quinta-feira, 9 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Fome é marca nefasta da gestão Bolsonaro

O Globo

A palavra que resume o governo Jair Bolsonaro é involução. Sob seu comando, desde 2019 o Brasil retrocedeu em várias áreas. Uma das heranças mais nefastas que Bolsonaro nos deixará é a fome, um ataque ao direito fundamental às necessidades mais básicas.

Falta comida na mesa de 33 milhões de brasileiros, segundo o último levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), a partir de entrevistas em 12 mil domicílios de todas as regiões do país. Doze milhões de famintos estão no Nordeste, 11,7 milhões no Sudeste. Outros 32 milhões comem menos do que costumavam ou suprimiram uma das refeições. Há ainda um contingente de 59 milhões que não sabem se terão dinheiro para comprar comida no futuro e passaram a escolher produtos mais baratos na hora de fazer as compras.

Na comparação com um ano atrás, o número dos que passam fome aumentou 14 milhões. É mais que a população do município de São Paulo, o maior do Brasil. O grupo dos que comem menos cresceu 8 milhões, soma dos habitantes de Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza. Bolsonaro pode ser maquiado, penteado e treinado para falar do Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família. Mas infelizmente não é capaz de mudar a triste realidade. Falta trabalho, falta renda, falta comida.

Por algum tempo, a fome parecia um flagelo destinado a ficar restrito ao passado, descrito em livros como “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, “Quarto de despejo”, de Carolina de Jesus, ou “A fome”, de Rodolfo Teófilo. Em 2013, os brasileiros com insegurança alimentar moderada (quantidade insuficiente) ou grave (fome) haviam caído a 10%. Na mesma época, o Brasil saiu do Mapa da Fome feito pelas Nações Unidas.

Pois as barbeiragens de Bolsonaro na economia, sua falta de capacidade para tomar as melhores decisões nos piores momentos da pandemia e o desmonte de programas do Estado destinados a combater o problema trouxeram o flagelo de volta. Hoje, nada menos que 30% dos brasileiros sofrem de insegurança alimentar moderada ou grave, o dobro do nível registrado no último ano do governo Temer.

Os mais afetados não são uma novidade. Lares com crianças sofrem mais. Mesmo em domicílios com rendimento mensal acima de um salário mínimo per capita, a insegurança alimentar é maior se o provedor for negro. Dois de cada dez lares comandados por mulheres convivem com a fome.

Entidades da sociedade civil não têm medido esforços para distribuir comida aos necessitados desde que eclodiu a pandemia. Mas, mesmo com a recuperação da atividade econômica nos últimos meses, a fome não parou de aumentar.

Se estivesse interessado em governar, Bolsonaro poderia ter evitado uma calamidade dessa magnitude. Em vez disso, preferiu investir seu tempo em ataques à democracia, discursos cheios de grosserias, brigas intermináveis com inimigos imaginários e passeios de motocicleta. Enquanto isso, a população só quer viver uma vida digna, sem passar fome. Difícil imaginar retrocesso civilizatório maior.

Sumiço de indigenista e jornalista na Amazônia exige resposta rápida

O Globo

Causou comoção internacional o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), e do jornalista Dom Phillips, colaborador do jornal britânico The Guardian. Eles foram vistos pela última vez na manhã de domingo, em São Rafael, no Vale do Javari (AM), que concentra a maior quantidade de povos isolados do mundo. O trajeto até Atalaia do Norte deveria ter sido feito em cerca de duas horas numa embarcação nova, mas a dupla não chegou ao destino. Pereira é um dos funcionários mais experientes da Funai e profundo conhecedor da região.

É compreensível que o desaparecimento, envolvendo um indigenista brasileiro e um jornalista estrangeiro numa região sob constante escrutínio do mundo, desperte atenção da comunidade internacional. Não se pode dizer que o governo não esteja mobilizado para encontrá-los. As buscas pelos dois envolvem Marinha, Exército, Força Nacional, Polícia Federal, Funai, comunidades ribeirinhas e representantes de povos indígenas. Até ontem, as equipes não tinham pistas da dupla. A polícia já ouviu testemunhas e, na terça-feira, prendeu um homem suspeito de participação no desaparecimento.

Enquanto não surgem indícios do que pode ter ocorrido, é prematuro afirmar qualquer coisa a respeito. Por mais tentador que seja culpar os vilões de sempre numa Amazônia negligenciada pelo poder público, o presidente Jair Bolsonaro não deixa de ter certa razão ao chamar a atenção para os riscos inerentes à expedição. “Realmente, duas pessoas apenas em um barco, em uma região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça”, disse em entrevista ao SBT News. “Pode ser um acidente, pode ser que tenham sido executados. Tudo pode acontecer.”

