Doria, até pelo estilo raivoso, é temido. Os parlamentares temem criticá-lo e ser alvo de suas redes sociais, em que costuma atacar desafetos.
Guilherme Amado / Época
O PSDB do tiro na cabecinha Começava mais uma reunião da bancada de deputados do PSDB, algumas semanas atrás, quando Bruna Furlan, tucana de São Paulo, se levantou na sala da liderança do partido na Câmara e se dirigiu a um colega que sentava próximo a ela e ao líder. “Deputado, desculpe, mas pode levantar. Esse lugar aqui é para o Aécio. Ele está muito lá no fundo. Ele é nosso senador, foi nosso candidato a presidente. Não pode sentar lá atrás. Aécio, vem para cá.” Aécio Neves, encolhido numa cadeira ao fundo da sala, quis desparecer. Sorriu sem graça e tentou: “Não precisa, Bruna. Estou bem aqui”. Bruna caminhou até Aécio e o pegou pelo braço. “Faço questão. Que isso! Você não pode ficar aí atrás, não!” Relutante, Aécio agradeceu e sentou-se no lugar do colega. O deputado que se levantou da posição de prestígio não gostou. A bancada também não. A preocupação de Bruna era com os fotógrafos, que entrariam logo em seguida: queria Aécio aparecendo na foto. Mas as câmeras são tudo que não quer o mineiro que quase chegou lá, mas agora só entra e sai do plenário da Câmara por uma entrada restrita.
O mineiro se tornou o símbolo do abismo em que o PSDB se meteu. O partido que conquistou a estabilidade econômica e foi um dos pilares da consolidação democrática está fragmentado, conflagrado em diferentes divisões que se entrecruzam: os cabeças-pretas e os cabeças-brancas, os “com voto” versus os “sem voto”, a centro-esquerda contra a centro-direita. João Doria (com voto, de centro-direita e, vá lá, um cabeça-preta) tenta liderar a legenda em que, na eleição passada, foi chamado de traidor. Seu argumento para mobilizar a tropa, claro, é a expectativa de poder: 2022 e o Planalto. Quer expulsar Aécio Neves, Eduardo Azeredo e Beto Richa, e já está com o caminho preparado de como fazer isso. Também quer dar uma nova cara ao PSDB, talvez com outro nome e fortalecendo bandeiras mais à direita. Para isso, entretanto, o próximo passo é tirar o enrolado Geraldo Alckmin da presidência do partido e colocar lá Bruno Araújo. Só falta combinar com alguns cabeças-brancas.
“Bruno Araújo? Mas não tem nada decidido...”, respondeu um taciturno José Serra, numa conversa recente no café do Senado, referindo-se ao ex-ministro de Temer, derrotado no ano passado em Pernambuco. Dos que ainda estão no jogo eleitoral, Serra e Tasso Jereissati são os mais resistentes à subida de Doria. Fora da disputa das urnas, Fernando Henrique engrossa o caldo. Entre o primeiro e o segundo turno de 2018, FH tachou Doria, para diferentes interlocutores, de “oportunista” e “sem qualquer relação com os ideais do PSDB”.
Tasso Jereissati comunga da tese, tanto que tem mantido conversas com o Cidadania, ex-PPS, para uma eventual migração, em que levaria um punhado de senadores tucanos. No Senado, principalmente, o rosário de críticas a Doria é amplo. “Estão de parabéns os policiais que agiram e colocaram no cemitério mais dez bandidos”, comemorou, há duas semanas.
A política do tiro na cabecinha, da qual Doria se tornou fervoroso adepto, pelos dividendos eleitorais que lhe rende, é um dos pontos de atrito. “Como social-democratas, a insegurança das grandes cidades nos preocupa, claro, mas não pode haver desrespeito aos direitos humanos”, queixou-se um senador. Ainda na seara dos maus sentimentos (alô, Luís Roberto Barroso!), outra crítica corrente: “Essa coisa de ficar todo o tempo batendo no PT já deu. Ali é cachorro morto. Ainda que ele venha baixando o tom, ainda é excessivo”, criticou outro.
