EDITORIAIS
As tarefas de Doria
Folha de S. Paulo
Presidenciável terá de unir o PSDB,
mostrar-se viável e apresentar um programa
Dirigentes do PSDB encararam com alívio a
conclusão do turbulento processo de escolha do candidato da sigla à
Presidência, no sábado (29). Com a superação das prévias, o partido deixa para
trás uma fonte de desgaste interno, mas também se vê obrigado a reconhecer que
mal começou a enfrentar o desafio de 2022.
A contenda deu a João
Doria o direito de concorrer ao Palácio do Planalto. O governador
paulista aparece na casa dos 5% das intenções de voto nas pesquisas, com
índices de rejeição comparáveis aos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), que lidera a corrida.
Seria exagero dizer que as prévias criaram
novas dificuldades para o PSDB. O processo —saudável, ressalte-se— expôs
conhecidas divisões internas e reforçou a imagem de uma legenda que ainda
hesita diante do bolsonarismo.
Marcada por falhas na votação e acusações de fraude entre os competidores, a disputa tucana aprofundou a cisão entre o grupo de Doria e a ala que conta com líderes como o deputado Aécio Neves (MG).
O mineiro apoiava o governador do Rio
Grande do Sul, Eduardo Leite, e era apontado como o principal articulador de um
movimento para derrotar o paulista. No início do processo, Aécio chegou a dizer
que uma candidatura de Doria levaria o PSDB ao isolamento.
Ainda no sábado, Doria afirmou à Folha que
havia convidado Leite para integrar o comando de sua campanha ao Planalto. Mais
que a montagem de um comitê político, o gesto foi uma tentativa de evitar que o
concorrente se tornasse um rival. O gaúcho, entretanto, rejeitou publicamente
o convite.
Discordâncias internas também deixaram em
segundo plano, até aqui, a elaboração de um programa que reflita os princípios
da sigla. Por mais de duas décadas, o PSDB ocupou espaços eleitorais com um
projeto que buscava se contrapor à plataforma do PT. Agora, os tucanos não
estão mais sozinhos.
Em 2018, perderam eleitorado para Jair
Bolsonaro. Na largada para a próxima campanha, a sigla vê esses territórios
disputados pelo presidente e por outros candidatos identificados com algumas de
suas bandeiras, como é o caso do ex-juiz Sergio Moro (Podemos).
Não há espaço para todos eles no segundo
turno —um cenário que amplia os apelos pela unificação de candidaturas com o
rótulo da terceira via. Largando atrás na corrida, os tucanos se veem forçados
a deixar a porta aberta para apoiar um candidato mais competitivo.
A escolha de Doria como candidato sugere
que o partido tentará equilibrar a recuperação de seus votos com uma posição
abertamente crítica a Bolsonaro. Em busca de recuperação, os tucanos têm dez
meses para mostrar ao eleitor uma proposta consistente, numa disputa que deve
ser pesada.
Pepitas de incúria
Folha de S. Paulo
Queima de balsas no Madeira pouco afeta
impacto do garimpo ilegal na Amazônia
O escândalo do garimpo no rio Madeira
seguiu um enredo habitual: imagens de centenas de balsas correram o mundo para
agravar a péssima imagem do Brasil no setor ambiental; redes sociais entraram
em polvorosa; o governo Jair Bolsonaro organizou rápida operação midiática;
nada se resolveu.
De novidade houve a queima de 69
embarcações (algumas já desativadas) pela Polícia Federal, em
ação com Marinha e Ibama —pequena reviravolta nas políticas defendidas pelo
presidente, que sempre incensou garimpeiros e deplorava que fiscais
incinerassem equipamentos de mineradores ilegais.
A maioria das barcaças enfileiradas nas
impressionantes fotografias já se encontrava longe da foz do rio Madeira em
Autazes, a 110 km de Manaus. Elas haviam confluído dias antes ao local da
"fofoca", ou seja, dos rumores de que alguém ali havia
"bamburrado" (encontrado ouro), mas se dispersaram assim que explodiu
a repercussão negativa da flotilha.
Há iniciativas para regularizar operadores
de dragas nesse afluente do Amazonas, mas quase todo o garimpo nele realizado é
ilegal.
