Brasil tem exemplos positivos a mostrar na COP30
Por O Globo
Apesar de combate à devastação florestal
apresentar resultado frustrante, país sabe o que fazer para zerá-la
A última avaliação global das metas de redução de emissões anterior à COP30, a Conferência do Clima de Belém, traz dados preocupantes sobre o Brasil, como revelou reportagem do GLOBO. Num ano em que a devastação alcançou 8,1 milhões de hectares de floresta tropical — ou 3,1 milhões acima da perda máxima que permitiria atingir as metas traçadas para 2030 —, o Brasil foi responsável por 47,3% dessa devastação, ou 3,84 milhões de hectares. Apesar de a Avaliação da Declaração Florestal reconhecer a queda de 22% no desmatamento no ano passado em relação a 2023, a área devastada ainda foi o triplo do nível compatível com a meta de desmatamento zero até 2030. Com um terço das florestas tropicais do planeta, o Brasil respondeu por 40% das emissões vinculadas à devastação florestal.
Ainda assim, o país tem diversos exemplos
positivos a apresentar na COP30 — e deveria se concentrar em ampliá-los para
cumprir seus compromissos. “O Brasil está diante de uma escolha decisiva”,
afirma o documento. “Pode consolidar-se como líder da transição verde global —
ou repetir o ciclo de avanços e retrocessos que tem marcado sua política
ambiental nas últimas décadas.” Descrito como líder potencial da bioeconomia
tropical, o país tem a capacidade de atrair R$ 50 bilhões em investimentos
verdes se souber aprofundar as iniciativas bem-sucedidas que já exercem impacto
positivo.
É o caso do Selo Verde, concedido a cadeias
produtivas que não desmatam para crescer e a prefeituras com políticas eficazes
de manejo de resíduos e programas de saneamento básico. Ou do Plano Nacional de
Identificação Individual de Bovinos e Búfalos, que promete a rastreabilidade
total do rebanho até 2032, trunfo brasileiro para manter sua relevância no
mercado mundial de carnes. Ou ainda da moratória da soja, iniciativa que já
completa 19 anos, vetando ao cultivo do grão as áreas da Amazônia desmatadas
depois de 2008.
Na pecuária, era disseminado o costume de
limpar áreas para “soltar o boi no pasto”. Com o aumento das exigências de
mercados consumidores dentro e fora do país, ganharam espaço práticas que se
preocupam em assegurar que a carne não resulta de desmatamento. O crescimento
das safras deve depender de ganhos de produtividade alcançados por avanços em
técnicas de cultivo, colheita ou seleção de sementes. A tecnologia aplicada ao
campo é um instrumento poderoso de preservação ambiental.
A moratória surgiu nesse contexto e resultou
na preservação de uma área de 18 mil km². Antes, 30% do crescimento da produção
dependia do aumento da área cultivada — portanto, de desmatamento. Com a
moratória, esse percentual caiu drasticamente. Em agosto, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) suspendeu a moratória, mas a decisão
foi derrubada na Justiça. A desavença traduz a insegurança jurídica que ameaça
o campo e o meio ambiente.
É essencial que prevaleça o bom senso e a moratória seja mantida.
Falta muito para a meta de desmatamento zero
em 2030, mas é essencial reconhecer que o caminho até lá, embora difícil,
depende apenas de ampliar aquilo que o país já sabe fazer. É vital preservar as
conquistas e ampliá-las para avançar.
Alta em casos antes dos 50 anos expõe falhas
na luta contra o câncer
Por O Globo
Entre 2013 e 2024, os tumores precoces
aumentaram 284%, enquanto população jovem encolheu
É preocupante o crescimento de diagnósticos
de câncer entre
jovens adultos no Brasil, constatado em levantamento do portal g1 com base em
dados do SUS. Os registros em pacientes de até 50 anos quase quadruplicaram
entre 2013 e 2024, de 45,5 mil para 174,9 mil — alta de 284%, ante crescimento
populacional de 5,8% e queda de 1,4% na faixa etária até 50 anos. Isso sem
levar em conta casos restritos ao sistema de saúde suplementar, que atende 53
milhões de brasileiros. Entre os tumores que mais cresceram estão os de mama,
de fígado e o colorretal. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) atribui o salto
à melhoria na captação de dados, com registro de casos que antes ficariam fora
das estatísticas. Enfatiza que “não significa aumento real de diagnósticos”.
Mesmo assim, os números preocupam. O câncer tem crescido entre jovens no mundo
todo.
