quinta-feira, 9 de junho de 2022

Adriana Fernandes*: Fome de gasolina

O Estado de S. Paulo

A desoneração não ficará restrita aos tempos atuais e, portanto, vai tirar recursos de outras políticas bem mais importantes para atender os brasileiros que têm fome

O Brasil tem hoje 33 milhões de pessoas passando fome. Nada pode ser mais importante na discussão política no Congresso neste exato momento do que o aumento do número de brasileiros que não têm o que comer, como mostrou a nova edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19.

O acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia contribuíram para piorar o quadro estarrecedor. São 14 milhões a mais de pessoas do que no ano passado, e o Congresso está próximo de gastar, no mínimo, R$ 30 bilhões com a desoneração da gasolina, produto que vai beneficiar pessoas que têm carro e que ainda por cima é um poluente. Tudo para queda de R$ 1,65 no litro. 

O projeto em tramitação no Congresso, com grande chance de passar sem mudanças, torna a gasolina um produto “essencial” para os brasileiros. Será uma política permanente. A desoneração não ficará restrita aos tempos atuais e, portanto, vai tirar recursos de outras políticas bem mais importantes para atender os brasileiros que têm fome.

As lideranças políticas que falam de risco de um ambiente explosivo para defender as medidas silenciaram com o dado da fome. O desenho do Auxílio Brasil, programa que substituiu o antigo Bolsa Família, está se mostrando ineficiente, como apontaram especialistas. A fila aumenta, e todos se calam.

A oposição no Congresso segue fingindo que não é com ela essa desoneração, mas vai aprovar a redução da tributação da gasolina. Mesmo depois que os efeitos da guerra na Ucrânia passarem, os Estados não poderão mais aumentar esse tributos para desestimular combustíveis poluentes e estimular as fontes de energia renováveis. O detalhe principal é que não há nenhuma garantia de que haverá repasse da queda dos tributos aos preços.

É tanto desespero em nome das eleições em Brasília que nem esse ponto básico está sendo levado em conta no pacotão dos combustíveis para reduzir o preço nas bombas. A área econômica não queria de jeito nenhum um subsídio à gasolina. Foi vencida na reunião da segunda-feira, na qual o trio de presidentes – Bolsonaro, Lira e Pacheco – fechou acordo para tratorar a aprovação de um projeto que fixa um teto de 17% para combustíveis, energia, combustíveis, energia, telecomunicações e transportes e reduzir a zero os tributos federais sobre a gasolina e o etanol.

O relatório do senador Fernando Bezerra do projeto do ICMS prevê eficácia imediata do teto. É isso que importa nas negociações políticas. É bem capaz que a fome seja usada agora para novas concessões que em nada beneficiam os que mais precisam. Afinal, o Brasil tem fome de quê? 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Você tem fome de quê? De gasolina é que não é.