O presidente Jair Bolsonaro fez um gesto que, dadas as atuais circunstâncias de polarização do País, merece o devido registro. Em discurso durante a cerimônia de comemoração do Dia do Exército, no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, ontem, Bolsonaro fez um aceno à imprensa, afirmando que, apesar de “alguns percalços entre nós, nós precisamos de vocês (profissionais da comunicação) para que a chama da democracia não se apague”.
Noutras circunstâncias, talvez essas palavras pudessem soar corriqueiras, quase banais, frente aos princípios que regem um Estado Democrático de Direito. No entanto, diante do histórico do presidente Jair Bolsonaro, elas adquirem relevância especial.
Levantamento feito pelo Estado mostrou que, nos primeiros dois meses e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro usou 29 vezes sua conta no Twitter para publicar ou compartilhar mensagens nas quais criticava, questionava ou ironizava o trabalho da imprensa brasileira.
No discurso que pronunciou no Comando Militar do Sudeste, utilizou um tom muito diferente. “Precisamos de vocês (profissionais da comunicação) cada vez mais. Palavras, letras e imagens que estejam perfeitamente irmanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo o cenário mundial”, afirmou o presidente.
Ao reconhecer a importância do trabalho da imprensa para a democracia, o presidente Jair Bolsonaro está igualmente reconhecendo a importância de um jornalismo livre e independente. Não há possibilidade de a imprensa realizar seu trabalho – não há jornalismo – se essa imprensa estiver, de algum modo, atrelada ou submetida aos interesses do governo. Só existe imprensa digna desse nome se, de fato, for uma imprensa livre, sem amarras políticas ou ideológicas.
A referência à imprensa feita pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira passada terminou com um voto de que “as pequenas diferenças fiquem para trás”. Com esse gesto, é de esperar que a atuação do presidente, especialmente nas redes sociais, ganhe novos contornos. Não faz nenhum sentido que o presidente da República reconheça a importância do trabalho de uma imprensa livre para a democracia e depois, nas redes sociais, transforme essa mesma imprensa no seu grande inimigo. Como disse o presidente Bolsonaro, as palavras devem estar “perfeitamente irmanadas com a verdade”.
De igual modo, é possível ver no gesto de conciliação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa mais do que um aceno aos meios de comunicação. Nas palavras amenizadoras do chefe do Executivo, também se pode vislumbrar uma tentativa de arrefecer as tensões entre os Três Poderes, o que é uma urgente prioridade.
É extremamente prejudicial ao País esse clima de beligerância envolvendo Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. O Estado deve tender a uma atuação harmoniosa, congraçando esforços em prol do interesse público. É absolutamente normal que haja tensões e atritos. Não é normal, no entanto, um clima de contínua desconfiança entre os órgãos estatais, com agentes públicos partindo do pressuposto de que o outro ente público atua de forma ilegal.
Não há dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe têm responsabilidade na formação e consolidação desse clima de beligerância que se instalou no País. Esperava-se que, depois das eleições e principalmente depois da posse, Bolsonaro fosse descer do palanque e assumir o cargo com uma atitude de reconciliação e unidade nacional. Nos primeiros 100 dias de governo, não se viu tal disposição. Ao contrário, o presidente e seus familiares se envolveram diretamente em várias situações de recrudescimento da polarização. Tal modo de proceder repercutiu nas redes sociais, com bolsonaristas promovendo um inflamado embate contra lideranças do Congresso e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Frente a isso, é de reconhecer que o aceno de paz feito pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira passada é uma grata – e importante – surpresa. Seria irresponsável desperdiçar essa oportunidade de recomeço.
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