2002. Faz a mesma coisa que Bolsonaro com seus extremistas: aumenta a intensidade da retórica para segurar seus nichos mais radicais.

Eliane Cantanhêde - Doria e a corrida de obstáculos

O Estado de S. Paulo

Ou o PSDB fecha com Doria e a terceira via ou vai virar história em 2022

A sucessão presidencial vai ganhando forma e nomes e a definição do governador João Doria como candidato do PSDB é um novo fator relevante, pela tradição do partido e a determinação do candidato, mas há uma forte divisão e uma corrida de obstáculos.

Começou com o fiasco das prévias, que jogaram luzes não no PSDB e em Doria, mas na incompetência da votação, na guerra interna, que não é novidade, e nas fragilidades dos candidatos, que ficaram mais em evidência do que as qualidades.

Doria bateu o também governador Eduardo Leite por 54% a 45%, ou seja, sai das prévias com um partido dividido exatamente ao meio e com um histórico de ciúmes e guerras internas entre os paulistas e, por fim, entre paulistas e o mineiro Aécio Neves. Como unir os cacos agora?

Luiz Carlos Azedo - Doria e Moro iniciam dança do acasalamento da 3ª via

Correio Braziliense

Os demais pré-candidatos parecem dispostos a aguardar a orquestra encerrar a sessão de boleros e começar o sertanejo para decidir o que vão fazer

O governador de São Paulo, João Doria, e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro inauguraram a dança de acasalamento da chamada terceira via, cada qual sinalizando suas prioridades para a escolha de um vice na chapa que pretendem encabeçar. Estão observando a pista Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Alessandro Vieira (Cidadania), Rodrigo Pacheco (PSD) e Simone Tebet (MDB), todos pré-candidatos, que parecem dispostos a aguardar a orquestra encerrar a sessão de boleros e começar o sertanejo para decidir o que vão fazer.

Nem bem comemorou a vitória nas prévias do PSDB, o governador paulista revelou que gostaria de uma mulher na chapa como vice, num recado claro para Tebet, a senadora que preside a Comissão de Constituição e Justiçado (CCJ) Senado e se destacou na CPI da Covid. Doria tem boas relações com o ex-presidente Michel Temer e uma aliança com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), responsável pelo lançamento da candidata sul-mato-grossense. Tebet tem mais apoio na bancada do Senado do que entre os deputados liderados por Rossi.

Catapultado pelas redes sociais, nas quais lavajatistas e ex-bolsonaristas focaram seu nome, Moro surfa a onda de sua filiação ao Podemos e procura ocupar o espaço vazio deixado pela queda de popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e a estagnação dos concorrentes da terceira via. Até agora, Moro fez movimentos muito precisos, a começar pela indicação do economista Celso Pastore para cuidar da sua relação com a turma da Faria Lima.

Andrea Jubé - “Terceira via precisará de muita composição”

Valor Econômico

“São corridas diferentes”, diz Vieira sobre Moro

Diante da rápida ascensão do ex-juiz Sergio Moro nas pesquisas sobre a sucessão presidencial, o pré-candidato a presidente pelo Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), nega a intenção de retirar o nome da disputa pela vaga de presidenciável que representará a terceira via.

Ambos se projetaram na cena nacional pelo combate à corrupção e atuação na segurança pública.

Moro comandou a Operação Lava-Jato, mas depois foi julgado suspeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como ministro da Justiça do governo Bolsonaro, reacomodou chefes de facções em presídios diferentes, desarticulando organizações criminosas.

Como delegado, Alessandro Vieira chefiou a Polícia Civil de Sergipe. Ele desbaratou um esquema de desvio de recursos públicos, incomodou aliados do governo local e acabou exonerado da função. Ganhou projeção na cena nacional pela atuação na CPI da Covid.

Carlos Andreazza - Pacheco secreto

O Globo

Podem me chamar de obsessivo. O jornalismo também é feito de obsessões. Paulo Guedes decerto chamou o colunista de obsessivo enquanto este se dedicava a mostrar a impossibilidade de um programa reformista liberal sob o populismo de instabilidades de Bolsonaro; e como o ministro, contratando a dilapidação fiscal, entregara-se ao propósito gastador que, crê-se no governo, dará competitividade eleitoral ao presidente.

Mostrar não seria bem o verbo. Demonstrar. Ainda que houvesse competência para formular e promover reformas estruturais, e não havia, o propósito de reeleger o mito sempre foi o norte de Guedes. Aí está. Nada é pessoal.

Insisto agora no tema do orçamento secreto; particularmente, o orçamento secreto de Rodrigo Pacheco. Haverá um? O comportamento do presidente do Senado nos autoriza a pensar que sim. Ele é o mentor-articulador do conjunto de gambiarras institucionais que, descumprindo decisão do Supremo, mentindo para descumprir determinação da Corte constitucional, propõe meia transparência para o futuro — e nenhuma sobre o passado, sobre os exercícios orçamentários de 2020 e 2021.

