quinta-feira, 9 de junho de 2022

Opinião do dia: Joe Biden*

"Em um momento em que a democracia está sob ataque no mundo todo, vamos nos unir de novo e renovar nossa convicção de que a democracia não é só o fator definidor da história americana, é ingrediente essencial para o futuro das Américas."

*O presidente dos EUA em seu discurso na abertura da Cúpula das Américas, ontem, em Los Angeles.

Merval Pereira: Farol baixo

O Globo

'A lanterna na popa’ é o título do excelente livro de memórias escrito pelo ex-ministro e embaixador Roberto Campos, editado pela Topbooks em 1994. Tem a ver justamente com a visão do passado aos olhos do presente. A metáfora, desse modo, é virtuosa. A proposta de programa divulgada nestes dias pelo PT está baseada na versão perniciosa da lanterna na popa. Tenta voltar a um passado de glórias e se esquece do futuro.

Certa vez, em 1983, com o país ansiando por eleições diretas, uma entrevista coletiva do então governador de São Paulo, Franco Montoro, foi interrompida por alguém que gritou do fundo da sala, incomodado com a obviedade das propostas: “Farol alto, Montoro, farol alto”. Era o jornalista e escritor Otto Lara Resende, que faria 100 anos neste ano e será celebrado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), de que fez parte. E ele provocou: “Por que você não lidera uma campanha pelas eleições diretas? ”. O resto é História.

Malu Gaspar: Uma visita ao bolsoverso

O Globo

Se daqui a alguns anos um historiador quiser um resumo do manual de Jair Bolsonaro para navegar pela próxima campanha eleitoral, encontrará uma peça acabada no discurso que ele fez ontem na Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Na atitude, no teor e na plateia, repleta de aliados — afinal, o presidente estava em seu berço eleitoral — , tudo remetia a uma espécie de “bolsoverso”, em que a verdade do presidente da República reinava absoluta.

Em cerca de meia hora, ele percorreu o roteiro completo, a começar do alvo principal, o Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite anterior, o STF havia mantido a cassação do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), aliado de Bolsonaro, por disseminar fake news contra as urnas eletrônicas.

Citando a discussão em curso na Corte sobre demarcação de reservas indígenas — que já foi logo avisando que não pretende cumprir, entre mais aplausos —, Bolsonaro partiu para cima:

"Nunca vi um ministro do Supremo comprando pão na padaria", afirmou, emendando que falta aos magistrados “conhecimento de realidade, de povo”. "Me apontem uma medida que nos tenha ajudado! Não a mim, ao Brasil! É o tempo todo perseguindo, prendendo deputado federal, por palavras! Por piores que tenham sido… cassando o mandato de um deputado estadual por fake news? Qual a tipificação?".

Luiz Antonio Santini*: A Saúde era pior antes do SUS

O Globo

O “Projeto de nação, o Brasil em 2035” — do Instituto General Villas Bôas — prevê o pagamento pelo uso do SUS a partir de 2025. Seu coordenador é o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-presidente da ONG Terrorismo Nunca Mais, criada pelo coronel Brilhante Ustra. O objetivo seria entregar um país melhor para a posteridade, porém mandando a conta da saúde para os mais pobres.

Na ditadura, os militares reforçaram um modelo de atenção à saúde excludente. A estrutura do Ministério da Saúde era baseada em “campanhas” de combate às endemias: febre amarela, malária, Chagas etc. A assistência médica era prestada aos trabalhadores urbanos por intermédio da Previdência Social; aos não empregados ou sem carteira de trabalho, pela filantropia (as Santas Casas). O serviço de emergência era às vezes oferecido por hospitais estaduais e municipais. Em meados dos anos 1970, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) passou por sucessivas reformas, tendo sido criado o Inamps para a assistência médica dos segurados da Previdência.

No início dos anos 1980, a maior parte da população brasileira, 119 milhões, não tinha direito à assistência médica, e os que tinham acesso, via Previdência, eram atendidos por clínicas privadas contratadas sem qualquer controle. Em 1976, 96% das verbas para a saúde dos brasileiros foram para o setor privado.

Míriam Leitão: Governo entrega a Amazônia ao crime

O Globo

A prisão do suspeito no caso do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips é um passo importante. Amarildo da Costa Oliveira fez ameaças públicas ao indigenista, tinha munição de 762, fuzil peruano de uso restrito, e está cercado de outros indícios. Ele pode ser, neste sumiço, um fio da meada, mas esse caso revela o panorama geral de um Estado omisso e um governo que está entregando a Amazônia ao crime. Quadrilhas de grilagem, roubo de madeira, caça e pesca ilegais, tráfico de drogas e de armas avançam. Os indígenas, os ambientalistas, os indigenistas e jornalistas têm sido parte da resistência da sociedade.