Bolsonaro se esqueceu apenas de lembrar as ameaças que Pereira vinha sofrendo em função de seu trabalho. Ele promovia, nas comunidades indígenas, o combate a invasores como pescadores, madeireiros e garimpeiros ilegais, que proliferam pelo Vale do Javari no vácuo da fiscalização. A região, no extremo oeste do Amazonas, junto à fronteira com o Peru, é ainda mais perigosa por ser rota de narcotraficantes para acessar outros estados do país.

Como mostrou reportagem do GLOBO, um bilhete enviado à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) continha ameaças explícitas a Pereira: “Só vou avisar dessa vez, que se continuar desse jeito, vai ser pior para vocês”. O indigenista havia mapeado locais e apontado, com fotos, suspeitos de uma organização criminosa que atua na pesca e na caça ilegal na região.

O fundamental é que as buscas continuem e que as investigações sobre o caso sejam ágeis, rápidas e transparentes. Não basta despachar forças de segurança para a Amazônia e divulgar imagens das operações para mostrar que o governo está trabalhando. É preciso dar uma resposta rápida às famílias e à sociedade sobre o que aconteceu. Um caso dessa magnitude não pode ser tratado com a indiferença que o governo dispensa à Amazônia.

Reforço à defesa

Folha de S. Paulo

STF reafirma cassação que serviu como resposta a investidas contra as urnas

Foram efêmeros os resultados alcançados pelos ministros indicados por Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo Tribunal Federal na tentativa de restituir o mandato a um aliado do presidente cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A agitação teve início na quinta (2), quando Kassio Nunes Marques suspendeu a punição ao deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), condenado em outubro por divulgar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas.

Na terça (7), a Segunda Turma do STF derrubou a liminar concedida pelo ministro e reafirmou a decisão do TSE. O único que ficou ao lado de Nunes Marques foi André Mendonça, o outro magistrado escolhido por Bolsonaro.

Nas eleições de 2018, Francischini espalhou a suspeita de que algumas urnas impediam o voto em Bolsonaro. O boato não tinha nenhum fundamento e foi desmentido após análise dos vídeos que alimentavam a patranha.

O episódio poderia merecer esquecimento em outros tempos, mas recebeu resposta duríssima porque o TSE encontrou nele elementos para reforçar as defesas contra os constantes ataques bolsonaristas à ordem democrática.

O tribunal indicou que passaria a ser intolerante com atos do gênero. Firmou-se o entendimento de que eles devem ser tratados como uso indevido dos meios de comunicação e fixaram-se critérios para avaliar a gravidade de cada caso.

Se o efeito dissuasório da medida ainda está por ser demonstrado na campanha eleitoral deste ano, é certo que um dos seus alvos principais se comporta como se não fosse com ele, impunemente.

Bolsonaro continua fazendo de tudo para tumultuar o processo eleitoral, lançando dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas e insistindo na fantasia de que uma fraude teria impedido sua vitória no primeiro turno do pleito de 2018.

Na mesma terça-feira, o mandatário voltou a falar no assunto ao criticar a decisão que manteve a cassação do aliado e disse concordar com Francischini, como se estivessem em questão suas opiniões, não uma rematada mentira.

Os ministros do Supremo Edson Fachin e Gilmar Mendes argumentaram que há limites ao exercício da liberdade de expressão, e a corte considera inaceitável seu uso para difamar o sistema eleitoral e outros pilares da democracia. É lamentável, de todo modo, que o confronto tenha chegado a tal ponto.

Ao minar os esforços que o Judiciário tem feito para defender a lisura das urnas, Nunes Marques e Mendonça contrariaram o entendimento da maioria do tribunal que integram. Não havia mesmo como seu intento prosperar.

Endereço degradado

Folha de S. Paulo

Centro de São Paulo tem sido objeto de planos frustrados; é preciso repovoá-lo

Em maior ou menor grau, a degradação de áreas centrais é um fenômeno urbanístico que atinge boa parte das metrópoles do planeta. Esvaziamento do uso residencial, estrutura obsoleta para automóveis e o deslocamento de eixos financeiros para outros bairros explicam, em parte, o problema.