Desde o início dos anos 1990, estudos globais
têm apontado aumento nos casos precoces. A incidência mundial em menores de 50
anos subiu 79% entre 1990 e 2019, de acordo com análise na revista médica BMJ
Oncology. Estudo na Nature Medicine constatou em 2022 crescimento em adultos de
até 50 anos em países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Coreia do Sul.
Por que os casos crescem entre os mais
jovens? Há outros fatores além da melhora na qualidade dos registros. As
hipóteses mais consistentes têm relação com estilo de vida, dieta e exposição
precoce a cancerígenos. Durante a pandemia, sabia-se que a saturação do sistema
de saúde por pacientes de Covid-19 prejudicaria o tratamento de outras doenças
como câncer. Era esperado que houvesse diagnóstico tardio de vários tumores,
com impacto nos indicadores futuros. Mas os dados relativos a 2019, ano
anterior à pandemia, já revelavam crescimento de 242% nos casos, de acordo com
o g1.
É provável que a explosão registrada no
Brasil seja resultado de uma combinação de fatores. Para alguns tipos de tumor,
há explicações mais plausíveis. É o caso do câncer colorretal, cuja incidência
em jovens tem subido em dezenas de países, como resultado provável de exposição
desde a infância a alimentos ultraprocessados, hábitos sedentários e obesidade.
No Brasil, ele cresceu 160% no período de 12 anos. “Só 5% dos casos são
hereditários; mais de 90% têm relação com alimentação, sedentarismo e
obesidade”, disse ao g1 o oncologista Samuel Aguiar, do A.C. Camargo Cancer
Center, em São Paulo. Nos Estados Unidos, a idade de rastreamento foi reduzida
a 45 anos.
Além de campanhas que favoreçam o diagnóstico precoce e de políticas para incentivar alimentação saudável, atividade física e reduzir consumo de álcool e tabaco, é essencial integrar os dados do SUS e da saúde suplementar para obter uma visão completa do problema. Com base nisso, será possível destinar recursos para garantir o atendimento a tempo na rede pública, reduzindo as filas. Só assim aumentará a chance de cura. A explosão do câncer antes dos 50 não é apenas anomalia estatística. É um aviso de que as políticas de prevenção e tratamento não têm dado conta da realidade.
Justiça precisa ser protegida da corrupção
interna
Por Folha de S. Paulo
Possível esquema de venda de decisões
judiciais, em apuração pela PF, deve ser tratado com máximo rigor
Quando decisões são tomadas não pelo
fundamentado do julgador, mas em troca de dinheiro, é todo o sistema de Justiça
que se vê ameaçado
São gravíssimas as suspeitas da Polícia
Federal sobre um esquema de vazamento de informações e venda de
decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça. O relatório preliminar do
caso, conhecido como Operação Sisamnes, menciona a reprodução de padrões
típicos de atuação de organizações criminosas.
Com a apuração inicial, a PF havia chegado a
três suspeitos principais na corte: Daimler Alberto de Campos, que foi chefe de
gabinete da ministra Isabel Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que trabalhou
para Gallotti e para outros membros do STJ; e Rodrigo
Falcão, que foi chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.
Além desses servidores, estariam envolvidos
nas atividades ilícitas o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, pivô do
escândalo, e o advogado Roberto Zampieri, cujo assassinato, em 2023, deflagrou
as investigações —conversas em
seu telefone celular ligaram o alerta das autoridades.
Agora, avançado o inquérito, levanta-se a
hipótese de haver mais funcionários do STJ implicados na trama, dado o grau de
conhecimento que os interlocutores do lobista demonstravam quanto à
movimentação dos autos.
De acordo com a polícia, as maiores suspeitas
incidem sobre ações que tramitaram nos gabinetes das ministras Gallotti (sete
processos) e Nancy Andrighi (cinco processos). Em paralelo, averigua-se
vazamento de informações da Operação Faroeste, de relatoria do ministro
Fernandes.
Ainda em fase de inquérito, as averiguações
da PF não se traduzem em culpa antecipada de nenhum dos citados. Além disso,
pelo menos até agora, nenhum ministro do STJ é alvo da investigação, que corre
sob os olhos do ministro Cristiano
Zanin, do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo assim, a simples desconfiança de que
exista um esquema amplo como esse basta para macular a imagem do Estado de
Direito moderno —razão pela qual é crucial que o escrutínio prossiga com máximo
rigor, seja para desfazer o engano, seja para desbaratar a quadrilha que
corrompe o princípio da Justiça.
À diferença de outros períodos históricos,
quando as reparações se davam por vingança pessoal ou mediante os caprichos de
um soberano, a modernidade se baseia em leis previamente conhecidas e aplicadas
por um órgão técnico, independente e equidistante das partes em conflito.