A sucessão dos eventos no desaparecimento de Bruno e Dom dá uma noção da realidade. Inicialmente, só os indígenas procuravam, depois apareceu a Polícia Militar. Em seguida, veio a Polícia Civil para apoiar. Mas apoiar quem? A Polícia Federal não se envolvia muito no começo, a Marinha ficou em Atalaia do Norte e só ontem mobilizou helicópteros e embarcações. O Comando Militar da Amazônia, do Exército, disse que aguardava ordens superiores, depois disse que estava atuando, e na verdade só ontem passou a participar de fato das buscas. Começou procurando longe do local do desaparecimento. Só depois de muita pressão, durante a tarde da quarta-feira, as forças federais passaram a atuar de forma mais efetiva.

William Waack: ‘Só Deus sabe’

O Estado de S. Paulo.

Ao rugir para dizer que não é um rato, Bolsonaro afirmou que não vai respeitar decisões do Judiciário que considere prejudiciais. Tecnicamente anunciou um golpe, deixando claro que utilizaria as Forças Armadas como instrumento para chegar a seu objetivo político.

Dada a incompetência política de Bolsonaro, sua incapacidade de organização, ausência de planejamento e sentido estratégico, o mais provável é que o golpe acabe sendo a montanha que pariu um rato. Ele não dispõe de dispositivo militar, movimento de massas tomando as ruas nem de suficiente apoio político.

O nível de improvisação sob o qual Bolsonaro opera não significa flexibilidade e capacidade de adaptação a situações (como na política) voláteis. Significa ausência de rumo e cálculo que leve em conta meios e fins – embora o propósito geral, neutralizar o Judiciário, seja explícito.

Adriana Fernandes*: Fome de gasolina

O Estado de S. Paulo

A desoneração não ficará restrita aos tempos atuais e, portanto, vai tirar recursos de outras políticas bem mais importantes para atender os brasileiros que têm fome

O Brasil tem hoje 33 milhões de pessoas passando fome. Nada pode ser mais importante na discussão política no Congresso neste exato momento do que o aumento do número de brasileiros que não têm o que comer, como mostrou a nova edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19.

O acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia contribuíram para piorar o quadro estarrecedor. São 14 milhões a mais de pessoas do que no ano passado, e o Congresso está próximo de gastar, no mínimo, R$ 30 bilhões com a desoneração da gasolina, produto que vai beneficiar pessoas que têm carro e que ainda por cima é um poluente. Tudo para queda de R$ 1,65 no litro. 

Celso Ming: As distorções da ‘PEC do Diesel’

O Estado de S. Paulo

Não há garantia que a proposta apresentada pelo governo Bolsonaro reduzirá os preços dos combustíveis, porque ela aumenta as incertezas políticas e fiscais, que puxam a cotação do dólar para cima

O governo Bolsonaro está achincalhando a Constituição. Faz dela gato-sapato, emendável e remendável, até para atender a banais pretensões eleitoreiras. Na segunda-feira, 6, propôs uma emenda à Constituição não para a vida inteira, mas para durar menos de seis meses.

A proposta é o Projeto de Emenda à Constituição (PEC), ainda sem número, a “PEC do Diesel”, que garante uma compensação aos Estados que zerarem a alíquota de ICMS para o diesel e o gás de cozinha. Não está claro de onde sairão os recursos para ressarcir os Estados, que devem custar inicialmente R$ 46,4 bilhões aos cofres públicos, segundo estimativa feitas pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE). Até agora o governo não disse o que faria para compensar os municípios, que também perderiam participação no ICMS.

José Serra*: Mais Brasília, menos Brasil

O Estado de S. Paulo

Iniciativas como o PLP n.º 18/2022 evidenciam os riscos e instabilidades inerentes ao atual arranjo federativo brasileiro.

A alta vertiginosa dos preços dos combustíveis e as respostas do governo federal ao problema, que de fato repercute de muitas maneiras sobre a população, trazem à tona, mais uma vez, os conflitos e as contradições que permeiam o atual arranjo federativo brasileiro. É sintomático que um problema conjuntural tenha desencadeado uma disputa interminável opondo Estados e União. Seu último capítulo tem por roteiro o Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 18/2022, discutido no Congresso Nacional com o objetivo de reduzir o ICMS incidente sobre combustíveis: uma nova versão do mais Brasília, menos Brasil.