Observada há décadas, a deterioração do centro de São Paulo tornou-se mais aparente com o crescimento expressivo da população de rua e, mais recentemente, em razão das operações policiais que tentam neutralizar a cracolândia.

Nesse contexto, a ideia de transferir a sede do governo paulista do Morumbi, bairro nobre da zona sul, para próximo do agora itinerante feirão de drogas suscitou debates entre políticos e urbanistas.

A proposta foi aventada pelo pré-candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos). Para o ex-ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro (PL), trazer "o centro do poder" ajudaria na revitalização da região e até a acabar com a cracolândia.

O plano não constitui novidade: em 2008, o então governador José Serra (PSDB) cogitou trocar o Bandeirantes pelo Palácio dos Campos Elíseos, ideia abandonada pelos seus sucessores.

Joia arquitetônica, a sede do comando do estado de 1912 a 1965 foi restaurada duas vezes —na última delas por R$ 20 milhões— e está sem uso. A promessa é que venha a abrigar o Museu das Favelas.

Muitos outros projetos ficaram pelo caminho. O mais ambicioso deles, o Nova Luz, previa uma revolução urbanística em 44 quarteirões, inclusive na área onde atuava o tráfico de crack. Concebido no começo da década passada pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), também acabou engavetado.

Às intervenções frustradas somam-se a derrubada ou transformação em parque do Minhocão, via elevada na região degradada, e o Renova Centro, programa que pretendia desapropriar prédios para transformá-los em habitações populares, mas que pouco avançou.

A depender do plano, a transferência de edifícios públicos para a zona central pode ser bem-vinda, como já ocorreu com a prefeitura paulistana, em 1992, e agora com o hospital da mulher Pérola Byington, que deve começar a atender no segundo semestre.

Entretanto faz-se necessário também um amplo programa de repovoamento, que aproveite prédios sem uso e vislumbre investimentos em espaços de uso comunitário, como parques e equipamentos culturais e esportivos. Mais do que ocupar o centro, é preciso vivê-lo.

O Brasil foi abandonado

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e seus sócios do Centrão largaram o País à própria sorte para cuidar de seus interesses eleitorais. Resultado: 33 milhões de brasileiros com fome

O País voltou a ser assombrado pelo espectro da fome em uma escala que não se via desde a década de 1990. De acordo com os dados do 2.º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, divulgados ontem, são 33,1 milhões de brasileiros que dormem e acordam todos os dias sabendo que não terão o que comer. Além desse inacreditável contingente de nossos concidadãos vivendo em condições sub-humanas, equivalente às populações da Bélgica, de Portugal e da Suécia somadas, mais da metade da população brasileira (58,7%) está submetida a algum grau de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave).

Aí está a dimensão do retrocesso patrocinado por um dos piores presidentes da história brasileira. O nome de Jair Bolsonaro estará indelevelmente ligado à degradação da dignidade de milhões de seus governados, seja por sua comprovada incapacidade moral e administrativa para o cargo, seja por sua notória aversão ao trabalho. A fome já seria inadmissível mesmo que fosse algo localizado; sendo verificada em larga escala, mesmo em um país em que há fartura de alimentos, trata-se de uma atrocidade.

Bolsonaro e seus sócios do Centrão no Congresso abandonaram o País à própria sorte porque não estão interessados no bem-estar dos brasileiros a não ser na exata medida de seus objetivos eleitoreiros. Por essa razão, há profunda desconexão entre as prioridades da atual cúpula do Estado e as da esmagadora maioria dos cidadãos – a começar pela mais primária delas, a de fazer três refeições por dia.

Um governo que fosse digno do nome, com apoio de um Legislativo igualmente cioso das necessidades mais prementes daqueles a quem cumpre representar, estaria empenhado dia e noite em garantir o bem-estar de seus governados antes de qualquer coisa, proporcionando-lhes as condições mínimas para uma vida digna por meio de políticas públicas responsáveis, bem elaboradas e implementadas. Mas não é isso o que acontece. 

Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro só tem olhos para a reeleição. Nunca governou de fato o País nem jamais demonstrou interesse em fazê-lo. Populista, toma decisões sempre de supetão e sem qualquer planejamento, para responder a questões imediatas, deixando para depois ou simplesmente ignorando problemas de longo prazo. Assim chegamos à fome.

