O Estado de S. Paulo
A prioridade do País é reequilibrar as contas públicas, inclusive as previdenciárias, e não turbinar os gastos
O Supremo Tribunal Federal (STF) precisará
desarmar uma bomba fiscal até a próxima segunda-feira. Trata-se de garantir a
constitucionalidade da aplicação do chamado fator previdenciário nas
aposentadorias calculadas sob as regras de transição da Emenda Constitucional
n.º 20, de 1998 – a reforma da Previdência do segundo governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
Está em jogo a preservação dos efeitos de uma reforma que deu sobrevida (de longos anos) ao INSS, muito embora o déficit siga sem solução definitiva. Sem aquela reforma, honrar os pagamentos a tantos aposentados e pensionistas teria significado quebrar o País, dados os impactos inevitáveis sobre a dívida pública e a inflação.
Responsabilidade social e responsabilidade
fiscal andam de mãos dadas.
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes,
relator da matéria, defendeu a constitucionalidade do fator previdenciário. É
preciso compreender que a reforma de 1998 estabeleceu novos requisitos, regras
e parâmetros para as aposentadorias. As regras de transição foram estipuladas
para equiparar a situação dos que estavam, quando da aprovação da Emenda 20,
próximos de conquistar as condições de aposentadoria vigentes antes da reforma.
Foi uma maneira adequada para se obter
isonomia. Aliás, é praxe a adoção de regras de transição para viabilizar a
coesão de reformas estruturais. A saber, os aposentados a quem se aplicou o
conjunto de regras de transição não foram prejudicados, isto é, não tiveram
seus benefícios calculados indevidamente.
A eles, como aos demais, o fator
previdenciário, criado pela Lei n.º 9.876, de 1999, deveria ter sido – como, de
fato, foi – aplicado. Não se trata de duplo desconto ou coisa que o valha, como
se argumenta no recurso ao STF. O fator é uma regra de cálculo baseada em
diversas variáveis e não um critério para determinar a concessão em si do
benefício previdenciário.
É preciso ter claro: uma eventual decisão
favorável ao recurso em tela levaria a um rombo nas finanças do País de mais de
R$ 130 bilhões, conforme cálculos apresentados pela Advocacia-Geral da União
(AGU). Vamo-nos entender: uma conta impagável.
Estamos tratando, aqui, de quase 80% do orçamento anual do Bolsa Família. A cifra representa pouco menos da metade do déficit total da Previdência observado no ano passado, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional.
O voto corretíssimo do ministro Gilmar Mendes
já foi acompanhado por dois ministros do STF, Alexandre de Moraes e Cristiano
Zanin. Minha percepção é de que o resultado será favorável à União, à
sustentabilidade da Previdência e, portanto, aos aposentados de hoje e de
amanhã.
Vale dizer, o regime previdenciário deve ser
sustentável, guarnecido por boas fontes de arrecadação, além de previsível e
justo. As diversas reformas realizadas ao longo dos últimos 30 anos pautaram-se
por essas premissas.
Independentemente de colorações partidárias,
o tema esteve na agenda de todos os presidentes eleitos no pós-Constituição
Cidadã. Todos eles promoveram mudanças, em maior ou menor grau, nas regras de
concessão e de cálculo de benefícios previdenciários. Nos dois regimes: público
e privado. Os blindados de sempre, ou quase sempre, são os militares. Já
comentei sobre o tema em colunas anteriores e entendo que mudanças nessa frente
deveriam compor pacotes fiscais futuros. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, tentou, mas o Congresso deu de ombros.
Para trazer números, o Regime Geral da Previdência
Social apresentou um déficit total de R$ 297 bilhões, com receitas de R$ 641
bilhões e despesas de R$ 938 bilhões em 2024. Os dados podem ser abertos quanto
ao tipo de trabalho: urbano ou rural.
O primeiro, com déficit de R$ 110,3 bilhões,
sendo receitas de R$ 631,3 bilhões e despesas de R$ 741,6 bilhões. Já nas
aposentadorias rurais, o déficit foi de R$ 187 bilhões, também em 2024, com
receitas em R$ 10 bilhões e despesas em R$ 197 bilhões.
A título de comparação, o déficit do governo
central encerrou o ano passado em 0,4% do PIB. Descontado o déficit
previdenciário, que foi de 2,5% do PIB, teria havido superávit de mais de dois
pontos de porcentagem de PIB nas contas fiscais, como se pode notar.
A prioridade do País é reequilibrar as contas
públicas, inclusive as previdenciárias, e não turbinar os gastos. O desarme da
bomba da vez, a do fator previdenciário, depende do STF. O único caminho
razoável, justo e economicamente palatável é garantir a inevitabilidade do
passado. Afinal, quanto tempo o País ainda resistiria sob a vigência da máxima
atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan: “No Brasil, até o passado é
incerto”?
A reforma de 1998 foi fundamental para a solvência do INSS. Complementada pelo fator, deu sobrevida ao regime e preservou milhões de aposentadorias. O assunto continuará em pauta nos próximos anos e o desafio que se coloca às lideranças políticas é enfrentá-lo com transparência, seriedade e bem longe do populismo barato.
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