O Estado de S. Paulo
Jovens levam energia às ruas em protestos, mas nem sempre isso resulta em mudanças reais
A chamada Geração Z – de jovens nascidos
entre meados dos anos 1990 e início da década de 2010, a primeira a crescer
inteiramente conectada à internet – vem ocupando as manchetes em países do
mundo, como Peru, Marrocos, Madagáscar, Nepal e Indonésia.
No Peru, manifestações lideradas por jovens levaram o presidente interino José Jerí a decretar estado de emergência uma semana após assumir o cargo com a destituição de Dina Boluarte pelo Congresso. No Marrocos, um coletivo anônimo chamado Gen Z 212 vem organizando as maiores manifestações em uma década, denunciando a precariedade dos serviços públicos e a desigualdade econômica. Em Madagáscar, protestos encabeçados por jovens que se chamam “Gen Z Madagascar” contra apagões culminaram na queda do presidente Andry Rajoelina no dia 14 e na formação de um governo militar.
No Nepal, grandes manifestações de jovens em
setembro levaram à renúncia do primeiro-ministro. No mês anterior, a indignação
com privilégios concedidos a parlamentares e com o aumento do custo de vida
provocou confrontos violentos na Indonésia e forçou o governo a substituir
ministros. Jovens também tiveram papel significativo em protestos que ocorreram
ao longo de 2025 nas Filipinas, no Quênia, na Geórgia, na Sérvia e na
Eslováquia, entre outros.
O padrão repete-se: uma faísca concreta
(aumento de uma tarifa de metrô, um hospital sem recursos, violência policial,
casos de corrupção, a prisão de um opositor) sobre lenha acumulada de
desigualdade econômica e serviços degradados, mobilizando grupos
majoritariamente sem lideranças formais, organizados por plataformas digitais e
símbolos pop que cruzam fronteiras. Pautas aparentemente locais transbordaram
para temas sistêmicos – como a falta de perspectivas e a percepção de que as
elites estão desconectadas dos desafios que a maioria da população enfrenta.
É inegável que a conectividade global da Geração Z faz com que manifestações em um país inspirem jovens em outro. A “gramática” transnacional dos protestos combina repertórios locais com táticas e símbolos que circulam online. A mesma bandeira dos Straw Hat Pirates, difundida por fãs de One Piece – mangá japonês sobre um grupo de piratas que enfrenta impérios corruptos e busca liberdade –, reaparece de Lima a Jacarta como atalho visual para contestar elites e governos. Redes como Discord e TikTok permitem montar cronogramas, decidir pontos de encontro e dar visibilidade a pautas que antes morreriam em assembleias, mas as tornam vulneráveis a infiltrações oportunistas.
Mas, além das novidades simbólicas, as
revoltas também são, em vários sentidos, parecidas com as das últimas décadas –
como a onda de protestos no Brasil em 2013 –, expondo as limitações e os
dilemas desse tipo de movimento. Mobilizações horizontalizadas impõem custos
reputacionais a governos e, às vezes, derrubam líderes – porém, enfrentam
dificuldade crônica para converter energia de rua em desenho institucional,
como o surgimento de um novo partido. Sem organização programática, as
negociações emperram, as assembleias se fragmentam e o entusiasmo corre o risco
de dar lugar à frustração, terreno fértil para repressão, estados de exceção e
leis de “segurança digital”.
Madagáscar ilustra um risco recorrente: a
implosão do status quo abriu espaço a militares que prometem “transição” sem
data.
As manifestações inéditas no Chile em 2019
são um exemplo instrutivo – e vale examiná-las, pois ajudam a calibrar
expectativas. O aumento de 30 pesos no metrô detonou a maior onda de protestos
na história do país, reposicionou a agenda social e acelerou a ascensão de uma
nova geração política, simbolizada pelo atual presidente Gabriel Boric.
Ainda assim, o processo constituinte
fracassou duas vezes – ora por excesso de ambição, ora por reação conservadora.
A lição ecoa a Primavera Árabe: impacto simbólico imenso; resultados
decepcionantes. A Gen Z expõe contratos sociais defeituosos, mas protestos sem
liderança e falta de compromisso de longo prazo correm o risco de produzirem
mudanças pouco mensuráveis. Ou seja, a energia das ruas nem sempre vira
política pública.
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