quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Uma bomba fiscal no Supremo, por Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

A prioridade do País é reequilibrar as contas públicas, inclusive as previdenciárias, e não turbinar os gastos

O Supremo Tribunal Federal (STF) precisará desarmar uma bomba fiscal até a próxima segunda-feira. Trata-se de garantir a constitucionalidade da aplicação do chamado fator previdenciário nas aposentadorias calculadas sob as regras de transição da Emenda Constitucional n.º 20, de 1998 – a reforma da Previdência do segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Está em jogo a preservação dos efeitos de uma reforma que deu sobrevida (de longos anos) ao INSS, muito embora o déficit siga sem solução definitiva. Sem aquela reforma, honrar os pagamentos a tantos aposentados e pensionistas teria significado quebrar o País, dados os impactos inevitáveis sobre a dívida pública e a inflação.

Responsabilidade social e responsabilidade fiscal andam de mãos dadas.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes, relator da matéria, defendeu a constitucionalidade do fator previdenciário. É preciso compreender que a reforma de 1998 estabeleceu novos requisitos, regras e parâmetros para as aposentadorias. As regras de transição foram estipuladas para equiparar a situação dos que estavam, quando da aprovação da Emenda 20, próximos de conquistar as condições de aposentadoria vigentes antes da reforma.

Foi uma maneira adequada para se obter isonomia. Aliás, é praxe a adoção de regras de transição para viabilizar a coesão de reformas estruturais. A saber, os aposentados a quem se aplicou o conjunto de regras de transição não foram prejudicados, isto é, não tiveram seus benefícios calculados indevidamente.

A eles, como aos demais, o fator previdenciário, criado pela Lei n.º 9.876, de 1999, deveria ter sido – como, de fato, foi – aplicado. Não se trata de duplo desconto ou coisa que o valha, como se argumenta no recurso ao STF. O fator é uma regra de cálculo baseada em diversas variáveis e não um critério para determinar a concessão em si do benefício previdenciário.

É preciso ter claro: uma eventual decisão favorável ao recurso em tela levaria a um rombo nas finanças do País de mais de R$ 130 bilhões, conforme cálculos apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU). Vamo-nos entender: uma conta impagável.

Estamos tratando, aqui, de quase 80% do orçamento anual do Bolsa Família. A cifra representa pouco menos da metade do déficit total da Previdência observado no ano passado, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional.

O voto corretíssimo do ministro Gilmar Mendes já foi acompanhado por dois ministros do STF, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. Minha percepção é de que o resultado será favorável à União, à sustentabilidade da Previdência e, portanto, aos aposentados de hoje e de amanhã.

Vale dizer, o regime previdenciário deve ser sustentável, guarnecido por boas fontes de arrecadação, além de previsível e justo. As diversas reformas realizadas ao longo dos últimos 30 anos pautaram-se por essas premissas.

Independentemente de colorações partidárias, o tema esteve na agenda de todos os presidentes eleitos no pós-Constituição Cidadã. Todos eles promoveram mudanças, em maior ou menor grau, nas regras de concessão e de cálculo de benefícios previdenciários. Nos dois regimes: público e privado. Os blindados de sempre, ou quase sempre, são os militares. Já comentei sobre o tema em colunas anteriores e entendo que mudanças nessa frente deveriam compor pacotes fiscais futuros. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou, mas o Congresso deu de ombros.

Para trazer números, o Regime Geral da Previdência Social apresentou um déficit total de R$ 297 bilhões, com receitas de R$ 641 bilhões e despesas de R$ 938 bilhões em 2024. Os dados podem ser abertos quanto ao tipo de trabalho: urbano ou rural.

O primeiro, com déficit de R$ 110,3 bilhões, sendo receitas de R$ 631,3 bilhões e despesas de R$ 741,6 bilhões. Já nas aposentadorias rurais, o déficit foi de R$ 187 bilhões, também em 2024, com receitas em R$ 10 bilhões e despesas em R$ 197 bilhões.

A título de comparação, o déficit do governo central encerrou o ano passado em 0,4% do PIB. Descontado o déficit previdenciário, que foi de 2,5% do PIB, teria havido superávit de mais de dois pontos de porcentagem de PIB nas contas fiscais, como se pode notar.

A prioridade do País é reequilibrar as contas públicas, inclusive as previdenciárias, e não turbinar os gastos. O desarme da bomba da vez, a do fator previdenciário, depende do STF. O único caminho razoável, justo e economicamente palatável é garantir a inevitabilidade do passado. Afinal, quanto tempo o País ainda resistiria sob a vigência da máxima atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan: “No Brasil, até o passado é incerto”?

A reforma de 1998 foi fundamental para a solvência do INSS. Complementada pelo fator, deu sobrevida ao regime e preservou milhões de aposentadorias. O assunto continuará em pauta nos próximos anos e o desafio que se coloca às lideranças políticas é enfrentá-lo com transparência, seriedade e bem longe do populismo barato.

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