Usa-se muito mercúrio para separar o
mineral precioso da ganga, sendo que o metal pesado se acumula nos peixes e
ameaça a saúde humana; além disso, a dragagem tem impacto ambiental ao alterar
características do rio, por exemplo criando bancos de areia.
Mesmo sem o intuito de minimizar a
ilegalidade e o dano ao ambiente praticados, cabe ponderar que o garimpo no
Madeira está longe de ser o principal problema da atividade. Bem mais danosa
para comunidades da região se mostra a mineração clandestina em terras
indígenas.
"Clandestina" é figura inócua de
linguagem, porque até de satélites se pode constatar a devastação de pequenos
igarapés por escavadeiras. Tais tratores, conhecidos como PCs, podem custar R$
500 mil (ante R$ 30 mil necessários para equipar uma balsa), mobilizando
capital de que só criminosos graúdos são detentores.
Tolhido pela predileção de Bolsonaro por
garimpeiros, o governo federal pouco ou nada faz para expulsar aqueles que
levam malária, mercúrio e abuso sexual para a vizinhança de aldeias. Há
estimativas de que só na Terra Indígena Yanomami haja 20 mil desses invasores,
tolerados e incentivados como são pelo Planalto.
Um governo que não faz o mínimo
O Estado de S. Paulo.
Incapaz até de garantir as perícias
médicas, o Executivo aproxima-se do fim do ano sem Orçamento definido para 2022
Incapaz até de garantir perícias médicas,
não tem Orçamento para 2022.
Enquanto bilhões de reais são consumidos no
toma lá dá cá do Executivo com o Centrão, falta dinheiro para perícias médicas
de segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Sem aprovação
médica, trabalhadores acidentados ficam impedidos de receber ou continuar
recebendo auxílio oficial – para muitos, condição de sobrevivência. A falta de
recursos para perícias é mais uma evidência do desgoverno do presidente Jair
Bolsonaro, líder de uma equipe incapaz, a poucas semanas do Natal, de indicar
como será o Orçamento federal destinado à execução em 2022.
Essa incompetência se manifesta tanto na
programação anual, embutida no projeto orçamentário, quanto na condução das
funções no dia a dia. Ajudar trabalhadores incapacitados, seja o problema
temporário ou permanente, é função essencial, inadiável e contínua de qualquer
governo de verdade. No Brasil, as verbas previstas para esse trabalho se
esgotaram há meses, segundo explicação fornecida a partir de outubro por
procuradores ligados ao INSS. Mas a carência financeira é apenas um aspecto do
tropeço administrativo.
Não há dinheiro nem acordo, entre Executivo
e Judiciário, sobre o Poder responsável pelo pagamento de honorários aos
peritos. Além disso, recursos adicionais, segundo o INSS, dependem do
Congresso. Enquanto se alonga o impasse, recorre-se ao improviso. Alguns
peritos médicos têm concordado em trabalhar com pagamento adiado, mas a
incerteza, nesse caso excessiva, é perigosa para quem presta o serviço. “Fico
sem saber como vou pagar minhas contas”, disse uma profissional citada pelo
Estado.
Emperrada na execução das tarefas
cotidianas, a equipe federal mostra-se desorientada também quando é preciso fixar
rumos, etapas e prazos para o ano seguinte. Essa incapacidade ficou muito clara
na elaboração do Orçamento de 2021. Em agosto de 2020, a equipe econômica
programou as finanças do ano seguinte como se a pandemia e seus efeitos fossem
terminar em dezembro. Em janeiro, milhões de famílias afundaram na miséria, sem
o auxílio emergencial, e só voltaram a ser socorridas em abril. Também a
tramitação da proposta orçamentária foi mal acompanhada, e o projeto só foi
aprovado neste ano, com quatro meses de atraso e muitos favores concedidos ao
Centrão.