Quando decisões judiciais são determinadas
não pelo convencimento livre e fundamentado de um julgador, mas pela quantia de
dinheiro oferecida à sorrelfa, há mais do que o prejuízo concreto em um caso
particular, pois é todo esse sistema que termina ameaçado —e é ele que precisa
ser bem protegido.
Daí por que vêm em boa hora as manifestações
do ministro Edson Fachin,
novo presidente do STF, e do
ministro Mauro Campbell, corregedor do Conselho Nacional de Justiça, a favor
de sanções mais duras a magistrados que usem o cargo para se
beneficiar de forma indevida.
Burocracia é inimiga do crédito
Por Folha de S. Paulo
STF gera insegurança jurídica com votos para
que Detrans não possam executar veículos dados como garantia
O alto custo de execuções em cartórios
contrasta com procedimento rápido e digital que poderia ser feito por Detrans
de modo rastreável
Para que o sistema financeiro funcione de
maneira justa e eficiente para credores e devedores, é essencial que haja
segurança jurídica nas relações contratuais e rapidez na solução de
inadimplências.
De modo geral, é o que estabelece o
chamado marco legal das garantias, lei de iniciativa do
governo Jair
Bolsonaro (PL), em 2021, e apoiada
pela gestão de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
até a sua sanção em 2023.
O diploma buscou desburocratizar a execução
de dívidas, diminuindo riscos para o credor e, por consequência, o custo do
crédito.
Na sexta (10), entretanto, Dias Toffoli,
ministro do Supremo Tribunal Federal, mudou seu próprio entendimento anterior e
votou pela inconstitucionalidade de um dispositivo da lei —contradição que tem
sido comum não apenas em decisões de Toffoli, mas de outros juízes da Corte. A
medida temerária adiciona camadas de burocracia onde não haveria necessidade.
Está em disputa o artigo do marco legal que
autorizava a execução extrajudicial de veículos dados como garantias em contratos
de financiamento diretamente pelos departamentos estaduais de trânsito.
A favor da competência dos Detrans está a
necessidade de evitar a morosidade do sistema de Justiça e de prover segurança
aos credores. Entidades do setor de crédito e de transporte, com razão,
criticaram a guinada do Supremo em relação ao tema, dado que ela contraria a
eficiência a e agilidade promovidas pela lei.
Para o ministro, que é relator do caso, a
competência para a execução deve ser só dos cartórios, segundo ele sujeitos a
maior escrutínio judicial e supervisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Toffoli acompanhou a divergência aberta pelo
ministro Flávio Dino e
foi seguido por Cristiano
Zanin —o julgamento foi suspenso após pedido de vista do
ministro Gilmar Mendes.
O zigue-zague do STF agrava
ainda mais o problema estrutural de crédito no Brasil, ao reforçar insegurança
e práticas obsoletas.
Sabe-se que para evitar distorções nesse
setor é preciso proteger, de um lado, os direitos de credores e devedores e, de
outro, zelar pela economicidade.
Especialistas apontam que em São Paulo, por exemplo, o custo elevado de execuções extrajudiciais em cartórios contrasta com o procedimento rápido e digital que poderia ser realizado pelos Detrans de forma rastreável —e, se necessário, passível de revisão pelo Judiciário. Fortalecer burocracia é retrocesso encampado no STF que encarece o crédito para toda a sociedade.
Perto de eleições, Milei perde o poder sobre
o câmbio
Por Valor Econômico
Apesar da promessa de apoio dos EUA, os
argentinos buscam proteção no dólar, uma ação que já destruiu o país muitas
vezes
A mal resolvida relação de amor e ódio dos
argentinos com a sua moeda alcança um novo auge antes das eleições legislativas
do próximo domingo, dia 26, que determinará a governabilidade do presidente
libertário Javier Milei nos próximos dois anos. Só que desta vez a compulsão de
repetir a mesma ação — de sobrevalorizar o peso frente ao dólar até o ponto de
provocar uma crise cambial — contaminou o governo americano de Donald Trump,
que prometeu bilhões de dólares em ajuda financeira para dar sobrevida ao regime
cambial argentino visto como insustentável pelo mercado. Não se sabe ao certo
ainda até onde vai o compromisso americano na sustentação do regime de Milei.