O mundo vem lidando com um forte aumento do preço dos combustíveis depois que o petróleo atingiu cotações vistas pela última vez em 2008. Naquele ano, os contratos futuros do barril do Brent – o petróleo extraído do Mar do Norte e comercializado na Bolsa de Londres – chegaram a custar US$ 139. Hoje, estão valendo US$ 119, só que agora num mundo pós-pandemia e em guerra. Neste contexto inflacionário, o Brasil e diversos países discutem medidas para evitar que essa alta nos preços do petróleo chegue da mesma forma aos combustíveis.

Maria Cristina Fernandes: Estelionato federativo

Valor Econômico

Ao avançar sobre o orçamento dos Estados, Congresso tenta sobrepujar governadores na intermediação de recursos

Num país em que mais da metade da população passa fome ou vai dormir com medo de não ter o que comer no dia seguinte, o presidente da República sempre precisará de bodes expiatórios. O da vez, para Jair Bolsonaro, são os governadores.

Ao encampar a contenda do ICMS e aprovar seus pressupostos, o Congresso vai além. Mais do que um estelionato eleitoral para baixar a inflação a marretadas, o que está em curso é um assalto à Federação, com consequências que extrapolam a era Bolsonaro.

Aposta-se numa mudança estrutural que entronize os parlamentares, definitivamente, como entrepostos do Orçamento nacional. O avanço das emendas parlamentares, particularmente das emendas de relator, não deu conta da tarefa. Sem ter como aumentar de imediato sua fatia nos gastos da República, o Congresso trata de diminuir aquela dos governadores.

Isso está claro no avanço sobre aquele que é o principal imposto do país, o ICMS. O governo federal e seus aliados no Congresso alegam que a receita dos Estados cresceu. A da União também. Todas abraçados à inflação. Misturam a arrecadação nominal com a real. Se colar, colou. Enquanto isso, garfam a capacidade permanente de arrecadação dos Estados.

Cristiano Romero: Custo do populismo vai além do ano eleitoral

Valor Econômico

Gros alertou há 20 anos risco de intervenção nos preços da Petrobras

Em setembro de 2002, o então presidente da Petrobras, Francisco Gros, fez ousada advertência, durante conferência em Washington, a investidores americanos que tivessem dinheiro investido em ações ou recibos de ações da estatal. Naquele momento, o Brasil estava à deriva devido ao temor do mercado com a perspectiva de vitória, na eleição presidencial daquele ano, do petista Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas de intenções de voto durante toda a campanha.

O dólar escalou a R$ 3,99 uma semana depois do 1º turno da eleição - em 10 de abril, estava em R$ 2,26 -, situação insustentável para o pagamento da dívida externa, tanto do ponto de vista do governo federal quanto das empresas estatais e privadas. De 1890 a 1990, o Brasil teria dado o calote 11 vezes, segundo levantamento de dois renomados economistas americanos - Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart -, publicado em “This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly” (Princeton University Press, em 2009). Para evitar novo vexame, o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, negociou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pacote preventivo de ajuda financeira, um reforço das reservas cambiais para desencorajar ataques especulativos à moeda nacional. Antes de viajar à capital americana, onde fica a sede do FMI, certificou-se de ter o apoio dos quatro principais candidatos à Presidência. A negociação seria inútil se não tivesse o endosso dos postulantes ao governo.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro está com mais medo

Folha de S. Paulo

Presidente tem medo de ser cassado, preso e de traição, dizem assessores próximos

Jair Bolsonaro acredita que o Tribunal Superior Eleitoral pode cassar sua recandidatura. Está muito nervoso porque a governo e aliados no Congresso não conseguem implementar medidas que diminuam sua impopularidade (combustíveis, salários, redução do Imposto de Renda etc.) —não o ajudam a governar e o enrolam.

Teme ser "traído" em breve se o risco de derrota eleitoral permanecer alto. Abandonado, acha que aumentaria também o risco de que ele, filhos, próximos e até Michelle Bolsonaro caiam na mão de Justiça ou polícia.

Bolsonaro está com mais medo.

É o que dizem um assessor palaciano e um parlamentar que costuma fazer "pontes" entre governo, Congresso e o Supremo, que leva e traz panos quentes por ser "um amigo da estabilidade institucional e do diálogo", diz.

Bruno Boghossian: O golpe do baixo clero

Folha de S. Paulo

Bolsonaro se agarra a turma que faz barulho, mas não tem poder para respaldar ruptura

Os apuros de Jair Bolsonaro provocaram ajustes na órbita política de Brasília. Líderes importantes do centrão continuam bem perto dos cofres do governo, mas adotaram uma visão realista sobre o futuro do presidente. Em conversas reservadas, eles reconhecem o caminho difícil até a reeleição e decidiram aumentar a distância em relação às obsessões golpistas do presidente.