Os presidentes das duas Casas Legislativas, por sua vez, também parecem estar mais preocupados com a recondução aos cargos na próxima legislatura do que em aliviar o padecimento real da população. Só isso explica a chancela às teses estapafúrdias de Bolsonaro, como essa obsessão em torno dos combustíveis, como se a causa raiz para o aumento do número de brasileiros passando fome do ano passado para cá (mais 14 milhões de pessoas) fosse o preço do litro do diesel e da gasolina.

A fome que dói nesses tantos milhões de brasileiros não decorre diretamente da pandemia de covid-19, da delinquência de Vladimir Putin ao invadir a Ucrânia nem da alta dos preços dos combustíveis. A fome é o resultado mais perverso da acefalia governamental do País há quase quatro anos. É corolário desse arranjo macabro engendrado por um presidente da República extremamente fraco que, para não ser ejetado do poder, se viu obrigado a vender sua permanência no cargo a oportunistas no Congresso, franqueando-lhes nada menos que o controle sobre parte do Orçamento sem a necessidade de prestar contas.

A pusilanimidade do presidente da República, portanto, explica muita coisa. Mas, em defesa de Bolsonaro, é bom dizer não se teria chegado ao atual estado de coisas inconstitucional sem a colaboração decisiva de parte considerável da classe política, que ignora o que vem a ser interesse público. 

Conforme a Constituição, a “dignidade da pessoa humana” é fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1.º, III), e um dos objetivos dessa República é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (artigo 3.º, III). Além disso, o artigo 6.º cita a “alimentação” como um dos direitos sociais. Para o consórcio político que sustenta o bolsonarismo, essas determinações são letra morta. 

Os frutos do Marco Civil da Internet

O Estado de S. Paulo

Estudo recente comprova que o Marco levou a uma maior segurança jurídica, desincentivando comportamentos ilícitos sem prejudicar a liberdade de expressão

O impulso à digitalização dado pela pandemia intensificou nos Parlamentos do mundo inteiro as discussões sobre a regulação das redes digitais. O Brasil está implementando a Lei Geral de Proteção de Dados, de 2018, enquanto tramita no Congresso a “Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet” (apelidado “PL das Fake News”). O País conta com um importante arcabouço, o Marco Civil da Internet, de 2014.

Um recente estudo da Terranova Consultoria, feito com apoio do Google e divulgado pelo site Jota, comprovou a funcionalidade desse dispositivo. As métricas provam que o Marco resultou em maior segurança jurídica sem prejudicar a liberdade de expressão e os demais direitos do usuário.

Como dizem os autores, “tribunais são hospitais da vida social”, seja pacificando a sociedade por meio da superação das disputas atuais, seja prevenindo conflitos futuros. Um sistema jurídico ideal é aquele no qual o sentido das leis é inequívoco e os tribunais são transparentes, decidem de forma consistente e apresentam custo razoável para litigar. A maior segurança jurídica foi comprovada pela redução expressiva do volume de demandas judiciais, do tempo de duração dos processos e das taxas de recorribilidade das ações.

Ao mesmo tempo, essa desjudicialização não implicou ausência de tutela jurídica. Houve uma expansão no volume de remoções extrajudiciais de conteúdos que ferem as políticas de uso dos provedores, como pornografia, ameaças de agressão ou manifestações explícitas de racismo. Mais importante, os autores dos conteúdos estão sendo devidamente responsabilizados pelos danos causados: enquanto a proporção de ações de indenização contra provedores caiu, a de pessoas físicas como corréus subiu.

O Marco ganhou boa reputação internacional por sua regulação equilibrada de princípios como a neutralidade da rede, privacidade, função social da internet, liberdade de expressão e responsabilidade dos provedores. “Finalmente um projeto de lei reflete como a internet deve ser: uma rede aberta, neutra e descentralizada, em que os usuários são o motor para a colaboração e inovação”, disse o criador da rede mundial de computadores (World Wide Web), o cientista britânico Tim Berners-Lee.

Num momento de deliberação sobre a regulação das redes, o Marco é um modelo de equilíbrio, não só pelo seu conteúdo, mas pela forma como foi construído. Como a própria internet, disse Berners-Lee, ele resultou do trabalho dos usuários, por meio de um “processo inovador, inclusivo e participativo”, consumado pelo Congresso após três anos de tramitação.

Uma das questões mais controversas nos debates contemporâneos é justamente a responsabilização das redes pelas distorções causadas pelo estímulo e difusão, por parte de seus algoritmos, de conteúdos com alto potencial de viralização, porém tóxicos, como fake news e discursos de ódio. Por outro lado, antes do Marco era grande o risco da distorção inversa: a tendência de responsabilizar os provedores por danos causados por conteúdos produzidos por terceiros – em outras palavras, de culpar o mensageiro, e não o autor da mensagem.

