quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Pacote contra tarifaço fica sob medida, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Despesa fiscal extra é pequena; ameaça é parlamentares inventarem favores amplos

Como era previsível, Luiz Inácio Lula da Silva mandou tirar das contas fiscais o gasto com o pacote de ajuda às empresas afetadas pelo tarifaço Trump-Bolsonaro. Sim, melhor seria ter contas arrumadas e arcabouço fiscal melhor. Mas, francamente, o dinheiro mal vale a discussão, que é outra.

O desembolso direto do governo vai ser limitado, em tese, a R$ 9,5 bilhões até o final de 2026. Em uma conta no guardanapo, o equivalente a 0,05% do PIB em 2025 e de 0,02% do PIB em 2026. É meio nada, ainda menos se o socorro puder conter problemas socioeconômicos sérios, ainda que setoriais.

Além do mais, dado o tamanho do leite derramado de déficit e dívida pública, o dinheiro do pacote é troco. Enfim, o plano foi comedido.

Isto posto, a legislação pode ser avacalhada pelo Congresso. Por exemplo, o governo prevê que vai deixar de arrecadar até R$ 5 bilhões, até o final de 2026, com o Reintegra. Em teoria, trata-se de um programa de devolução de impostos pagos domesticamente pelos exportadores ("crédito tributário").

Ficou mais parecido com um subsídio para empresas exportadores e seus fornecedores, se prejudicados pelo tarifaço Trump-Bolsonaro. Nesse Congresso, o plano pode virar um "Reintegra para Todos" ou um "Reintegra Amado, Brasil", com subsídio maior e para muito mais gente.

O governo colocou mais dinheiro em fundos garantidores de crédito, sob gestão de instituições financeiras estatais ou quase isso (BNDES, BB etc.): mais R$ 4,5 bilhões para empréstimos e garantias, quantia que em algum momento deve voltar para os fundos, afora desastres de inadimplência.

No mais, ministros ainda vão definir critérios de concessão, taxas de juros, prazos etc. Algum subsídio haverá, não muito. Ainda está para se ver como fica o novo sistema de seguros e garantias para exportação.

Grosso modo, o pacote é crédito subsidiado, a maior parte vindo dos dinheiros acumulados no Fundo de Garantia de Exportação (FGE), além de um quase subsídio tributário (Reintegra) e da postergação do pagamento de impostos e dívidas com o governo (com algum custo financeiro, o do atraso do recebimento). O crédito subsidiado do FGE, R$ 30 bilhões, vale para qualquer exportador.

Vai se exigir alguma garantia de emprego de quem receber benefício, a definir. Promete-se campanha para que empresas, afetadas ou outras, achem novos mercados.

Além da ameaça de mamata inventada pelo Congresso, há mais risco e incerteza. Trump pode fazer ataque maior ao Brasil. Pode até ser que produtos ainda escapem do tarifaço. Mas algumas empresas dificilmente acharão novos mercados a tempo de não quebrar ou precisariam de esteio por tempo longo —não faz sentido.

Meio esquecido, produtos americanos podem tomar o lugar dos brasileiros em mercados abertos por Trump por meio de assédio e ameaças. O que fazer?

A fim de encontrar novos mercados, entre outras coisas o Brasil teria de ter rede de promoção comercial pelo mundo muito maior (é miúda, mas dá para melhorar) e mais acordos comerciais (demora para acontecer, o Brasil é protecionista).

O ataque de Trump pode ter acordado o país do sonho do isolamento. Quem sabe venha mudança. Vai ser mais difícil trocar o pneu com o carro andando, neste ambiente de confusão mundial e de nacionalismo econômico crescente. De resto, a grande maioria da esquerda é contra abertura comercial —é histórico.

 

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