Míriam Leitão - As visíveis vitórias das cotas raciais

O Globo

A adoção das cotas raciais nas universidades públicas provocou um acirrado debate no Brasil. A vitória foi dos defensores da medida. Hoje, 20 anos depois de iniciadas, e 10 anos após sua adoção nacional, são visíveis as mudanças positivas das ações afirmativas. O debate amadureceu, a presença dos pretos e pardos nas universidades teve uma alta impressionante. Mas o racismo permanece, as barreiras são muitas, e a presença dos pretos em posição de destaque ainda é pequena. O Congresso está discutindo a revisão prevista para 2022. O momento não poderia ser mais desafiador.

— O Congresso está rachado. A esquerda tem projetos para consolidar e expandir as cotas. A maioria dos projetos da direita é para abolir a política. A preocupação é que as propostas estão tramitando muito rápido, sem tempo para discussão. Por isso há uma apreensão generalizada e é muito difícil prever o que vai acontecer — disse o cientista político João Feres, do Observatório do Legislativo Brasileiro e professor da UERJ, a primeira universidade a adotar a reserva de vagas.

Pedro Cafardo - Uma PEC oportunista que lembra a ditadura

Valor Econômico

Manobra cria arapuca orçamentário para quem assume o governo em 2023

Mais de 40 anos se passaram e, não por coincidência, o comando econômico do governo tenta adotar medidas que lembram tristes momentos da ditadura. A proposta de mudança da indexação no teto de gastos, já aprovada na Câmara e em avaliação no Senado, traz essa lembrança.

Deixemos de lado a discussão sobre a insensatez ou não de se ter colocado na Constituição, em 2016, um congelamento de gastos reais do governo por 20 anos, algo que sabidamente acabaria desmoralizado mais cedo ou mais tarde, como está sendo agora com a PEC do Calote dos Precatórios.

O ponto de reflexão, que lembra a ditadura, é o uso oportunista de índices de inflação. Nos anos 1970, no auge da era da correção monetária, quando os índices que reajustavam salários, aluguéis e outros custos aumentavam demais, por exemplo, buscava-se mudá-los por decreto.

Durante muitos anos, a inflação oficial foi medida pelo IGP-DI, até hoje calculado pela FGV, que era e continua sendo 60% impulsionado pelos preços no atacado. Quando subia demais, tentava-se adotar outro indexador para correções, que medisse apenas os preços ao consumidor. Meses depois, quando os preços no atacado acabavam se refletindo no varejo, como geralmente ocorre, o custo de vida subia mais que o IGP e, de novo, tentava-se trocar o índice.

Joel Pinheiro da Fonseca - Terceira via: por que e como?

Folha de S. Paulo

Terceira via nunca foi tão improvável, nem tão necessária

Pouco a pouco vão se afunilando as escolhas para a candidatura de terceira via, essa última esperança de que o Brasil escape da dicotomia Lula Bolsonaro em 2022. Mas por que ser contra essas duas candidaturas?

De Bolsonaro não é preciso falar muito, já que o estamos vivendo: o misto de incompetência e má fé a que estamos submetidos há quase três anos lançou o país num clima de bagunça constante no qual tudo se deteriora: educação, meio ambiente, saúde pública (sem esquecer a conduta criminosa na pandemia), economia, relações internacionais. Em todas as áreas, o retrocesso é palpável. Bolsonaro é bom em criar ruído e desviar o foco; em todo o resto, é um desastre. Sem falar nos insuportáveis ataques à democracia.

Cristina Serra - Bolsonaro em necrose eleitoral

Folha de S. Paulo

Sua estátua abandonada é imagem que vale mais que mil palavras

O mundo se apavora diante do recrudescimento da pandemia na Europa e do surgimento de outra variante do vírus, identificada na África do Sul, país castigado pela escassez de vacinas, como quase todo o continente. A ômicron já se espalha pelo planeta, agravando temores e incertezas.

E o que faz Bolsonaro? Dá de ombros e diz que temos de "aprender a conviver com o vírus". É uma nova cepa do palavreado hostil de sempre, o "E daí? Quer que eu faça o quê?". Ele também menospreza medidas simples e eficazes de controle, como a exigência do passaporte da vacina para os viajantes. Estende o tapete vermelho para a peste.

Arthur Virgílio Neto - Crime, inação e cumplicidade

Folha de S. Paulo

Garimpo avança porque não teme os Poderes e conta com cobertura do tráfico

Faz muito tempo que eu denunciava, quase solitariamente, a atividade criminosa e poluidora do garimpo no rio Madeira, inicialmente na parte que banha Rondônia: mercúrio para "lavar" o ouro; assassinatos de mergulhadores que descobriram veios e que não são investigados seriamente. Vidas que nunca importaram.

