Folha de S. Paulo
Nacionalismo onomástico não é novidade e
tende a gerar fake news e situações ridículas como a desta guerra de topônimos
Esqueça a guerra tarifária e a sudetização da
Ucrânia, o contencioso trumpiano mais legal de acompanhar no momento é aquele
em torno do golfo do México, que o presidente americano rebatizou
de golfo da América.
Solícitos, Google e Apple atenderam ao capricho presidencial, exibindo o novo nome em seus aplicativos de mapas quando acionados a partir do território americano. A Associated Press não aquiesceu e teve um de seus repórteres barrado em evento da Casa Branca.
A presidente do México, liderando um movimento
de resistência, ameaça processar o Google por ter alterado seus mapas.
O nacionalismo onomástico não é exatamente
uma novidade. Brasileiros estamos familiarizados com a polêmica
Malvinas/Falklands. Algum tempo atrás, os próprios americanos, indignados com a
oposição francesa à invasão do Iraque (2003), tentaram rebatizar as
"french fries" (batatas fritas) de "freedom fries". Não
colou. O povo continuou pedindo e comendo "french fries".
O que há por trás de um nome? Ele é um
simples designador de coisas (função de referência), como ocorre quando dizemos
"esta rosa", ou opera também no nível do significado, evocando
idealizações de conceitos (a palavra "rosa" sem o "esta"),
que nos permitem reconhecer universais, isto é, a rosidade que traduz o que há
de comum a todas as rosas?
É complicado. Como já mostrara Abelardo no
século 12, mesmo que não houvesse mais rosas, o nome "rosa" ainda
significaria algo, ou a proposição "não existem rosas" deixaria de
fazer sentido. Uma das áreas mais fascinantes da filosofia é a filosofia da
linguagem.
Quando deixamos que a política invada a seara
dos nomes, entramos em território propício a fake news. Como observou Voltaire,
o Sacro Império Romano-Germânico não era sacro, nem era um império e nada tinha
de romano. Ao menos era germânico.
Alternativamente, podemos entrar só no
terreno do ridículo, como é o caso do golfo da América. Mas quem dera os
ímpetos antissistema de Trump se limitassem a rebatizar topônimos.
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