Depois de chamar o peso de “excremento”
durante a campanha presidencial de 2023, Milei agora faz de tudo para sustentar
seu valor, que analistas argentinos e estrangeiros calculam que esteja
sobrevalorizado entre 20% e 35%. Do novo empréstimo de US$ 20 bilhões do FMI
acertado em abril — dos quais US$ 14 bilhões já foram desembolsados — às mais
recentes promessas de assistência do Tesouro americano, o peso argentino
teoricamente contaria com uma blindagem de US$ 60 bilhões. Para argentinos e
investidores isso é insuficiente diante do crescente ceticismo com relação ao
regime cambial vigente, o que alimenta a expectativa de uma inevitável
desvalorização depois de domingo. Mas US$ 20 bilhões adicionais dos EUA ainda
não foram dados e boa parte do dinheiro do FMI foi consumida em intervenções no
câmbio que não surtiram efeito.
Milei vem tentando colocar a economia
argentina no trilho após décadas de crise. Experiências passadas e fracassadas
de governos anteriores — mais recentemente de Cristina Kirchner, Mauricio Macri
e Alberto Fernández — reforçam essa desconfiança. A estratégia de
sobrevalorização da moeda — precedida por uma desvalorização inicial de 50% —
juntamente com cortes profundos de gastos públicos ajudou Milei a reduzir a
inflação anual, que atingiu 32% em setembro, contra quase 300% no início do seu
governo.
Porém, à medida que a moeda supervalorizada
leva ao aumento do desemprego, à redução do saldo comercial, uma fonte essencial
de dólares, e à reação política, começa a haver uma fuga de capital do país,
alimentada pelas expectativas de iminente desvalorização. A proximidade de uma
eleição importante intensifica esse movimento, como ocorre agora.
Quando a crise cambial se torna evidente, o
governo tenta impedir a fuga de capitais e sustentar a moeda aumentando as
taxas de juros a níveis incrivelmente altos. A disparada dos juros agrava o
sofrimento econômico e freia o crescimento. Se a pressão política se torna
intolerável, a moeda despenca.
A Argentina encontra-se no ponto da escalada
dos juros. Desde o anúncio da intervenção do Tesouro dos EUA no mercado de
câmbio argentino, a taxa de juros local disparou, de 80% para 160%, o que a
torna catastrófica para a já debilitada atividade econômica. De acordo com
estimativas de operadores do mercado, os argentinos — pessoas físicas e
empresas — estão comprando cerca de US$ 300 milhões por dia. A aposta que Milei
tem feito agora é semelhante à que o fundo de hedge de George Soros — onde o
secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, iniciou sua carreira — fez
contra a libra esterlina nos anos 1990. Em 1992, o Reino Unido procurava
defender a todo custo a libra, Soros apostou que o país seria forçado a
abandonar o regime cambial insustentável e ganhou. Seu fundo lucrou cerca de
US$ 1 bilhão quando isso aconteceu.
Bessent parece ter esquecido essa lição e,
junto com o ministro da Economia argentino, Luis Caputo, tem rejeitado as
críticas de sobrevalorização do peso. O secretário americano até mesmo sugeriu
que o peso estaria “subvalorizado”.
Um dos motivos pelos quais a moeda é
considerada supervalorizada é que ela não reflete a inflação elevada na
Argentina. A taxa de câmbio atual do peso está no mesmo nível da taxa não
oficial em abril — antes da suspensão parcial dos controles cambiais —,
enquanto a inflação ao consumidor subiu 12% desde então. Em 2024 o peso
argentino foi a moeda que mais se valorizou no mundo, com um ganho de mais de
44% em 2024, apesar de uma inflação de quase 118%.
Em uma tentativa para fugir da sina da
desvalorização cambial, Milei foi a Washington em busca do apoio de Trump na
terça-feira. A afinidade ideológica rendeu ao líder argentino um almoço na Casa
Branca, fotos e elogios. Mas o sempre inesperado Trump esfriou as expectativas
de um contundente apoio financeiro americano ao condicionar a “generosidade”
dos EUA a uma vitória do partido de Milei nas eleições legislativas. Para
consertar o estrago causado, seguiram-se vários tuítes de Bessent e declarações
de membros da equipe econômica sobre a iminência de anúncios importantes, de um
acordo comercial com os EUA a outras medidas de suporte.
No entanto, a reação dos mercados já não é mais tão positiva a uma semana das eleições, que se transformaram num plebiscito sobre Milei e suas políticas. Os investidores estão procurando se proteger correndo para o dólar, uma ação que já destruiu o país muitas vezes.