Na Câmara, a situação de Doria é melhor, até porque a força da atração que o poder exerce sobre os deputados é mais grave. “Não tem como não se aliar ao governador de São Paulo e presidenciável. E ele está aprendendo a lição. Sabe ouvir”, atenuou um paulista. “Ele se vende como o novo, e isso é bom”, completou outro, fazendo um adendo: “Embora ele não seja o novo na política, como é o Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul), que também tem pretensões nacionais. A diferença é que sair-se bem ao governar o Rio Grande é bem mais difícil do que em São Paulo”.
À exceção de Serra, nenhum tucano, entre senadores e deputados, quis falar publicamente sobre o governador de São Paulo. Na frente das câmeras, a maioria é só elogios ou palavras amenas. Observadores atentos da natureza tucana dizem que até Serra e Jereissati topariam um acordo, caso Doria lhes afagasse. Aécio Neves também evita embates. “O Aécio não percebeu ou não quer perceber que o João não vai mantê-lo no partido”, analisou um correligionário, sabedor de que a rota para expurgar Aécio já está traçada.
A comissão formada para discutir a elaboração de um código de ética, reformar o estatuto e instituir um sistema de integridade para o partido já teve três reuniões e apresentará até o dia 15 de maio suas conclusões. Uma delas pega Aécio pelo pé: o tucano que se tornar réu será afastado do partido. E, se condenado em segunda instância, será expulso. Esta será a maneira mais efetiva pela qual Doria conseguirá se livrar do mineiro, que se tornou réu em abril do ano passado, por corrupção passiva e obstrução da Justiça no caso JBS, e é alvo de outra pilha de inquéritos. O afastamento já engrossaria o discurso do PSDB em defesa da honestidade. Se viesse a condenação em segunda instância, viria a expulsão, e aí os tucanos já poderiam falar em ética com mais desenvoltura. Mas o strike pode ir além de Aécio.
Com a mesma jogada, Doria se livraria de dois alvos que ele já tem certeza de não querer mais no partido. Primeiro, Eduardo Azeredo, preso há um ano e condenado a 20 anos de prisão por peculato e lavagem de dinheiro no mensalão tucano. Segundo, Beto Richa, que se tornou réu pela terceira vez sob a acusação de desvios de R$ 20 milhões em obras de escolas públicas. Nos últimos sete meses, Richa foi preso três vezes, mas está em liberdade desde o começo do mês. Até o padrinho de Doria, Geraldo Alckmin, que o levou para a política e lhe entregou a prefeitura de São Paulo nas mãos, poderá ser alvo.
Nesta semana, a Justiça de São Paulo tornou Alckmin réu em uma ação de improbidade administrativa, acusado de ter recebido pagamentos ilegais da Odebrecht para sua última campanha ao governo de São Paulo, em 2014. No futuro, caso Serra se torne réu (hoje ele é investigado por caixa dois da Odebrecht), também pode sofrer um revés. Tudo depende da Justiça, até porque todos esses tucanos citados acima, inclusive o já preso Azeredo, garantem ser inocentes.
Doria não quis comentar nenhuma dessas críticas. Enquanto as mudanças não chegam, o jeito é os tucanos irem se virando nos trinta para tentar explicar por que são diferentes e merecem de novo o voto do brasileiro. No passado, diziam se diferenciar do PT principalmente pela honestidade. Mas como se diferenciar de Bolsonaro? Em tempos de golden shower, Doria até chegou a defender o Carnaval nas redes sociais e, com o abadá sobre a camisa social de punhos dobrados, deu as mãos a ACM Neto e dançou numa micareta em Salvador (veja o vídeo na coluna no site de ÉPOCA). Mas, na tentativa de surfar na onda do conservadorismo e pregar a lógica da vala para os bandidos, o PSDB pode acabar perdendo mais uma das nuances que lhe deu identidade.
Com Eduardo Barretto
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