O poder do Centrão sobre o Executivo
cresceu em 2021. A ocupação da chefia da Casa Civil pelo senador Ciro Nogueira
é parte desse fortalecimento. O apoio parlamentar ao presidente Jair Bolsonaro
tornou-se mais custoso e cada vez menos compatível com os bons padrões de
administração das finanças públicas. O ministro da Economia, Paulo Guedes,
encenou alguma resistência, mas acabou sujeitando sua atuação aos interesses
particulares do presidente da República e, por extensão, às imposições dos
apoiadores de Bolsonaro, reunidos no chamado Centrão.
Predominaram nesse jogo exigências e
padrões incompatíveis com a responsabilidade fiscal. Disso resultaram manobras
para contornar ou, mais precisamente, para furar o teto de gastos. Para atender
o presidente e seus apoiadores, as finanças federais terão de acomodar, em
2022, maiores gastos sociais, destinados a conquistar votos para Bolsonaro,
enormes emendas parlamentares e, é claro, os chamados gastos obrigatórios, como
salários dos servidores e pagamentos previdenciários.
Para abrir espaço, o Executivo decidiu
reescalonar o pagamento de precatórios, dívidas confirmadas pela Justiça. O
plano inclui, portanto, uma tentativa de calote em credores do Tesouro, por
meio de novo atraso dos pagamentos.
Todo esse bolo depende da aprovação de uma
Proposta de Emenda à Constituição, a chamada PEC dos Precatórios, também
conhecida como PEC do Calote. A poucas semanas do réveillon, o Executivo
continua sem um projeto efetivo de Orçamento para 2022, à espera da aprovação
de um pacote incompatível com quaisquer princípios saudáveis de gestão
financeira. A incompetência exibida no caso das perícias do INSS é apenas um
modesto detalhe desse quadro geral, e muito mais amplo, de desgoverno nacional.
Em defesa dos leilões no saneamento
O Estado de S. Paulo.
Supremo Tribunal Federal não deve
compactuar com Estados que buscam brechas para impedir licitações e manter
monopólio no saneamento básico
Em vigor há um ano e quatro meses, o marco
legal do saneamento básico já demonstrou seus primeiros resultados, com a
realização dos leilões bem-sucedidos para a concessão de serviços no Rio de
Janeiro, Cariacica (ES), Maceió (AL) e Amapá. Uma nova rodada, com cobertura de
parte da zona oeste da capital fluminense e outros 20 municípios, está marcada
para 29 de dezembro, com lance mínimo de R$ 1,16 bilhão e investimento em obras
estimado em R$ 4,7 bilhões. São valores vultosos, e ao menos duas empresas já
manifestaram interesse, segundo reportagem do Estadão/broadcast.
Cerca de 35 milhões de brasileiros vivem em
locais sem acesso à água tratada. Praticamente metade da população não tem
acesso a esgoto sanitário, e dos sistemas existentes, 51% não são tratados de
forma adequada. A entrada do setor privado é vista como fundamental para dar
fim a essa simbólica mazela social. Levantamento da consultoria KPMG calculou
que serão necessários R$ 750 bilhões em investimentos para que o País atinja a
universalização.
É essencial, portanto, que o Supremo
Tribunal Federal (STF) rejeite as ações que questionam o novo marco, cujo
julgamento foi iniciado na semana passada. De um lado, estão as empresas
estatais de saneamento e partidos de oposição contrários à legislação. Do
outro, o governo federal e a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas
de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).
O pilar do marco é a abertura de um setor
dominado por empresas públicas estaduais, cujos indicadores de cobertura expõem
um fracasso incontestável. A nova lei exige a realização de leilão para a
escolha do prestador de serviços de água e saneamento e impõe metas
desafiadoras, mas não impossíveis: garantir, até 2033, o fornecimento de água
potável para 99% da população; para a coleta e tratamento de esgotos, o índice
a ser alcançado é de 90%.
Autora de uma das ações que serão julgadas
pelo STF, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe)
afirma que o marco inviabiliza a atividade das companhias públicas que atuam no
setor. Um estudo da GO Associados apontou que pelo menos dez delas não
atenderiam a um ou mais critérios exigidos pela nova lei e pelos decretos
subsequentes. Para a entidade, ao proibir o fechamento de contratos sem
licitação entre estatais e prefeituras, essa legislação se sobrepôs à
Constituição, que não vedaria a prática.
