Ideia de mandados coletivos dá uma mostra do improviso que cerca intervenção
Apresentada como resposta imperativa ao agravamento da crise de segurança no Rio de Janeiro, a intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) já dá sinais do ânimo atabalhoado e imprevidente que a orientou.
Tanto é assim que se coloca em debate eventual autorização para buscas e apreensões indiscriminadas nas áreas de maior violência.
Tais mandados coletivos de busca, cujo uso foi cogitado pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), não encontram respaldo na ordem constitucional vigente.
Na visão de diversos especialistas, trata-se de verdadeira aberração jurídica. Iniciativas desse tipo, tomadas por magistrados de primeira instância em poucos casos isolados, já sofreram, aliás, enfática rejeição em tribunais superiores.
Não poderia ser diferente: de posse de um mandado coletivo, membros das forças de segurança estariam autorizados a entrar, armados de fuzil, na casa de qualquer pessoa —contra a qual o motivo básico de suspeita não raro seria, sem dúvida, o de habitar favelas e bairros de periferia.
Num lapso revelador do improviso a cercar as ações federais, o ministro chegou a falar em mandados coletivos de captura, corrigindo-se depois. A menos que se viva numa ditadura, só é possível prender uma pessoa devidamente identificada e com razões objetivas.
Compreende-se que a situação calamitosa do Estado possa suscitar apoios expressivos à intervenção e a outras medidas drásticas.
Mas, se as ameaças do crime organizado demandam um trabalho de inteligência, com a coleta de informações precisas, o mundo dos mandados coletivos é o oposto disso —trata-se da consagração da ignorância e do arbítrio.
A criatividade infeliz do ministro da Defesa encontra ecos preocupantes em declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que em ocasiões anteriores alertara, com bom senso, quanto ao que pode haver de "desgastante e inócuo" na atuação de soldados como força policial.
Agora, traduz o alerta em termos de flagrante inadequação. Não desejaria que, "daqui a 20 anos", os envolvidos nas operações policiais tenham de enfrentar nova Comissão da Verdade —podendo-se deduzir que lhe pareceram desagradáveis as investigações sobre torturas e assassinatos cometidos pela ditadura militar.
Ele não teria por que se preocupar com isso, a menos que já contemple a eventualidade de novos atos de selvageria acobertados pelo poder de Estado.
É nesse espírito, a que não faltam especulações eleitorais e devaneios autoritários, que se dá a intervenção no Rio de Janeiro.
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