Lula teve uma ideia
Por O Estado d S. Paulo
O petista sugeriu um ‘imposto global’ pago
por ‘super-ricos’ para combater a fome no mundo. Nada disso vai acontecer,
claro, mas o objetivo de Lula é somente vilanizar quem tem dinheiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
participou do Fórum Mundial da Alimentação, em Roma, onde pôde mais uma vez
transformar a redução da fome em peça de propaganda – agora em escala global.
Ressaltando a saída do Brasil do Mapa da Fome, anunciada em julho pela
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o
petista declarou: “A fome é irmã da guerra”. Além de mencionar os conflitos
armados, que “desorganizam cadeias de insumos e alimentos”, Lula denunciou o
egoísmo das potências econômicas, associou o problema às “barreiras e políticas
protecionistas de países ricos” que “desestruturam a produção agrícola no mundo
em desenvolvimento” e exibiu o Brasil governado pelo PT como exemplo de
superação moral e política.
O discurso, repleto de indignação e metáforas
grandiosas, foi recebido com aplausos. Mas o melhor ainda estava por vir: Lula
sugeriu a cobrança de um “imposto global” de 2% em cima dos “super-ricos”. Em
suas contas, bastariam US$ 315 bilhões para que todos os famintos do mundo
pudessem fazer três refeições por dia. O que Lula não contou à embevecida
plateia é que o Brasil já gasta cerca de 15% desse valor por ano em Bolsa
Família e em Benefício de Prestação Continuada, e, no entanto, a despeito dessa
dinheirama, e mesmo tendo o equivalente a apenas 3% da população total dos
países em desenvolvimento, ainda enfrenta insegurança alimentar, como mostrou
recentemente o IBGE.
Os dados indicam que 24,2% dos domicílios
brasileiros conviviam com algum grau de insegurança alimentar em 2024. Houve
queda em relação aos 27,6% de 2023, mas mesmo assim segue sendo um número muito
alto para um país que investe tanto em assistencialismo. E tudo isso mesmo com
o PT na Presidência em 16 dos últimos 22 anos. Eis então que a fórmula proposta
por Lula para acabar com a fome no mundo não funciona nem no Brasil que ele
governa. O máximo que os governos petistas conseguiram foi estabelecer uma
miríade de benefícios sociais que se prestam a apenas mitigar um problema que
só será resolvido quando houver reformas profundas, capazes de reduzir o imenso
custo de produzir no Brasil, gerando riqueza e oportunidades para todos. E
isso, obviamente, Lula e os petistas jamais farão.
Donde se conclui que o propósito do discurso
de Lula não era lançar propostas concretas e factíveis para enfrentar o
problema da fome no mundo, e sim vilanizar os ricos, eleitos pelo presidente
como inimigos do povo brasileiro – e mundial. Esse, como sabemos, deverá ser
seu mote na campanha à reeleição no ano que vem. Recorde-se que, recentemente,
depois que o Congresso derrotou, de forma acachapante, a tentativa do governo
de aumentar impostos para cobrir o rombo fiscal, Lula saiu a declarar que “uma
parte do Congresso Nacional votou contra a taxação que a gente queria fazer dos
bilionários deste País, daqueles que ganham muito e pagam pouco”.
Ademais, é fácil discursar sobre a fome em
Roma. Difícil é combatê-la na pobreza amazônica de Roraima, nos becos de
Manaus, no sertão do Piauí e nas favelas do Rio de Janeiro ou outras
metrópoles. Lula levou à Itália o discurso moral, mas pouco disse sobre o
colapso de condições internas que poderiam tornar o Brasil menos dependente da
demagogia do governo de ocasião. Em vez de um diagnóstico estrutural, preferiu
o teatro diplomático. A fome é de fato irmã da guerra, mas, antes de tudo, é
filha da má gestão, da improvisação política e da dependência crônica do
assistencialismo.
Enquanto isso, o Estado está quase
completamente capturado por interesses privados, reduzindo de forma drástica
sua capacidade de investimento público, necessário para melhorar a
produtividade e impulsionar o desenvolvimento de forma sustentável. Aos pobres,
por quem Lula diz se interessar, restam as migalhas, com as quais até é
possível reduzir a fome, mas são insuficientes para fazer com que esse enorme
contingente de brasileiros deixe finalmente de viver da mão para a boca.
A indústria dos processos trabalhistas
Por O Estado de S. Paulo
Depois de mudanças determinadas pelo STF na
reforma trabalhista, economia bilionária com redução de litígios judiciais cai
gradativamente, enquanto novos processos voltam a crescer
Aprovada em 2017, a reforma trabalhista mudou
as relações no mercado de trabalho e representou uma economia de R$ 15 bilhões
entre 2022 e 2024, principalmente pela redução dos litígios judiciais. Mas tão
impressionante quanto o volume economizado em três anos têm sido a rapidez e a
intensidade com que os ganhos se esvaem a partir da flexibilização das novas
regras, em ações promovidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal
Superior do Trabalho (TST).
