quinta-feira, 14 de agosto de 2025

A resposta econômica à agressão americana, por Míriam Leitão

O Globo

O pacote de apoio aos atingidos pelo tarifaço fez o governo reformar o sistema de financiamento à exportação, para chegar à pequena empresa

O difícil equilíbrio que o governo buscou na resposta à crise provocada pelo tarifaço foi adotar medidas que efetivamente ajudassem o exportador afetado, mas que tivessem baixo impacto fiscal. Havia outro desafio que o governo se impôs, o de deixar alguma herança em mudanças estruturais. Para isso, reformou o sistema de financiamento à exportação, tornando-o mais ágil e capaz de chegar às empresas pequenas. Estabeleceu prazos para que o subsídio não se eternize, como sempre acontece.

O tripé, que antecipei ontem no meu blog, de apoio ao exportador é crédito, impostos e compras governamentais. Os fundos de exportação receberão aportes, porém mais importantes serão as mudanças na estrutura dos fundos, se elas funcionarem. O que o governo promete é fazer chegar esse dinheiro às micro e pequenas empresas também, e não apenas às grandes. Para dar uma ideia do desafio, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, disse que as micro e pequenas empresas respondem por apenas 1% do acesso ao crédito à exportação. Na Índia e na Coreia chega a 40%, na Itália, 30%. “No Brasil, o sistema não colabora”. A mudança é bem-vinda, caso atinja o objetivo.

O Reintegra é um programa controverso. Ele se propõe a ser uma forma de o governo retirar tributos que tenham permanecido no produto exportado. Muitas vezes serviu como um disfarçado subsídio à exportação. Sair de 0,1% para 3% do valor exportado para as grandes empresas, e de até 6% para as pequenas, pode ter um custo alto. Ele terá validade até o fim de 2026. O diferimento dos impostos, ou seja, o adiamento do pagamento, será por apenas dois meses e tem custo bem residual, apesar de dar um fôlego imediato às empresas afetadas. O novo prazo para o drawback também parece uma boa medida: o exportador terá um ano para usar o crédito dos impostos pagos na importação de insumos.

Entrevistei na GloboNews o ex-secretário do Tesouro, Bruno Funchal, atualmente diretor-presidente da Bradesco Asset, e perguntei sobre a necessidade dessas medidas de resgate e os cuidados que o governo deve ter. Ele não teve dúvidas em afirmar que as iniciativas são necessárias, só é preciso ter prazo para terminar.

— É óbvio que aconteceu o imprevisível e afetou a economia. Para alguns setores, o impacto é significativo. Então ter algum tipo de ajuda temporária faz sentido. Isso inclui postergação de impostos, crédito, medidas para sustentar o emprego. O pacote faz sentido. Mas o maior desafio é saber quando termina, para que o benefício não se propague indefinidamente, como aconteceu lá atrás com algumas medidas da pandemia.

Funchal sustenta o que tem sido dito por outros economistas: do ponto de vista macro, o impacto não é grande no Brasil. Uma perda de 0,2% do PIB, uma queda de exportação de US$ 6 bilhões. Antes das exceções, o cálculo era de US$ 12 bilhões. E um efeito baixista na inflação. Ela tenderá a desacelerar mais do que já estava caindo. Na economia americana, contudo, o efeito da alta taxação contra o mundo já está sendo sentido.

— Antes do tarifaço, o núcleo da inflação americana estava convergindo mais ou menos para a meta, que é de 2%. A gente vê agora uma volta, se aproximando dos 4%. Um impacto relevante em preço e uma criação menor de empregos. A expectativa de geração de emprego era muito maior do que aconteceu — disse Bruno Funchal.

A tarifa média dos EUA era de 2,4%, hoje é 17%. O número representa um retrocesso de quase um século na história do comércio internacional norte-americano. Mais do que isso, o país se colocou num enorme isolamento. Os Estados Unidos pagarão um preço.

Em relação ao Brasil, a escalada dos absurdos cometidos por eles continua. Relatório de direitos humanos mentiroso, perseguição a funcionários públicos, imposição da maior tarifa do mundo. Uma situação “inusitada", como disse ontem o ministro Fernando Haddad.

— O Brasil é um país que está sendo sancionado por ser mais democrático do que o seu agressor — disse o ministro.

O pacote de ontem foi a resposta necessária e urgente na economia. Mas a diplomacia não pode descansar. Em algum momento haverá uma brecha racional. O Brasil tem que ter um cardápio de propostas a oferecer quando houver negociação sobre comércio. Como disse ontem na coletiva o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Elias Rosa, “a soberania nunca esteve sobre a mesa e nunca estará”.

 

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