O Globo
A prisão do suspeito no caso do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips é um
passo importante. Amarildo da Costa Oliveira fez ameaças públicas ao
indigenista, tinha munição de 762, fuzil peruano de uso restrito, e está
cercado de outros indícios. Ele pode ser, neste sumiço, um fio da meada, mas
esse caso revela o panorama geral de um Estado omisso e um governo que está
entregando a Amazônia ao crime. Quadrilhas de grilagem, roubo de madeira, caça
e pesca ilegais, tráfico de drogas e de armas avançam. Os indígenas, os
ambientalistas, os indigenistas e jornalistas têm sido parte da resistência da
sociedade.
A sucessão dos eventos no desaparecimento de Bruno e Dom dá uma noção da realidade. Inicialmente, só os indígenas procuravam, depois apareceu a Polícia Militar. Em seguida, veio a Polícia Civil para apoiar. Mas apoiar quem? A Polícia Federal não se envolvia muito no começo, a Marinha ficou em Atalaia do Norte e só ontem mobilizou helicópteros e embarcações. O Comando Militar da Amazônia, do Exército, disse que aguardava ordens superiores, depois disse que estava atuando, e na verdade só ontem passou a participar de fato das buscas. Começou procurando longe do local do desaparecimento. Só depois de muita pressão, durante a tarde da quarta-feira, as forças federais passaram a atuar de forma mais efetiva.
O general Plácido, do Comando Militar da
Amazônia, disse que tinha mobilizado “homens e meios” para o cumprimento da
missão. A entrevista dada ontem por todas as forças envolvidas dava a impressão
de que o governo federal tinha de fato se mobilizado. Mas só se mexeram depois
de um certo tempo, e a partir da pressão da sociedade e das lideranças
indígenas. No final do dia, a luta dos indígenas era para manter preso o
suspeito mesmo após a audiência de custódia. O secretário de Segurança Pública
do Amazonas disse que não havia ligação entre o suspeito, Amarildo, e o crime.
Mas os indígenas dizem que há testemunha das ameaças feitas por ele a Bruno
Pereira. O repórter Daniel Biaseto revelou que o procurador de Atalaia do Norte é advogado do suspeito. O outro
defensor é o procurador-geral da cidade vizinha, Benjamin Constant.
O quadro é desolador. Autoridades públicas
querendo demonstrar que estão atuando, mas nada esconde a cena geral de um
Estado omisso diante da tragédia da Amazônia e um governo que em muitos
momentos estimulou diversos crimes ambientais. A rede de criminalidade ganhou
musculatura no governo Bolsonaro, ameaça defensores da floresta de todas as
formas. Os crimes cometidos terminam impunes. O amigo de Bruno Pereira, Maxciel
dos Santos, foi morto em frente da família, em Tabatinga, em 2019, e mesmo três
anos depois o inquérito da Polícia Federal não foi concluído. Os assassinos
nunca foram punidos. Por isso, a sensação de impunidade com que mandavam
ameaças a Bruno e aos líderes indígenas do Vale do Javari avisando que
terminariam como Maxciel.
Maxciel havia trabalhado junto com Bruno
quando o indigenista coordenou a Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do
Javari. Não era servidor efetivado da Funai, mas era com isso que sonhava e
estava em vias de conseguir quando foi assassinado. Sua última atuação, antes
de ser morto, foi uma fiscalização exatamente na mesma região onde Bruno
desapareceu. Bruno é funcionário de anos da Funai, com experiência e sentido de
missão. Pediu licença quando passou a ser perseguido dentro do órgão após ações
efetivas como a que destruiu centenas de balsas em terra indígena. Ele saiu da
Funai para seguir cumprindo sua missão de defender os povos indígenas. Esse é
um quadro comum que se vê na Amazônia. Os servidores da Funai estão acuados ou
ameaçados. Os líderes indígenas lutam muitas vezes sozinhos, assumindo o papel
do Estado na defesa da floresta. Ambientalistas denunciam, tentam alertar,
mostram os dados. Mas o crime tem avançado.
— Esse caso está tendo visibilidade, mas
muitas ameaças e crimes têm acontecido contra milhares de defensores da
floresta socados neste enorme interior da Amazônia. Esse é o modus operandi das
quadrilhas — diz Leonardo Lenin, ex-coordenador de Índios Isolados da Funai, e
hoje trabalhando no Observatório dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados
(OPI).
Um governo que aceita o avanço do crime sobre o território é uma ameaça à segurança nacional.
Um comentário:
Bolsonaro disse que não entende por que tanto interesse nessa área do Brasil e não no nordeste,quer dizer,mais uma vez sai culpando as vítimas.
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