O cálculo da economia de custos faz parte de
um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Movimento Brasil
Competitivo (MBC) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), como divulgou o Estadão. Observado
separadamente em cada ano, é flagrante a perda de fôlego do resultado: foram
economizados R$ 8 bilhões em 2022, R$ 6 bilhões em 2023 e apenas R$ 699 milhões
em 2024.
O fato de um dos principais pontos da
reforma, o princípio da sucumbência, ter sido modificado em 2021 pelo STF está
longe de ser uma simples coincidência. Esse princípio estabelece que a parte
perdedora da ação, seja empregador ou empregado, deve pagar os honorários ao
advogado da parte vencedora em um porcentual calculado entre 5% e 15% do valor
da condenação (ou da causa, caso o autor da ação seja perdedor).
Assim, o pagamento de honorários periciais e
advocatícios pela parte perdedora inibiu as ações judiciais meramente
oportunistas, que mal se sustentavam, mas que eram movidas mesmo assim, já que
nada custavam para o trabalhador.
Antes, quando de forma nenhuma o trabalhador
tinha de arcar com os custos, as ações na Justiça iniciaram uma escalada que
chegou a 2,76 milhões de processos em 2016, um ano antes da reforma. Com a
adoção das novas regras a queda foi imediata e, em 2020, o total havia sido
reduzido quase à metade, para 1,48 milhão. A partir de 2021, com a
flexibilização aprovada pela Corte, voltou a subir, até chegar a 2,1 milhões no
ano passado, com previsão de atingir 2,3 milhões neste ano.
Pelo andar da carruagem, não demora a chegar
ao nível alarmante que contribuiu para acelerar as discussões sobre a reforma.
A partir da flexibilização, em 2021, a
gratuidade é determinada a partir da autodeclaração de hipossuficiência, sem
necessidade de comprovar patrimônio e renda. E ainda que o juiz trabalhista tenha
o poder de investigar a situação financeira da parte autora e indeferir o
pedido, é difícil imaginar que esse seja o comportamento de praxe.
Na maioria dos casos, cabe às empresas o ônus
de comprovar o patrimônio de empregados litigantes. Os dados agora divulgados
apenas quantificam uma realidade que já estava sendo percebida após os
abrandamentos da reforma do governo Michel Temer. Casos sem qualquer lógica de
beneficiários de gratuidade judicial em ações trabalhistas não são raridade. A
reportagem do Estadão destacou
exemplos, extraídos de um estudo do sociólogo José Pastore, colunista deste
jornal, de proprietários de veículos de luxo ou salários acima de R$ 30 mil que
se autodeclararam hipossuficientes e se livraram do risco do pagamento de
custas.
A instituição do princípio da sucumbência foi
adotada para moralizar uma prática de banalização de recursos judiciais que
visava pura e simplesmente ao aumento do valor de indenizações trabalhistas.
Até 2021, era mais frequente na indústria; no primeiro semestre de 2025, houve
uma nova arrancada de ações trabalhistas, movida, principalmente, pelo setor de
serviços, que respondeu por 26,6% dos processos protocolados no ano passado.
Os organizadores do estudo CNI-MBC-FGV
calcularam o volume dos processos do ano passado com a média dos países que
formam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que
serve como espécie de referência para boas práticas. O resultado mostrou a
média do Brasil (9.961 processos por milhão de habitantes) mais de duas vezes e
meia acima da média da OCDE (3.486 por milhão de habitantes). Ou seja, no
Brasil, essa indústria, a dos processos trabalhistas, raramente entra em crise.
Direito à morte digna
Por O Estado de S. Paulo
Uruguai honra valores liberais ao aprovar lei
que autoriza morte assistida sob condições específicas
Por ampla maioria (31 votos a 20), o Senado
do Uruguai aprovou a autorização da eutanásia em situações específicas.
Batizada de “Lei da Morte Digna”, que é efetivamente do que se trata, a
legislação permite que cidadãos uruguaios que sejam pacientes terminais,
portadores de doenças incuráveis ou que experimentem sofrimento insuportável
solicitem assistência médica para encerrar a própria vida.
Para ter direito à eutanásia, o requerente
deve apresentar pedido por escrito, além de avaliações prévias e garantias
jurídicas para médicos e pacientes. O procedimento é distinto do suicídio
assistido, ao qual o poeta brasileiro Antonio Cicero recorreu no ano passado na
Suíça. Ele sofria de Alzheimer.