Era um ambiente deletério em diversos sentidos. Primeiro, porque incentivava os provedores a criarem controles excessivamente rigorosos de seu conteúdo, ao ponto da censura, ameaçando a neutralidade da rede e a liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, a possibilidade de deslocar o foco de responsabilização para intermediários incentivava os usuários mal-intencionados a publicar e difundir conteúdos impróprios.

O Marco solucionou esse problema ao estabelecer, em seu art. 19, que a responsabilidade pelos eventuais danos de um conteúdo cabe ao seu autor. Já a responsabilidade do provedor está condicionada à desobediência de ordem judicial de remoção de conteúdo.

Como concluem os autores do estudo sobre o Marco Civil, o resultado é que o usuário de internet “é servido por um sistema que garante a sua liberdade de expressão, que desincentiva comportamentos ilícitos e que se tornou mais célere e previsível na remoção e responsabilização por conteúdo danoso”. A internet ainda é, em muitos momentos, um ambiente tóxico, mas o Brasil está bem servido de legislação para enfrentar esse desafio. 

Um aperitivo da crise do diesel

O Estado de S. Paulo

Por causa da escassez, a Argentina raciona o combustível; controle de preços desorganiza um mercado já conturbado

O racionamento do diesel em províncias argentinas por causa da escassez do combustível deve servir de alerta para o Brasil. O desabastecimento que a Argentina enfrenta resulta da combinação de fatores conjunturais, como redução da produção local e alta sazonal da demanda. Mas sua causa principal é o controle de preços imposto pelo governo do presidente Alberto Fernández, com o objetivo de conter a inflação, de praticamente 60% em 12 meses, a maior em 30 anos. Boa parte do diesel consumido no país é importada. E quem importará um produto com o preço em alta no mercado mundial para vendê-lo no mercado interno por um preço controlado e menor, com pesadas perdas?

As ineficazes e grosseiras medidas aventadas ou anunciadas pelo presidente Jair Bolsonaro para conter a alta do diesel, da gasolina e do gás de cozinha ainda não geraram problemas tão agudos como os que enfrenta a Argentina. Mas se ele tiver êxito com sua insistência em controlar artificialmente os preços praticados pela Petrobras, uma crise de abastecimento será armada. Não se sabe se ela explodirá antes ou depois da eleição presidencial, mas o resultado dessa aventura acabará por surgir, tornando ainda mais difícil a vida dos brasileiros. Virá na forma de escassez aguda ou na de explosão de preços, ou nas duas.

No Brasil, a participação do diesel importado no consumo interno passou de 20,9% em 2020 para 23,2% no ano passado, segundo dados da Agência Nacional d0 Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Embora a Petrobras mantenha os preços dos combustíveis alinhados com os valores médios praticados no exterior, o intervalo entre uma correção e outra pode resultar em defasagens. No caso do preço da gasolina, por exemplo, sem reajuste por cerca de três meses, a defasagem em relação aos preços internacionais é estimada em 20%; para o diesel, em 14%. Alta do barril do petróleo por causa da guerra na Ucrânia e desvalorização do real ante o dólar são as causas principais dessa defasagem.

É possível, por meio de forte pressão política, conter os preços dos combustíveis mesmo que isso implique perdas para a Petrobras. Foi isso que fez com muita insistência o governo lulopetista e a consequência foi a destruição do equilíbrio econômico-financeiro da empresa, cuja dívida cresceu exponencialmente e, até hoje, impõe um rígido programa de ajuste. É o que Bolsonaro vem tentando fazer, sem pleno êxito, por causa da resistência da gestão profissional da empresa.

Mas a defasagem de preços não prejudica apenas a Petrobras. Afeta também as operações das empresas importadoras de diesel, que, mesmo sendo livres para fixar preços, perdem competitividade se os corrigirem de acordo com o mercado internacional, enquanto a maior empresa do setor, a própria Petrobras, mantém seus preços comprimidos.

Não é de estranhar que se intensifiquem alertas sobre possível escassez de diesel no País já no início do segundo semestre. Regiões mais distantes das refinarias nacionais seriam as primeiras a serem afetadas.