Os sócios da aliança governista enxergaram péssimos sinais nas pesquisas que mostraram uma estagnação do presidente atrás de Lula. Esses políticos perceberam que o Planalto tem pouca força para reagir a fatores negativos, como os preços em disparada, e temem que os ataques ao processo eleitoral se tornem a única arma de Bolsonaro.

Ruy Castro: Onde estão Bruno e Dom, Bolsonaro?

Folha de S. Paulo

O mundo não demora a lhe fazer esta pergunta

Parabéns, Bolsonaro, você conseguiu. Depois de três anos dedicado a entregar a Amazônia aos barões do desmatamento, garimpo, caça e pesca ilegais; aos invasores de terras, envenenadores de rios, algozes dos indígenas e abusadores de suas mulheres, pistoleiros profissionais e traficantes de ouro, madeira, animais e, agora, cocaína; a desmantelar a fiscalização que impedia a destruição da floresta; e a prostituir os ramos locais do Ibama, da Funai, da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Exército, sua obra atingiu um novo clímax: o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.

Que, à espera só da confirmação, já podem estar mortos desde domingo. Tudo leva a essa conclusão: seus celulares não conseguem ser rastreados; o barco também desapareceu; e o sumiço se deu numa área limitada e familiar. Some a isso o histórico de ameaças a Pereira e a patada desfechada por você no próprio Phillips, numa entrevista em 2019, lembra-se? "A Amazônia é do Brasil, não é de vocês!". Mas a Amazônia não é mais do Brasil —Bruno, por exemplo, é brasileiro.

Thiago Amparo: Os muitos Brunos e Doms no Brasil

Folha de S. Paulo

Atraso e descaso nas buscas revelam não um descuido, mas um projeto

"Pode ser acidente, pode ser que eles tenham sido executados", disse Bolsonaro nesta terça-feira (7) sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Amazonas, no último domingo. "Duas pessoas apenas num barco, numa região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça."

A execução, que friamente Bolsonaro cogita como uma platitude, e a selvageria da região, que sorrateiramente Bolsonaro menciona, são fenômenos que seu governo não só tolerou, mas incentivou --pelo discurso contra ativistas, jornalistas e povos indígenas e quilombolas e por falhar em prevenir e punir privados. A selvageria a que Bolsonaro se refere é a barbárie construída nas salas com ar-condicionado do Palácio do Planalto.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Fome é marca nefasta da gestão Bolsonaro

O Globo

A palavra que resume o governo Jair Bolsonaro é involução. Sob seu comando, desde 2019 o Brasil retrocedeu em várias áreas. Uma das heranças mais nefastas que Bolsonaro nos deixará é a fome, um ataque ao direito fundamental às necessidades mais básicas.

Falta comida na mesa de 33 milhões de brasileiros, segundo o último levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), a partir de entrevistas em 12 mil domicílios de todas as regiões do país. Doze milhões de famintos estão no Nordeste, 11,7 milhões no Sudeste. Outros 32 milhões comem menos do que costumavam ou suprimiram uma das refeições. Há ainda um contingente de 59 milhões que não sabem se terão dinheiro para comprar comida no futuro e passaram a escolher produtos mais baratos na hora de fazer as compras.

Na comparação com um ano atrás, o número dos que passam fome aumentou 14 milhões. É mais que a população do município de São Paulo, o maior do Brasil. O grupo dos que comem menos cresceu 8 milhões, soma dos habitantes de Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza. Bolsonaro pode ser maquiado, penteado e treinado para falar do Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família. Mas infelizmente não é capaz de mudar a triste realidade. Falta trabalho, falta renda, falta comida.

Poesia | Fernando Pessoa: O Sono

 

Música | Elba Ramalho, Waldonys: Proibido Cochilar

 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Vera Magalhães: 'Alô, alô, marciano!': Bolsonaro em pânico

O Globo

À medida que vê o corredor à sua frente se estreitar, Jair Bolsonaro dá mais sinais de pânico mal dissimulado, roubando o diagnóstico sempre preciso de Caetano Veloso.

Todas as promessas fake que esquadrinhei neste espaço na semana passada vão caindo por terra: com cara acabrunhada, o presidente em desespero admitiu que não haverá reajuste dos servidores no final das contas. Quem sabe em 2023, pessoal?

Para tentar operar alguma mágica que baixe o preço dos combustíveis, arrancou a fórceps uma fórmula que Paulo Guedes, mais desnorteado que o chefe, não sabe se custará R$ 25 bilhões ou R$ 50 bilhões. Tudo bem, para um governo que não planeja e que já mandou às favas qualquer escrúpulo liberal que um dia tenha tido, algo custar um tanto ou seu dobro é o de menos.