Na eutanásia, um profissional de saúde
administra o medicamento que levará à morte, enquanto no suicídio assistido é o
próprio paciente quem toma a medicação, prescrita por um profissional.
Na América Latina, a Colômbia e o Equador
também permitem a eutanásia, mas em razão de decisão judicial. Já no Uruguai, a
autorização se deu com votos da esquerda e da direita após um debate amplo no
Congresso. De acordo com a consultoria Cifra, 62% da população uruguaia apoia o
procedimento.
No mundo, Portugal, Espanha, Bélgica,
Holanda, Luxemburgo, Austrália e Nova Zelândia também, cada um com regras
próprias, permitem a eutanásia.
Já no Brasil, nem o suicídio assistido nem a
eutanásia são permitidos. A aprovação da morte digna no Uruguai, contudo,
oferece ao Brasil uma oportunidade de debater o tema com a seriedade que ele
merece.
Acometida de Esclerose Lateral Amiotrófica
(ELA), doença degenerativa sem cura e que provoca paralisia muscular, a
uruguaia Beatriz Gelós afirmou à agência AFP dias antes da votação que sentiria
uma paz incrível se a lei, “compassiva, muito humana, muito bem escrita”, fosse
aprovada.
Eis o cerne da questão. Somente aqueles que
convivem com enfermidades incuráveis, degradantes e/ou que provocam dores
incapacitantes sabem a angústia que é viver em estado de morte enquanto vivos.
A eles e a seus familiares, a possibilidade
de recorrer à eutanásia é uma alternativa que não deveria ser negada,
especialmente sob argumentos morais ou religiosos – que não podem se impor numa
república laica. Quem entender que o melhor para si é buscar a morte assistida
deveria poder fazê-lo de forma segura, com amparo do Estado, obedecendo-se a
regras específicas para tal. É assim que deveria funcionar numa democracia
liberal.
Infelizmente, porém, o Brasil está atrasado
não só nessa discussão, mas também na oferta dos chamados cuidados paliativos,
isto é, na possibilidade de que quem se encontra em fase terminal receba
assistência médica não para sobreviver, mas para não sentir dor até o último
dia de vida.
Somente no ano passado, o País lançou uma
política nacional de cuidados paliativos via Sistema Único de Saúde (SUS), que,
por óbvio, segue despreparado para oferecer conforto aos pacientes que estão em
fase terminal.
Garantir morte digna, dos cuidados paliativos à eutanásia, é uma questão de cidadania – e um ato de humanidade.
Um alento de cidadania após uma espera de 16
anos
Por O Povo (CE)
O grande desafio começa agora: implementar. A
criação de parâmetros claros sobre construções, tamanho de lotes, largura de
vias e a facilitação da obtenção do "papel da casa" são vitais. No
entanto, são apenas o arcabouço
A sanção, pelo prefeito Evandro Leitão (PT),
da lei que regulamenta dez Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) em
Fortaleza é um momento de celebração para a política habitacional da Cidade;
principalmente, para as mais de 220 mil pessoas que residem nessas áreas. O
regulamento que define regras próprias de parcelamento, uso e ocupação do solo,
além de facilitar a regularização fundiária, atende a uma demanda urgente por
ordenamento urbano e segurança jurídica para a população de baixa renda.
Contudo, a satisfação com o passo dado não
pode obscurecer a morosidade do poder público: esta regulamentação ocorre
dezesseis anos após as Zeis terem sido instituídas no Plano Diretor
Participativo de 2009. O lapso temporal estendeu por quase duas décadas a
insegurança jurídica, a vulnerabilidade social e a dificuldade de acesso a
políticas públicas para milhares de famílias. Eis um sintoma alarmante da
desconexão entre o planejamento urbano e a urgência social.
Apesar desta sombra, o foco agora deve recair
sobre o futuro e a concretização dos benefícios prometidos.
A gestão municipal resolveu, enfim, essa
parte da questão burocrática e legal. O grande desafio começa agora:
implementar. A criação de parâmetros claros sobre construções, tamanho de
lotes, largura de vias e a facilitação da obtenção do "papel da casa"
são vitais. No entanto, são apenas o arcabouço.
Para que as Zeis cumpram seu papel de gerar
melhores condições de vida, é imperativo que a Prefeitura invista maciçamente
em infraestrutura urbana básica - saneamento, drenagem, pavimentação e
iluminação - e em equipamentos sociais como escolas, postos de saúde e áreas de
lazer.