Outros delitos se agregam ao garimpo ilegal: lavagem de dinheiro e sonegação, grilagem de terras indígenas, cumplicidade com desmatadores, início de "construção" de uma Serra Pelada nas águas de um rio piscoso, caudaloso e destinado a, no futuro próximo, junto aos demais grandes rios da Amazônia, abastecer o mundo de água doce, potável e de facílima extração. Quem sabe nossas águas virarão produto de exportação! Quem sabe os países amazônicos constituirão a Opep das águas!

O garimpo tem sido tolerado e até estimulado pelo governo Jair Bolsonaro. Resultado: a ousadia dos infratores, criminosos impunes, foi crescendo ao ponto de terem descido o rio Madeira para ocupá-lo, praticamente de uma margem a outra, em frente à cidade de Nova Olinda do Norte (AM). Que audácia: sentaram praça a apenas 25 minutos de voo de Manaus. São agora "vizinhos" do aparato de segurança do estado do Amazonas. Vizinhos igualmente da Polícia Federal, do Poder Judiciário e, sobretudo, do povo de Manaus —além, obviamente, de Nova Olinda do Norte, de Novo Aripuanã (AM), com penetração ainda incipiente, e de Autazes (AM), banhada pelos rios Madeira e Amazonas, este o maior do planeta.

Alvaro Costa e Silva - O talento das cronistas mulheres

Folha de S. Paulo

Elas escreveram em pé de igualdade com os homens na era de ouro do gênero

Um mistério da crônica como gênero tipicamente brasileiro é seu frescor. Escritos há mais de 60 ou 70 anos, no improviso e às pressas, textos feitos para o momento e para encher meia página de jornal ou de revista tinham tudo para ser esquecidos imediatamente e virar embrulho de peixe. No entanto, pela sua qualidade, vão ficar para sempre.

O espaço nobre das livrarias neste fim de ano está ocupado por antologias com as obras de Antônio Maria, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, José Carlos (Carlinhos) Oliveira, Stanislaw Ponte Preta, expoentes de uma geração fora de série, não à toa conhecidos como sabiás da crônica. Talvez aí esteja a solução do mistério: o talento dessa turma era capaz de fazer qualquer coisa durável.

Zuenir Ventura - À espera de punição

O Globo

Apesar das cobranças feitas por Defensoria Pública, Anistia Internacional, Supremo Tribunal Federal e ONU, nenhuma investigação consequente foi realizada sobre as incursões policiais que resultaram nas chacinas ocorridas nos últimos seis meses na favela do Jacarezinho e no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Entre as autoridades que se indignaram com essas operações armadas e exigem punição dos culpados na forma da lei, estão a antropóloga Jacqueline Muniz, especialista em segurança pública, que as classificou de desastrosas.

O “Fantástico”, da TV Globo, teve acesso aos registros da ocorrência no Salgueiro mostrando que os policiais fizeram mais de 1.500 disparos, um tiro a cada minuto numa ação que durou 35 horas e deixou nove mortos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

As tarefas de Doria

Folha de S. Paulo

Presidenciável terá de unir o PSDB, mostrar-se viável e apresentar um programa

Dirigentes do PSDB encararam com alívio a conclusão do turbulento processo de escolha do candidato da sigla à Presidência, no sábado (29). Com a superação das prévias, o partido deixa para trás uma fonte de desgaste interno, mas também se vê obrigado a reconhecer que mal começou a enfrentar o desafio de 2022.

A contenda deu a João Doria o direito de concorrer ao Palácio do Planalto. O governador paulista aparece na casa dos 5% das intenções de voto nas pesquisas, com índices de rejeição comparáveis aos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida.

Seria exagero dizer que as prévias criaram novas dificuldades para o PSDB. O processo —saudável, ressalte-se— expôs conhecidas divisões internas e reforçou a imagem de uma legenda que ainda hesita diante do bolsonarismo.

Marcada por falhas na votação e acusações de fraude entre os competidores, a disputa tucana aprofundou a cisão entre o grupo de Doria e a ala que conta com líderes como o deputado Aécio Neves (MG).

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O cão sem plumas (Trecho)

IV. Discurso do Capibaribe

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).

Música | Recife "Minha cidade" (Nena Queiroga e Lenine)

 

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Fernando Gabeira - Democracia brasileira, coitadinha

O Globo

Um relatório divulgado em Estocolmo pelo Idea (Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral) aponta a decadência da democracia brasileira.