Uma cisão aberta no STF contra punição a fake News

Valor Econômico

As afrontas de Bolsonaro às regras democráticas pressupõem a blindagem contra impeachment que lhe dá o Centrão

Foram péssimos os sinais emitidos pelas escaramuças jurídicas no Supremo Tribunal Federal sobre a cassação dos mandatos do ex-delegado de polícia Fernando Francischini (PL-PR) e Valdevan Noventa (PL-SE), ambos do partido do presidente da República, Jair Bolsonaro. O ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, reverteu decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomada por 5 votos a um, pela cassação de Francischini e concedeu liminar restituindo-lhe o mandato, obtido com 428 mil votos, a maior votação de deputado estadual no Paraná nas eleições de 2018. Depois, a Segunda Turma do STF, por 3 a 2, confirmou a sentença do TSE. Bolsonaro esbravejou, disse que não viveria “como um rato” e prometeu “reação”.

Marques colocou em xeque o principal alvo de vigilância do Judiciário nas próximas eleições, o da propagação e financiamento de fake news. Francischini disse, no dia das eleições, em outubro de 2018, que as urnas não permitiam voto em Bolsonaro e outras mentiras. Passaram-se longos três anos até sua cassação, o que dá uma ideia da lentidão da Justiça Eleitoral. O ambiente político já havia mudado radicalmente.

O deputado paranaense foi o primeiro político cassado por disseminar fake news, como exemplo de que a Justiça não toleraria os ataques em série contra as urnas eletrônicas feitas pelo presidente Bolsonaro, que escolheu como inimigos os ministros do STF e concorda com os métodos usados por bolsonaristas para espalhar mentiras nas redes sociais.

Marques voltou ao passado para devolver o mandato a Francischini. Sem dinheiro para campanha e escorado em um partido sem estrutura, com deputados que caberiam em um fusca, com parco tempo de propaganda na TV, Bolsonaro foi o primeiro presidente eleito com a participação decisiva de uma campanha feita quase toda ela nas redes sociais. Ciente desse poder de fogo, que o levou ao Planalto, Bolsonaro transformou esse tipo de comunicação no seu meio predileto de falar a seus apoiadores e, com o “gabinete do ódio” instalado no governo, uma forma de atacar inimigos políticos, reais e imaginários.

A argumentação de Marques foi a de que fake news não era crime bem delineado pelo TSE na época, que a capacidade de uma live mentirosa no dia da eleição teria influência nula no resultado do pleito - argumento também usado pelo ministro André Mendonça -, e que a internet não deveria ser igualada aos meios de comunicação social em eventuais infringências da legislação eleitoral. Com base na primeira tese, Marques disse que era incabível que um entendimento posterior do TSE tivesse efeito retroativo e ejetasse Francischini do seu mandato.

Os especialistas divergem neste ponto, mas o fato é que, a partir de agora, dentro do próprio STF, há ministros que defendem que campanhas de fake news fazem parte do jogo eleitoral normal das redes sociais e não há nada errado nisso, em princípio.

Ao colocar em dúvida não só a caracterização de crime eleitoral das fake news como as punições rigorosas dela decorrentes, os ministros indicados por Bolsonaro deram razão às críticas do presidente contra o STF e se colocaram como uma barreira interna na corte à coibição dos exageros e burlas legais que certamente ocorrerão na mais turbulenta eleição da história da Nova República.

Francischini pode ter se sentido um bode expiatório do TSE e Bolsonaro vê sua condenação dessa maneira, mas a cassação, suspensão e reafirmação da pena, com toda a polêmica ao redor, teve um tom surreal. Em sua sentença contra a decisão de Marques, o ministro Gilmar Mendes disse que o “ataque sistemático à confiabilidade das urnas não pode ser considerado como tolerável no estado democrático de direito, especialmente por um pretendente a cargo político com larga votação”. Para ele, essa conduta “ostenta gravidade ímpar, que pode comprometer o pacto social em torno das eleições”. No mesmo dia, o presidente da República disse que Francischini apenas falava sobre as urnas o que ele, Bolsonaro, afirmava todos os dias.

Os ataques de Bolsonaro à confiabilidade das urnas eletrônicas, porém, estão muitos decibéis acima. Seu intento claro é criar uma algazarra de grandes proporções nas apurações que o impeça de ser derrotado e de deixar o poder pelos meios que estiverem disponíveis. Suas afrontas às regras democráticas pressupõem a blindagem contra impeachment que lhe dá o Centrão, mas suas reações histéricas são as de quem vê a derrota eleitoral a caminho.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Todos os editoriais são contra a gestão,indigestão e congestão de Bolsonaro,rs.