O Globo
Não há país que, tendo o óleo à disposição,
deixe de explorá-lo, mesmo que esteja engajado em compromissos climáticos
Vamos falar francamente: é muito difícil, se
não impossível, que o presidente Lula desista
da exploração do petróleo na Margem Equatorial, a ampla área que vai do litoral
do Amapá ao
Rio Grande do Norte. Não se trata de simples política paroquial para agradar ao
presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, que é do Amapá, onde se conta com o dinheiro do óleo.
Claro que Lula precisa de Alcolumbre para aprovar seus projetos no Congresso. Mas a questão do petróleo é anterior e muito mais profunda. Embora menos ostensiva que a opinião ambientalista, há uma ampla coalizão favorável à exploração do óleo. Inclui membros do governo Lula, lideranças políticas, sociais e dos meios econômicos (empresários, trabalhadores), além de um grupo importante de gente ligada à área de energia.
O argumento ambientalista está posto. A tese
básica: não faz sentido produzir petróleo, fonte poluidora, num momento de
emergência climática e transição para energia limpa. Vale para o mundo todo. Há
outro argumento, local, para o caso da perfuração de poços na Margem
Equatorial, sobretudo na Foz do Amazonas: o risco de
um vazamento de óleo numa área de magnífica diversidade, podendo atingir as
condições de vida de populações indígenas.
Para o primeiro argumento, a resposta também
é universal. À sua maneira, Lula verbalizou:
— Vê se os Estados Unidos estão preocupados,
vê se a França, Alemanha, Inglaterra,
estão preocupados. Eles exploram quanto quiserem.
Não há país que, tendo petróleo à disposição,
deixe de explorá-lo, mesmo que esteja engajado em compromissos climáticos.
Existe demanda para petróleo, que deverá persistir por algumas décadas, mesmo
com o avanço de energia limpa. As duas últimas conferências do clima (COP28 e
COP29) se realizaram em países produtores de óleo, Emirados
Árabes Unidos e Azerbaijão. Em
Dubai, saiu uma declaração pela qual todos os países se comprometiam a
“trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”. Não
passou a proposta de buscar uma economia “não
Há um argumento econômico, repetido por aqui:
a renda do petróleo pode financiar a cara transição energética. Outro: ainda
não há suficiente energia limpa para tocar a economia mundial. Assim, os países
agem pelos dois lados. A China, no ano
passado, construiu usinas de carvão com capacidade de 93,5 gigawatts. Isso
mantém o país como segundo maior poluidor do mundo. Ao mesmo tempo, os chineses
instalaram 356 gigawatts de capacidade de energia eólica e solar. A União
Europeia, com forte compromisso verde, construiu um quinto disso.
Resumo: ou todos concordam em zerar a demanda
por combustíveis fósseis, ou todos continuam a produzi-los. Como lembrou
Lula, Suriname e Guiana Francesa,
na fronteira com o Amapá, já ganham dinheiro com o petróleo da Margem
Equatorial deles.
É realismo geopolítico.
A segunda questão — o risco de um desastre
ecológico — remete ao Ibama,
que negou licença ambiental para a Petrobras pesquisar o poço 59, a 500km da
Foz do Amazonas. É contra essa negativa que o presidente Lula se move. Diz ele
que se trata de autorização “apenas” para pesquisa. E que, só depois de
comprovada a existência de óleo, se discutirá a exploração. Conversa. É enorme
a chance de encontrar o óleo. E, se comprovada a existência, aí mesmo é que
será impossível não explorar. Só um ambientalista raiz desistiria desse
petróleo. Não é o caso do presidente.
Assim, aqui dentro, o problema de Lula é
lidar com seus ambientalistas, a ministra Marina Silva e
o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Para fora, e com o Brasil se
preparando para sediar a COP 30, o
problema é como se apresentar líder global da sustentabilidade e ... furar mais
poços. Palpite: o mundo não se inquietará muito com isso.
O que não elimina a questão essencial: há uma
severa emergência climática, a temperatura está subindo, e o combustível fóssil
é causa central. É preciso deter isso, e isso depende de acordos globais
forjados por líderes de visão. O mínimo que se pode esperar é o dinheiro do
petróleo ser efetivamente usado para a transição energética.
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