A tal compensação, que ninguém sabe quanto custará aos estados que aceitem comprar um terreno na Lua — ou em Marte, já que o presidente também anda ameaçando prender marcianos por aí —, não se sabe também quando nem como será paga.

Bernardo Mello Franco: Um soldado e um cabo

O Globo

Na campanha de 2018, Eduardo Bolsonaro descreveu seu plano para o Supremo Tribunal Federal: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.

Jair Bolsonaro ainda não realizou o desejo do filho, mas já tomou outras medidas para minar a independência da Corte. A começar pelas indicações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Ao assinar a nomeação do pastor, o presidente anunciou que passaria a controlar 20% do Supremo. “São dois ministros que representam, em tese, 20% daquilo que nós gostaríamos que fosse decidido e votado”, disse. Os fatos dos últimos dias sugerem que ele tinha razão.

Elio Gaspari: A conta do Tribunal de Contas

Folha de S. Paulo / O Globo

O TCU-Tours é parte de uma anomalia muito maior

Deve-se ao repórter Tácio Lorran a revelação de que alguns ministros do Tribunal de Contas da União custam mais com viagens e diárias do que com os salários que remuneram seu trabalho. Bruno Dantas, por exemplo, tem vencimentos de R$ 37.300 brutos e custou R$ 43.517 entre 25 de fevereiro e 13 de março, indo a Polônia, Arábia Saudita, Áustria e França. Ele não é o único, nem o TCU está sozinho nessas prebendas. As viagens de instrução, bem como seminários de curta duração, geralmente coincidindo com os feriadões nacionais, ganharam até o apelido de “farofas”.

O TCU é encarregado de vigiar as despesas feitas com dinheiro da Viúva. Logo ele, mete-se em turismo de primeira e se explica com argumentos de segunda: “Os preparativos para a gestão brasileira exigem contato constante com instituições de outros países e, naturalmente, isso exige deslocamento de autoridades da Casa para reuniões de trabalho e compromissos de cunho científico”.

Hélio Schwartsman: A consciência do juiz

Folha de S. Paulo

Ministros do STF só precisam bajular superiores até ter a indicação confirmada

Pelas teorias mais tradicionais, o magistrado deveria julgar apenas de acordo com a lei, abstendo-se de quaisquer considerações políticas, pessoais e até de reflexões sobre danos colaterais que possam advir de seu juízo. "Fiat iustitia, et pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), na fórmula de Immanuel Kant.

O problema é que não é legal quando o mundo perece, daí que é mais ou menos inevitável que juízes levem em conta não só a lei mas também o contexto sociopolítico e econômico antes de proferir suas sentenças. Isso é especialmente verdade nas cortes superiores nas quais se concentram causas de grande repercussão.

Bruno Boghossian: Jogada ensaiada

Folha de S. Paulo

Atuação de ministros mantém vale-tudo e abre caminho para presidente contestar eleições

O treinador Jair Bolsonaro tinha ensaiado a jogada. Quando Kassio Nunes Marques mandou abrir igrejas no auge da pandemia, em abril de 2021, o presidente comemorou a decisão individual e disse desejar que o julgamento no STF fosse interrompido a pedido de outro ministro. "Espero [...] que a liminar seja mantida ou que alguém peça vista", declarou.

Naquela época, Nunes Marques era o único representante de Bolsonaro no tribunal, e a decisão acabou derrubada no plenário. Mas o ministro logo ganhou companhia.

A tabelinha com André Mendonça para tumultuar a cassação do deputado estadual Fernando Francischini mostra que há gente disposta a aliviar a barra de políticos que espalham suspeitas falsas sobre as eleições. Na prática, isso significa manter o vale-tudo da desinformação e deixar o caminho livre para Bolsonaro contestar o resultado da disputa.

Vinicius Torres Freire: O preço do estelionato eleitoral

Folha de S. Paulo

Plano Bolsonaro para combustíveis custa mais que Auxílio Brasil e investimento federal

O pacote de combustíveis de Jair Bolsonaro-Centrão não tem pé nem cabeça. Parece ideia anotada em um guardanapo de papel sujo de leite condensado e farofa. Feitas as contas possíveis, nota-se que vai custar mais do que alguns maiores programas do governo federal. Pode provocar inflação e mais endividamento no ano que vem, depois da eleição.

É o estelionato eleitoral típico. Se o truque não funcionar, Bolsonaro pode tentar jogar a culpa em alguém, nos estados, seu método irresponsável de desgovernar.

