quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Pela liberdade de expressão pedófila, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Big techs têm lado no combate ao abuso sexual de crianças

Dias atrás, uma dessas viralizações extraordinárias dominou a internet brasileira. Dessa vez o vídeo não serviu para desinformar e disseminar ódio e medo. Fez denúncia inteligente e objetiva do mais alto interesse público —a proteção da infância.

Felca, o produtor do vídeo, dissecou mecanismos formadores de comunidades pedófilas nas redes. Veicular a adultização, sexualização e exploração de crianças é prática rentável para empresas como Instagram, TikTokYouTubeFacebook ou Telegram. E facilitada por seus algoritmos.

Assim como supremacistas brancos usam "apitos de cachorro", códigos cifrados para comunicação de grupo, pedófilos usam apitos da mamadeira de piroca. A palavra "trade" na seção de comentários é um deles. Quando escrevem "trade", pedófilos comunicam intenção de comerciar imagem íntima de criança, relaxar e gozar. Big techs têm capacidade de coibir, mas deixam rolar.

Foram imediatas as reações na pauta do Congresso e do Governo. Apareceram propostas de lei e grupo de trabalho. Nos próximos dias devemos assistir a uma coreografia de boas intenções e ajustes cosméticos das próprias redes. Diante do risco da regulação estatal moldada no interesse público, devem anunciar medida cosmética de autorregulação privada.

Manifestações indignadas cruzaram o espectro político da direita à esquerda, mas indicaram divergência sintomática. Enquanto um lado fala em decadência moral, bons costumes e punição dos depravados, outro enfatiza promoção e proteção de direitos, prevenção de abusos e regulação dos ambientes digitais que turbinam exploração sexual.

Para um, a responsabilidade moral e jurídica é de indivíduos libertinos que molestam crianças. Não sobra responsabilidade para a empresa que se recusa a aplicar dispositivos simples de tecnologia para prevenir a violação.

Para outro, há não só cumplicidade empresarial, mas intencionalidade. Mais rentável que prevenir é deixar o crime fluir no atacado e defender punição redentora de meia dúzia de predadores sexuais no varejo.

Um prefere concentrar o olhar indignado no pedófilo e esconder o parquinho de erotização infantil construído por Big techs. O mesmo que olha para o apostador viciado e finge não ver o papel das Bets na economia da inoculação do vício. O outro se permite olhar para além do pedófilo e enxergar a gestora do lucrativo parquinho do crime sexual.

Para um, crianças devem estar protegidas exclusivamente pelos pais, sem intervenção regulatória constitucional. Para outros, a delegação de poder familiar absoluto aos pais deixa crianças mais vulneráveis. Sem política pública de educação sexual escolar, a própria casa vira ambiente liberado de abuso. E também o perfil de Instagram dos pais.

Para um, qualquer regulação é censura, mesmo que proteja crianças. Para outro, regulação deve promover direitos em geral e o próprio direito à liberdade de expressão.

Não está difícil saber qual lado busca testar medidas estruturais, enfrentar o risco de erro e encontrar a solução. Não está difícil ver qual lado, enquanto grita "fogo nos pedófilos", quer a vigência da liberdade de expressão pedófila canalizada pelo algoritmo de instigação pedófila.

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