A Advocacia-geral da União (AGU), por sua
vez, argumenta que o modelo anterior não proporcionou a eficiência dos
serviços. O órgão mencionou ainda não haver privilégio no marco para as
empresas privadas nem prejuízo às estatais, uma vez que todas as companhias
interessadas poderão disputar as áreas em um processo licitatório sem
diferenciação.
A concorrência incentiva a busca da
eficiência, e é isso que alguns Estados querem evitar à custa dos cidadãos.
Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do
Norte e Roraima aprovaram uma modalidade que pode abrir espaço para um drible à
licitação. Nas microrregiões, que reúnem municípios em um mesmo bloco de forma
a evitar o abandono dos menos atrativos, a responsabilidade pelos serviços é
dividida entre as prefeituras e o Estado. A estratégia é usar essa titularidade
compartilhada para alegar que a região pode fechar contrato diretamente com a
empresa estadual, dispensar os leilões e favorecer monopólios estatais com novos
contratos de 30 anos.
É uma tentativa desesperada de dar
sobrevida a empresas que já mostraram sua incapacidade para dar resposta aos
desafios do País, com a qual o STF não deve compactuar. Saneamento não é uma
questão política ou ideológica. Está mais do que comprovada a relação entre a
oferta deficiente de serviços e a incidência de doenças. Em 2018, a iniciativa
privada atendia 5,2% dos municípios, segundo a Abcon, mas foi responsável por
21% de todos os investimentos realizados naquele ano. Exigir licitações e metas
para a prestação de um serviço não é capricho; é o mínimo que se espera do
setor público.
Ômicron prova por que é preciso vacinar
todo mundo
O Globo
Ainda há inúmeras dúvidas sobre a variante
Ômicron do novo coronavírus, que se espalhou da África do Sul para o resto do
mundo com velocidade impressionante e hoje é considerada de risco “muito
elevado” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Há, porém, uma certeza: ela
comprova a incapacidade da espécie humana para vacinar a população mundial na
velocidade necessária para derrotar o Sars-CoV-2.
Ainda que quase 8 bilhões de doses tenham
sido aplicadas no mundo e que 43% da humanidade já tenha completado o ciclo de
vacinação, essa parcela cai a menos de 3% nos países pobres. O resultado é
previsível. Países como a África do Sul, com apenas 24% completamente
vacinados, se tornam terreno fértil para a emergência de novas variantes. As
mais preocupantes para a OMS vieram todas de regiões com população vacinada
insuficiente para deter a evolução darwiniana do vírus e o surgimento de cepas
mais contagiosas ou até capazes de driblar a imunidade.
A dificuldade de levar vacinas a todos na
velocidade exigida está ligada ao fracasso do consórcio Covax, criado pela OMS
para atender à demanda dos países que não têm como arcar com o custo da
vacinação. A projeção inicial era aplicar 2 bilhões de doses até o final deste
ano, patamar em si insuficiente para dar conta da demanda. Pelas estimativas,
até ontem as doses entregues não somavam 564 milhões.
O motivo para a dificuldade está menos na
falta de recursos para doar as vacinas do que na centralização da produção em
poucas fábricas no mundo todo. As peripécias da Fiocruz para estabelecer no
Brasil um centro capaz de produzir o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da
vacina AstraZeneca dão uma ideia do desafio. Apesar da transferência de
tecnologia em tempo recorde e de tudo estar no prazo legal, só em julho começou
a produção local, e ainda falta autorização da Anvisa para ela funcionar na
capacidade exigida para garantir autonomia ao país.
Vacinas de plataformas mais avançadas, como
Pfizer e Moderna (de RNA), trazem desafios ainda maiores. A principal é a
resistência das empresas, que concentraram a produção na Europa e nos Estados
Unidos, em licenciá-la para que possa ser distribuída pelo mundo. Num sinal de
que já estava atenta à questão, a própria África do Sul decidiu erguer um polo
capaz de reproduzir a tecnologia de fabricação das vacinas de RNA para
exportação. A iniciativa sugere que, mesmo com o licenciamento, levaria ao
menos seis meses e custaria US$ 25 bilhões erguer uma estrutura de produção
descentralizada para atender à demanda global. Dado o tempo de aprendizado para
criar competência local — no mínimo nove meses —, não é de espantar que o vírus
esteja vencendo a corrida evolutiva.