Suponha-se que as reduções de impostos sobre gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha durem de julho a dezembro. A redução de receita seria de cerca de R$ 48,6 bilhões em um semestre. Em um ano, de R$ 92,2 bilhões (o consumo nas metades do ano é diferente).

O Auxílio Emergencial, que dá comida para 18 milhões de famílias, custa R$ 89 bilhões por ano.

Alvaro Gribel: Os erros em série nos combustíveis

O Globo

Perda de arrecadação com projetos que subsidiam os combustíveis pode anular os ganhos da reforma da Previdência

Coube ao economista-chefe do Verde Asset, Daniel Leichsenring, fazer o alerta em uma rede social: “O efeito do projeto da queda eleitoreira do ICMS equivale a toda a reforma da Previdência.” Pelas contas dos estados, o teto de 17% no imposto provocará perdas acima de R$ 115 bilhões por ano. Já a PEC apresentada na segunda-feira pode custar mais R$ 50 bilhões ao Tesouro Nacional. O governo diz que ela terá validade até dezembro, mas o mercado dá como certo que a votação em dois turnos no Congresso vai aumentar o tamanho dessa conta.

A PEC dos combustíveis é o terceiro projeto mal elaborado em poucos meses pela equipe econômica e as principais lideranças da Câmara e do Senado. O primeiro mudou a forma de cobrança do ICMS, em março, e teve impacto zero nas bombas. O segundo, aprovado na Câmara, estabelece o teto na alíquota do imposto. Agora, o governo fala em zerar os impostos federais e estaduais, compensando uma pequena parte do rombo nas finanças dos estados e municípios. As três propostas juntas formam um compêndio de erros na economia: subsidiam os mais ricos, estimulam o consumo de combustíveis fósseis e aumentam o risco fiscal.

Marcelo Godoy: Os planos de Lula para a Justiça

O Estado de S. Paulo

Petista devia dizer se vai escolher chefe do MPF por lista tríplice ou se vai seguir Bolsonaro

No dia 12 os italianos vão às urnas votar em cinco referendos sobre a Justiça. Em um deles, pretende-se revogar a Lei Severino, espécie de Lei da Ficha Limpa da Itália. Em outro, deseja-se acabar com a possibilidade de prisão preventiva para financiamento ilícito de partidos e quando há risco de o acusado voltar a cometer o mesmo delito, o que revogaria a lei de 1988 que permitiu a Operação Mãos Limpas.

As propostas apresentadas aos italianos têm seguidores aqui. Impedir outra operação como a Lava Jato parece uma preocupação desde sempre em Brasília. O procurador-geral da República,

Augusto Aras, é inimigo do modelo da força-tarefa de Curitiba. Foi escolhido por Jair Bolsonaro – alvo de dezenas de representações e inquéritos – fora da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), ao contrário do que antes fizeram Lula, Dilma e Temer. O atual presidente ignorou a escolha dos procuradores, mesmo quando a lista da associação foi encabeçada pelo moderado Mario Bonsaglia.

Paulo Delgado*: Cinco nomes e um destino

O Estado de S. Paulo

Com o Supremo e o TSE atuando de modo tão elíptico, a Justiça dá consistência à polarização com dois preferidos e os demais fantoches.

Deixando-se manejar por uma eleição flashback, o Brasil concede ao passado poder sobre o futuro. Levado pelo êxtase ou a aventura, a reflexão não tem tido prioridade entre nós. Só as pesquisas contam, como ideologia.

As pesquisas nunca gostaram de Ciro. E já desconfiam de Simone. Fingem não ver Luiz Felipe. Gostavam de Marina, até que Dilma espalhou que os verdes eram banqueiros – registraram a indignidade na margem de erro. Largaram Aécio jogando as fichas no capitalismo de cassino que produziu 2018.

Lá atrás, queriam Collor e, por odiar Brizola, ajudaram Lula a contragosto. Calado duas vezes por FHC, ele se reciclou, arrumou um guru, amigo das pesquisas, para ensaboar a fera e fazer a pedra virar flor. As pesquisas fingiram não ver Bolsonaro e escondiam que evitavam Haddad. No fundo, não queriam Ciro e botaram a culpa em Juiz de Fora. Alckmin, que é médico e afável, não visitou o esfaqueado no hospital, ajudando-o a consolidar a imagem de desprezado.

Nenhuma diferença metodológica ou técnica explica a variação dos números das pesquisas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ajuda na confusão por só exigir o carimbo burocrático de “registrada”, dando credibilidade ao submundo da amostra. Pesquisa é ideologia, eleitor é que é utopia.

Nicolau da Rocha Cavalcanti*: Presidentes fiéis à sua história

O Estado de S. Paulo

Mais do que escolhas ideológicas, o exercício do poder parece refletir a experiência de vida de cada um.