Na semana passada, escrevi um longo artigo sobre isso. Reconheço que Bolsonaro é um dos principais responsáveis, da gestão da pandemia aos ataques à imprensa e ao STF. No meu entender, contudo, Bolsonaro não inventou a decadência da democracia brasileira. Apenas aproveitou-se dela para aprofundá-la ainda mais com seus impulsos autoritários.

Gostaria de anotar alguns pontos que escapam ao radar dos grandes observadores internacionais, coisas miúdas do cotidiano, que, de certa maneira, são o dínamo da decadência, pois têm o poder de arruinar o apoio popular à democracia.

O clima de Brasília mudou nos últimos tempos. Formou-se uma frente bastante ampla de parlamentares, e até setores da Justiça, destinada a favorecer a impunidade.

Durante muito tempo, vigorou o orçamento secreto, uma aberração no sistema democrático. Em menos de dois meses, surgiram duas propostas de emenda constitucional com o mesmo apelido: PEC da Vingança. Uma delas visava ao Ministério Público; a outra, ao próprio STF. Nesta última, então, a vingança parecia mais explícita: queriam aposentar exatamente a ministra Rosa Weber, que bloqueou o orçamento secreto.

Demétrio Magnoli - A alma do PT

O Globo

A nota infame do PT que descreveu a “eleição” de Daniel Ortega como “grande manifestação popular e democrática” foi retirada do site para não provocar ruídos eleitorais no Brasil. Mas ela expressa a posição do partido — e o desprezo de dois ex-presidentes, Lula e Dilma, ao sistema democrático.

“Por que Angela Merkel pode estar no poder por 16 anos e Ortega não?”, indagou Lula em entrevista ao jornal El País, reativando um paralelismo cínico que mobiliza desde sempre. Diante da resposta singela da entrevistadora — “ela não encarcerava os opositores”—, o candidato favorito a 2022 simulou recuar, apenas para insistir na falácia de fundo: “Se Ortega detém opositores para que não concorram às eleições, como fizeram comigo, está equivocado”.

A democracia brasileira propiciou que um retirante nordestino, sindicalista metalúrgico, fundador de um partido de esquerda alcançasse a Presidência por dois mandatos. A ditadura de Ortega aboliu a alternância no poder, prendendo as lideranças concorrentes, inclusive os antigos companheiros de esquerda da Frente Sandinista. No Brasil democrático, Lula foi preso por corrupção, mas um Judiciário independente revisou o processo, declarou parcial o juiz que o sentenciou e anulou as condenações. Na tirania nicaraguense, os juízes fazem o que Ortega determina. Mas, segundo Lula, é tudo igual.

Bruno Carazza* - A esquerda que enxerga além

Valor Econômico

Movimentações atuais miram o futuro sem Lula

Na recém-lançada biografia Lula: Volume I, o jornalista Fernando Morais conta que, após deixar a cela da PF em Curitiba, o petista se dirigiu aos manifestantes que o acompanharam em vigília nos 581 dias de prisão. Depois do discurso inflamado, “Lula dá um beijo cinematográfico em Janja, desce a escadinha do palanque e, sem precisar anunciar a ninguém, pisa no chão como candidato a presidente do Brasil”.

Morais estava certo. A anulação dos processos contra Lula automaticamente definiu a escolha da esquerda para 2022. Líder com folga nas pesquisas, o recente périplo internacional mostra o apetite do petista por obter um terceiro mandato e, assim, terminar sua carreira política por cima.

O retorno de Lula reenergiza a militância e pode reverter a tendência de queda de votos nesse campo observada desde que ele passou a faixa para Dilma Rousseff, em 2011.

Computando os votos para deputado federal, verificamos que o conjunto de partidos inclinados à esquerda (PT, PSB, PDT, Psol, PV, Cidadania, PC do B, Rede, PCB, PSTU e PCO) viu seu eleitorado subir de 17,1 milhões de votos em 1998 para 31,3 milhões com a primeira vitória de Lula, em 2002.

Sergio Lamucci - O difícil ambiente para a economia em 2022

Valor Econômico

Com Bolsonaro empenhado em se reeleger e o Congresso em manter a captura de uma fatia expressiva do Orçamento, o panorama fiscal deve permanecer nublado

A economia brasileira está em marcha lenta, e as perspectivas para os próximos meses são desanimadoras. A inflação segue elevada e os juros vão continuar a subir, num ambiente em que a atividade já dá sinais claros de fraqueza, como mostraram os resultados da indústria, do comércio e dos serviços em setembro. A um ambiente interno repleto de incertezas, somam-se agora as dúvidas quanto a uma nova variante da covid-19, a ômicron. Há temores de que nova cepa seja mais transmissível e resistente às vacinas existentes. O medo de uma nova variante que acelere o contágio da doença, dando um tranco na economia mundial, aumentou com força a aversão global ao risco na sexta-feira.