As Zeis não podem ser somente um instrumento
de regularização fundiária; elas são, em essência, uma ferramenta de justiça
social e direito à Cidade. A integração dessas dez áreas - incluindo
comunidades históricas como Lagamar, Serviluz e Pirambu - ao tecido urbano
formal deve ir além da legalidade dos imóveis, promovendo a real inclusão
social e econômica dos moradores.
A expectativa é que a atuação dos atuais
gestores, que demonstraram a vontade política para destravar essa pauta antiga,
prossiga com a mesma determinação na fase de execução. É necessário estabelecer
um cronograma transparente de investimentos e garantir a participação dos
conselhos gestores e das comunidades.
O sucesso da Zeis não será medido pela caneta da gestão, mas pela real transformação da qualidade de vida dos cidadãos fortalezenses que, após 16 anos de espera, finalmente começam a ver a promessa de um lar seguro e de uma Cidade mais justa se materializar.
Bullying não é brincadeira
Por Correio Braziliense
Fundamental a participação da família nos
ensinamentos da boa convivência às crianças e aos jovens, sem transferir a
responsabilidade exclusivamente para a escola
O bullying não é coisa de criança. É
violência sistemática com consequências que se arrastam pela vida adulta. Hoje,
Dia Mundial de Combate ao Bullying, há uma oportunidade de se debater o tema e
buscar parcerias e soluções entre sociedade, escola e família para coibir a
prática.
A vítima tem sua autoestima minada e está
mais propensa a desenvolver depressão, ansiedade, síndrome do pânico,
autoextermínio. A recusa em ir à escola, a queda drástica no rendimento e o
isolamento social são apenas alguns sintomas de um trauma profundo.
No ambiente que deveria ser dedicado ao
aprendizado, ao convívio saudável e ao fortalecimento da cidadania, verifica-se
o contrário, com alarmante frequência. O agressor e o agredido se ocultam,
enquanto a escola permanece, muitas vezes, cúmplice por omissão. É fundamental
a participação da família nos ensinamentos da boa convivência às crianças e aos
jovens, sem transferir a responsabilidade exclusivamente para a escola.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
(PeNSE), de 2015, já apontava que 19,8% dos estudantes brasileiros relatavam a
prática de bullying. Mais recentemente, a percepção de um problema sistêmico se
confirma: 38% das escolas brasileiras relatam ter problemas com bullying,
segundo o levantamento de 2024.
Embora 70% das escolas afirmem possuir
projetos de combate ao bullying, o aumento da violência interpessoal na esfera
escolar, que subiu de 3,7 mil vítimas em 2013 para 13,1 mil em 2023 (aumento de
mais de 250% em 10 anos), conforme números do Ministério de Direitos Humanos e
Cidadania, sugere que esses projetos são, na melhor das hipóteses,
insuficientes ou, na pior, meros formalismos. Parte das ocorrências envolve
desentendimentos e agressões causados pela pressão física ou psicológica,
muitas vezes intencional e repetitiva, com o propósito de intimidação.
A situação é ainda mais crítica para grupos
vulneráveis. Um estudo de 2024 indicou que 86% dos estudantes LGBTQIA relataram
se sentir inseguros na escola devido a alguma característica pessoal. O dado é da
Pesquisa Nacional sobre o Bullying no Ambiente Educacional Brasileiro,
realizada pela organização da sociedade civil Aliança Nacional LGBTI em
parceria com o Instituto Unibanco.
A criminalização recente do bullying e do
cyberbullying (Lei 14.811/24) foi uma medida importantíssima, mas a lei,
sozinha, não resolve. Há um descompasso entre o sofrimento dos alunos e o
reconhecimento do problema. Muitas vezes tratado como caso isolado, perde-se a
chance de ser conduzido de forma pedagógica para toda a comunidade escolar.
Não basta ter um projeto antibullying no
papel. É preciso investir em formação continuada para professores e gestores,
ensinando-os a identificar e intervir. Garantir acolhimento psicológico para
vítimas e também para agressores, que, muitas vezes, reproduzem violências sofridas,
deve estar no manual de conduta. Assim como a criação de canais de denúncia
seguros e confidenciais, em que o medo de retaliação não silencie a vítima ou a
testemunha.
Esse tipo de agressão se manifesta como termômetro da intolerância social que se infiltra nos muros da escola. Combater a prática é mais do que punir; é reconstruir uma cultura de empatia e inclusão. E o exemplo deve vir de casa. Cabe a pais, irmãos e familiares ensinar o valor do respeito aos pares e também alertar sobre os riscos de punição.
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