O antigo adágio de inspiração aristotélica, operari sequitur esse (o atuar segue o ser), continua plenamente vigente na política brasileira. Ao menos em relação aos presidentes da República neste século, não há nenhum motivo para surpresa. Todos eles – Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, até aqui – foram rigorosamente coerentes com sua história de vida prévia ao cargo. O poder não mudou nenhum deles.

Mais do que escolhas político-ideológicas, o modo como cada um exerceu o poder parece refletir, com surpreendente exatidão, sua respectiva formação profissional e humana, sua experiência de vida, sua bagagem cultural. Sociólogo, o presidente Fernando Henrique teve uma especial percepção dos temas de longo prazo do País e fez deles a prioridade de seu governo. É um perfil de governante muito necessário, cujos frutos podem ser observados décadas depois, mas raro em democracias de massa. Não é nada fácil que a maioria do eleitorado abrace uma proposta de governo não imediatista. Mais um mérito, portanto, do Plano Real: não apenas acabou com a inflação, como forneceu as condições políticas para a eleição de alguém cujo olhar tende a ver além do próprio mandato.

Líder sindical, o presidente Lula teve uma excepcional percepção das questões com impacto imediato na vida da população, bem como dos interesses políticos vigentes no período. Soube construir, tal como havia feito durante toda a sua vida sindical, um governo de composição, agregando forças políticas muito díspares. Sendo a política não apenas futuro, mas presente, com Lula, o cidadão sentiu-se cuidado pelo governo federal de uma forma nova.

Fernando Exman: O mais novo capítulo da crise institucional

Valor Econômico

Críticas às urnas denotam receio com solidez da candidatura

Antes mesmo de emergir na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) o caso do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini, do União Brasil do Paraná, era crescente a apreensão daqueles que monitoram a voltagem das relações entre o Executivo e o Judiciário.

São frequentes os curtos-circuitos, quase sempre provocados pela elevação da tensão por parte do presidente Jair Bolsonaro, embora também seja preciso observar as movimentações do outro lado da Praça dos Três Poderes.

Foi-se o tempo em que integrantes da cúpula do Judiciário diziam que o conceito de “crise institucional” era uma criação artificial de quem não compreendia a função do STF. Sob essa ótica, eventuais atritos seriam naturais em razão da Corte analisar, quando provocada, possíveis inconstitucionalidades nas propostas aprovadas pelo Parlamento e atos do Executivo. Uma visão que acabou sendo subjugada pela dinâmica criada pelo presidente em sua interação com os demais Poderes.

Daniel Rittner: Os potes de ouro do setor elétrico

Valor Econômico

Mais um jeitinho está sendo articulado para conceder subsídios

Mais um bomba com potencial bilionário pode cair no colo dos consumidores de energia elétrica. O artefato está sendo preparado pelos mesmos parlamentares que, com cara de condoídos pela dificuldade dos eleitores em pagar as contas de luz, querem rasgar contratos e suspender reajustes de tarifas. Em um setor tão impenetrável, cujas regras parecem ter sido escritas pelo demônio, convém explicar direitinho para impedir que uns poucos saiam ganhando com o desconhecimento de muitos.

Vamos lá: na virada do século, com o objetivo de impulsionar novas fontes de energia pouco competitivas à época, uma lei (9.427/96) garantiu subsídios para três tipos de projetos de geração elétrica: usinas eólicas, solares e de biomassa. A produção e o consumo de energia oriundos desses empreendimentos - até 30 megawatts (MW) de potência - passaram a contar com 50% de desconto pelo uso das redes de distribuição e de transmissão.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*: Neoliberalismo, uma obsessão doutrinária

Essa história de queimadas na Amazônia ainda vai "dar panos pra as mangas".  Fragiliza a ideia da competência do governo brasileiro para administrar o problema e a crença nacional de que a "Amazônia é Nossa”. Por analogia, a Sibéria estaria no mesmo caso.   

É uma conversa delicada que se arrasta lenta, e um dia a proteção da Amazônia pode ganhar foros internacionais como um novo normal, e surpreender. A sorte é que em condições semelhantes estão territórios que também acumulam reservas de xisto, de carvão, de petróleo, de gás, seja nos países árabes, nos EUA, na Venezuela ou na Rússia.  São recursos naturais que não pertencem à país nenhum, senão à humanidade.