Vacinas de RNA são a principal esperança de
combate às variantes, porque é mais fácil adaptá-las a novas mutações do vírus,
encurtando a fase de testes e permitindo reação mais rápida. Antes mesmo de
saberem se a Ômicron dribla a imunidade de suas vacinas, Pfizer e Moderna já
fazem isso.
A revista Science definiu de modo singelo a
única forma como a humanidade poderá um dia declarar vitória contra o vírus:
vacinar o mundo. Estamos diante de um problema coletivo global e, enquanto
persistirem bolsões de suscetíveis a infecções, haverá campo para evolução de
novas variantes. Eis o principal recado da Ômicron aos políticos do planeta.
Governo precisa levar assistência médica à
comunidade ianomâmi
O Globo
O governo não pode ficar indiferente ao drama
do povo ianomâmi. São desoladoras as s cenas de crianças desnutridas e
debilitadas pela malária. O Ministério da Saúde precisa agir rapidamente para
levar assistência a essa população.
Embora seja uma doença para a qual existe
tratamento, a malária tem provocado estragos na comunidade, principalmente
entre as crianças. Líderes indígenas contam que, doentes, elas não conseguem se
alimentar e acabam desnutridas. De acordo com o Ministério Público Federal, 52%
das crianças ianomâmis estão abaixo do peso.
Como as aldeias ficam em áreas isoladas, e
o deslocamento até os distritos de saúde demanda às vezes dias de viagem de
barco, muitas crianças morrem sem atendimento. Nos casos mais graves, o socorro
precisa ser feito de helicóptero, mas a grande quantidade de resgates
transforma o serviço numa loteria. Recentemente uma criança morreu antes que a
aeronave chegasse. Não raramente, a falta de combustível impede a decolagem.
Mesmo quando os doentes chegam ao posto, encontram uma situação de
precariedade, em que faltam profissionais, remédios e os insumos mais básicos.
“A falta de medicamentos está matando a comunidade ianomâmi”, disse ao
“Fantástico” Junior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de
Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kuana.
No dia 16 de novembro, o ministro Luís
Roberto Barroso, do STF, pediu explicações ao governo sobre a situação. Como é
de praxe, a resposta descreve um mundo encantado que não se encaixa na
realidade ianomâmi. O governo alega que, nos últimos três anos, o distrito recebeu
investimentos de R$ 260 milhões para a compra de bens, insumos e medicamentos.
Afirma ainda que tem realizado ações contínuas de suplementação alimentar para
as gestantes, além da distribuição de vitaminas para as crianças.
No desespero, os ianomâmis estão recorrendo
aos garimpeiros ilegais para obter ajuda, como mostrou reportagem do GLOBO.
Estima-se que haja 20 mil garimpeiros nas terras ianomâmis. Além de degradar o
meio ambiente, abrindo clareiras nas florestas e contaminando os rios com
mercúrio, eles são fator de risco, por levarem às aldeias doenças como a
Covid-19.
A Funai, que tem falhado sistematicamente
no papel de proteger essas populações, vetou a ajuda humanitária à comunidade
ianomâmi por profissionais de saúde da Fiocruz. O motivo alegado? As tribos
precisam ser preservadas de contato externo devido à Covid-19. O argumento
chega a ser risível. Garimpeiro ilegal pode, e médico não?
Não se desconhece a má-vontade do governo Bolsonaro com os povos indígenas. Mas prestar assistência de saúde a essas comunidades não é favor, e sim obrigação, deste ou de qualquer outro governo. STF, Ministério Público Federal, ONGs e a sociedade em geral precisam cobrar uma solução enérgica e urgente para a tragédia ianomâmi. As crianças indígenas com as costelas à mostra, que lembram as piores imagens da fome na África Subsaariana, aviltam o Brasil.