A Amazônia ocupa um território de quase cinco milhões de km2, abrigando 28,1 milhões de habitantes (5,6 hab. por km2). A Sibéria se estende por 13.100 km2 e é habitado por 33,7 milhões de pessoas (0,31 hab. por km2). E não tem menos recursos naturais.  No caso da Amazônia, a ciência lembra sempre que se trata de um "patrimônio mundial", sorvedouro do gás carbono, responsável pelo aquecimento global. Ao mesmo tempo, é desejada pelas ávidas economias de mercado. Vem nela uma fonte de riquezas florestais, minerais e biológicas exploráveis. Da Sibéria ninguém fala. Medo do frio, ou covardia? O futuro dirá.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O PT de sempre

Folha de S. Paulo

Sigla reafirma teses que levaram à ruína sob Dilma; Lula só vence sem esse fardo

Um partido tradicional, com inserção na sociedade e larga experiência administrativa não deveria suscitar incertezas ao divulgar diretrizes para um programa de governo. O PT de Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, é um caso à parte.

Como se nada houvera aprendido com seus sucessos e fracassos ao longo de quatro mandatos presidenciais, a legenda divulgou na segunda (6) documento no qual reafirma a visão de economia preterida sob Lula, quando o país colheu bons resultados, e posta plenamente em prática por Dilma Rousseff, levando à derrocada conhecida.

A repetição das teses estatistas e corporativistas não chega a surpreender —desde a crise que levou ao impeachment de Dilma, os petistas parecem mais preocupados em negar erros do que em renovar ideias. O que chama a atenção é o misto de descrédito e temor gerado por tais proposituras nos meios políticos e econômicos.

Descrédito porque é razoável a hipótese de que, mais uma vez, Lula será pragmático em um eventual novo governo, deixando de lado ideologias em favor do bom senso. Ademais, o documento do partido é preliminar e será negociado com aliados; por ora, serve mais como peça para manter a militância fiel.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: E agora José

 

Música | Mariana Aydar e Mestrinho: Gostoso Demais (Dominguinhos)

 

terça-feira, 7 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Autoritários temem a imprensa livre

O Estado de S. Paulo

A recessão democrática está intimamente ligada às agressões à liberdade de imprensa, mas o jornalismo seguirá firme em sua missão de viabilizar a democracia

Nunca, desde a redemocratização, foi tão importante celebrar este Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. A crise é global, mas no Brasil é particularmente aguda.

Democracia e liberdade de expressão são tão visceralmente ligadas que é impossível dizer qual é a causa e qual a consequência. Não surpreende que as instituições que as encarnam – o Estado de Direito e a imprensa independente – estejam sob pressão.

Institutos responsáveis por monitorar liberdades apontam unanimemente uma recessão da democracia no mundo. De acordo com a Freedom House, só 13% da população mundial goza de uma imprensa livre. Segundo o V-DEM, as ameaças às liberdades de expressão e imprensa respondem por 8 entre 10 indicadores em declínio no maior número de países na última década.

Opinião do dia - Karl Marx*: Democracia

Dignidade pessoal do homem, a liberdade, seria necessário primeiramente despertá-la no peito desses homens. Somente esse sentimento que, com os gregos, desaparece desse mundo, e que, com o cristianismo, se evapora no azul do céu pode de novo fazer da sociedade uma comunidade dos homens, para atingir seus fins mais elevados: um Estado democrático.

*Karl Marx, Euvres, III, Philosophie, p. 383, citado em “A democracia contra o Estado”, p.54. Editora UFMG, 1998.

Merval Pereira: STF contesta presidente

O Globo

O julgamento hoje, no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), da decisão do ministro Nunes Marques de devolver o mandato de deputado federal a Fernando Francischini, cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter espalhado fake news nas eleições de 2018, é decisivo para que tenhamos eleições limpas, sem interferências externas pelas redes sociais.

O que está em jogo é o futuro da fiscalização eleitoral das eleições de outubro. Nunes Marques exagera na fidelidade ao presidente Bolsonaro, que o nomeou. É um juiz que segue orientações do presidente da República sem constrangimentos. O próprio Bolsonaro, outro que não se constrange com nada, anuncia aos quatro ventos que os votos de seus nomeados são garantidos. Também André Mendonça se esforça para conciliar a lei com as vontades de seu protetor, com mais recato.

A decisão de entregar novamente o mandato a deputados cassados por abuso de poder econômico, nesse caso Fernando Francischini, é política. Se o deputado continuasse cassado por fake news, estaria consolidada uma jurisprudência do STF de que é possível cassar políticos já eleitos pelo uso indevido dos novos meios e de fake news na campanha eleitoral. Com seu voto monocrático, Nunes Marques impediu que essa jurisprudência se concretizasse, o que ajudaria Bolsonaro, cuja tese defende liberdade total nas redes sociais, sem limites.