Crédito pode mudar de rota, apesar de
impulso do governo
Valor Econômico
Incertezas econômicas e fiscais, além das
turbulências políticas, devem frear o crédito
O mercado de crédito dá sinais de mudança e
ensaia deixar para trás o ambiente favorável construído pelas medidas para
apoiar a economia durante a pandemia. Desde março o Banco Central (BC) vem
elevando a taxa básica (Selic) no esforço até agora infrutífero de segurar a
inflação. A reboque, os juros do crédito vêm subindo, em meio a indícios de
redução da oferta de recursos e preocupação com o efeito da política monetária
mais restritiva na desaceleração da economia. Exatamente nesse momento, o
governo lança o projeto de lei do Novo Marco das Garantias, na expectativa de
alavancar as operações de crédito e reduzir os juros.
Após seis altas consecutivas, a Selic saiu
do piso de 2% para os atuais 7,75% ao ano. A perspectiva é de novas elevações
em direção aos dois dígitos. Os juros do crédito estão subindo há quatro meses
e a taxa média dos empréstimos com recursos livres, não vinculados ao funding
da poupança nem do BNDES, alcançou 32,8% ao ano em outubro.
Os bancos também adotaram outras medidas de
cautela: elevaram o spread praticado e reduziram o prazo médio das operações.
Essas medidas são claramente preventivas dado que a inadimplência está estável
no mercado. Ajudou esse bom comportamento as renegociações realizadas depois da
pandemia, que beneficiaram 17 milhões de contratos, segundo o colunista Jairo
Saddi (Valor 29/11).
As perspectivas pessimistas para a economia em 2022, porém, alimentam a
expectativa de deterioração da inadimplência.
Além disso, a alta dos juros está pegando a
população endividada. Os dados mais recentes do Banco Central referem-se a
agosto e mostram que 59,9% da população está endividada, percentual que recua
para 37% se for excluído o financiamento imobiliário. O comprometimento da
renda total com o pagamento de dívidas é de 30,1% e, sem financiamento
imobiliário, de 27,6%. Dados mais recentes, mas com outra metodologia, da
Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), vão na
mesma direção. O número de brasileiros endividados cresceu pelo 11º mês seguido
em outubro, chegando a 74,6% das famílias, novo patamar recorde. O número
representa uma alta de 0,6 ponto em relação a setembro, e de 8,1 pontos na
comparação com outubro do ano passado. O percentual de famílias com dívidas ou
contas em atraso atingiu 25,6%.
Nesse contexto, surge o projeto de lei do
governo que promete revolucionar o sistema de garantias de crédito com mais
flexibilidade para o uso das garantias. A expectativa é que possa reduzir os
juros e destravar entre R$ 8 trilhões e R$ 12 trilhões em novas operações de
crédito - quase o triplo do estoque atual de R$ 4,5 trilhões. O projeto de lei
permite que um mesmo bem possa caucionar mais de um empréstimo, se seu valor
permitir, e busca agilizar a recuperação dos recursos em caso de calote. Para
isso, serão criadas as Instituições Gestoras de Garantias (IGGs), que vão
receber os bens de pessoas e empresas, avaliá-los e determinar quanto crédito
poderá ser tomado. A IGG ficará responsável por repassar a garantia ao banco e,
em caso de inadimplência, poderá vender o bem e liquidar o empréstimo.
A dificuldade para a recuperação das
garantias é um dos fatores que inibe esse tipo de operação no Brasil,
atualmente concentrada no financiamento de imóveis e de automóveis. O índice de
recuperação de garantias é inferior a 15% e leva em média quatro anos, segundo
dados da Febraban, elevando o spread bancário e, portanto, os juros. O governo
aposta que o novo modelo vai resolver esses problemas, além de alavancar o
crédito.
Mas o projeto de lei ainda precisa passar
pelo Congresso Nacional e, na melhor das hipóteses, pode ser aprovado em 2022,
apesar da instabilidade característica de um período eleitoral. Mesmo que isso
ocorra no próximo ano, deve levar algum tempo para o mercado se organizar e
para deslanchar a nova prática. O próprio BC está consciente disso. A ata do
Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), divulgada na semana passada, nota que
o maior aperto das condições financeiras globais e as incertezas econômicas e
fiscais, além das turbulências políticas, devem aumentar a preocupação com
solvência das empresas e das famílias no próximo ano e frear o crédito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário