PEC da Blindagem não tem o menor cabimento
O Globo
É um erro acelerar proposta que foi exigência
de quem fez motim na Câmara
Não é exatamente uma surpresa que haja deputados ávidos por se livrar de processos na Justiça. Mas é um erro o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), querer acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Prerrogativas, mais conhecida como PEC da Blindagem. O objetivo da medida é apenas tornar os parlamentares na prática imunes a decisões judiciais. Nos últimos dias, Motta entregou a relatoria da PEC ao deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) e deu sinais de que poderá pôr em votação a urgência da pauta na próxima semana.
A PEC é repleta de equívocos. Além de exigir
aval do Congresso até para que os parlamentares sejam investigados, estabelece
que deputados e senadores não poderão ser suspensos ou afastados por
determinação da Justiça. Autoriza prisão em flagrante apenas no caso de crimes
hediondos ou inafiançáveis e, mesmo nesses casos, determina que fiquem sob
custódia das Casas Legislativas até que o plenário decida sobre a prisão.
Estipula que congressistas não podem ser responsabilizados civil nem penalmente
por opiniões, palavras e votos — já há leis que protegem a atividade
parlamentar. E exige que qualquer decisão com impacto no mandato, como prisão
domiciliar, só terá efeito após confirmação pelo plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF). Na prática, a PEC transforma parlamentares em intocáveis.
Não bastasse o conteúdo nefasto, o contexto
torna a situação ainda mais absurda. A PEC da Blindagem repousava nas gavetas
do Congresso desde 2021 por falta de consenso. Só ganhou impulso em razão da
chantagem lamentável dos oposicionistas que promoveram o motim de mais de 30
horas paralisando os plenários da Câmara e do Senado em protesto contra a
prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para desobstruir os
trabalhos, os amotinados exigiram a tramitação da pauta. De pouco adianta o
relator alegar que o texto não será o mesmo apresentado em 2021. O propósito é
idêntico. Acelerar a tramitação significa capitulação diante de um grupo que
tentou impor sua vontade à força. Abre-se precedente perigoso.
Embora o motim tenha a digital da oposição, a
PEC da Blindagem reúne apoio ecumênico no Congresso. Parlamentares
ouvidos pelo GLOBO dizem que a pauta conta com forte apelo
interno, independentemente de orientação ideológica. Na hora de salvar a
própria pele, os parlamentares não encontram dificuldade para formar consenso,
ainda que em detrimento da sociedade.
O Brasil tem um vasto rol de prioridades a
tratar. Entre elas certamente não está a blindagem de deputados contra decisões
judiciais. É um acinte que eles coloquem seus próprios interesses acima das
demandas mais urgentes da população. Com potencial para deteriorar ainda mais
as relações já tensas entre Legislativo e Judiciário, a PEC da Blindagem não
pode prosperar no Congresso. Primeiro, porque sua tramitação repentina é fruto
de uma barganha que deveria envergonhar seus defensores. Segundo, porque o
projeto é descabido, ao tentar blindar cidadãos que não estão acima da lei.
Terceiro, porque não é do interesse da sociedade brasileira. Se os
parlamentares desejam se precaver do alcance da Justiça, a melhor blindagem é
agir dentro da lei.
Envio de navios americanos à Venezuela traz
riscos ao Brasil
O Globo
Não faz sentido, no século XXI, Trump querer
ressuscitar intervencionismo militar dos EUA na América Latina
É temerário o envio de uma frota de navios de
guerra americanos, com fuzileiros navais e aviões de reconhecimento, em direção
à Venezuela.
As razões alegadas estão em decreto assinado por Donald Trump em
janeiro, declarando os cartéis do narcotráfico “organizações terroristas
estrangeiras e terroristas globais” e, com base nisso, autorizando intervenções
militares para combatê-los. “Os cartéis estão engajados numa campanha de
violência e terror pelo Hemisfério Ocidental que não só desestabiliza países,
com significativa importância para nossos interesses, mas também inunda
os Estados
Unidos com drogas mortais e perigosas gangues”, afirma o
documento.
O combate ao tráfico de drogas é meritório, e
o regime de Nicolás
Maduro é uma ditadura que só tem trazido prejuízo à Venezuela
(há fartas evidências de que o vencedor da última eleição venezuelana foi o
oposicionista Edmundo González). Mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva seja simpatizante do chavismo, nem o Brasil reconheceu a vitória de
Maduro. Também é verdade que organizações criminosas se fortaleceram na
Venezuela, entre elas a facção Tren de Aragua, com grande presença em
território americano. Mas o combate a cartéis de traficantes ou ao regime
ditatorial não pode justificar agressão à soberania de nenhum país. Entre
outros efeitos negativos, a ação de Trump fortalece o discurso populista de
Maduro, fazendo dele um herói aos olhos da população.
Em contraste com a Venezuela, o México — onde
também atuam poderosos cartéis de drogas — impôs limites às tentativas de
intervenção americanas. Pelos termos negociados pela presidente mexicana,
Claudia Sheinbaum, qualquer atuação de tropas dos Estados Unidos em solo
mexicano só poderá ocorrer mediante estreita coordenação entre os dois
governos. É princípio básico para qualquer país.
O Brasil também deve se preocupar com a
movimentação de forças americanas na Venezuela, país com que faz mais de 2 mil
quilômetros de fronteiras. A depender dos desdobramentos, poderá aumentar o
fluxo migratório de venezuelanos para Roraima. Outro problema serão as
restrições impostas à liberdade de navegação. “As relações da Marinha do Brasil
com as Forças Armadas dos Estados Unidos decorrem de um alinhamento estratégico
há séculos. Naturalmente, um eventual distanciamento diplomático entre Brasil e
Estados Unidos acarretaria dificuldades e impactos sensíveis para os interesses
e o adequado cumprimento das atribuições das Forças, de parte a parte, em
diversos campos de atuação, o que não é desejável”, afirmou ao GLOBO o
almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha.
Não faz qualquer sentido, a esta altura do século XXI, Trump querer ressuscitar a Doutrina Monroe, instaurada no século XIX pelo presidente James Monroe, com o propósito de reforçar a libertação das Américas dos colonialismos inglês, espanhol e português. Tal doutrina foi o pretexto para um longo período de intervenções militares americanas na América Latina. É um tempo que deveria ficar no passado.
Uma derrota para o governo e outra para o
país
Folha de S. Paulo
Bolsonaristas conseguem comando da CPI do
INSS e incluem no projeto de novo Código Eleitoral a volta de votos impressos
Os objetivos últimos da oposição bolsonarista
são a anistia de Bolsonaro e o impeachment de Moraes, mas há outros motivos de
fundo, como as emendas parlamentares
Nesta semana, a Câmara dos
Deputados aprovou a urgência da tramitação do projeto de lei
que prevê a isenção do
Imposto de Renda para aqueles que recebem até R$ 5.000 mensais.
É medida que pode ser de grande importância para as pretensões eleitorais de
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Em certo aspecto, trata-se de uma vitória do
governo. Mas, de todo modo, é difícil imaginar que parlamentares de qualquer
parte do espectro político se arriscassem a perder votos negando um benefício
de tamanha monta. Quanto ao mais, o andamento dos trabalhos do Congresso indica
dificuldades para o governo e mesmo para seus aliados no comando do Parlamento.
Também na semana que passou, a oposição
bolsonarista ficou com os cargos-chave de presidente e de relator da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito criada para
investigar o escândalo de desvios no INSS.
O comando da CPI deveria ter ficado com
parlamentares simpáticos a Lula, por acordo entre governo, o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
e o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP),
aliado também por ter cargos relevantes no Planalto.
Além de inabilidades bisonhas e negligência,
a derrota do governo se deveu a uma ofensiva da oposição para abafar os efeitos
negativos do tarifaço. A organização oposicionista impôs outra derrota ao
governo —e, nesse caso, mais ao país— ao incluir no projeto do novo Código
Eleitoral a obrigação de
que os votos sejam também impressos.
Trata-se de norma tumultuária e por duas
vezes declarada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal. O governo teme ainda pela
tramitação da emenda que prevê o parcelamento e adiamento do pagamento de
precatórios.
Os objetivos últimos da oposição bolsonarista
são a anistia de Jair
Bolsonaro (PL) e o impeachment do
ministro Alexandre de
Moraes, do STF, campanha
retomada com a baderna ilegal que bloqueou o Congresso faz duas semanas. Seria
o suficiente para perturbar o ambiente. Mas há outros motivos de fundo.
A farra do pagamento de emendas
parlamentares foi corretamente dificultada por Flávio Dino,
também do Supremo. Por causa do atraso na aprovação do Orçamento, o ritmo de
execução de despesas do governo no primeiro semestre diminuiu, o que afeta
também as verbas de interesse de deputados e senadores.
Além do mais, parte relevante do Congresso
está preocupada justamente com inquéritos a respeito do uso do dinheiro das
emendas. Aliam-se assim a bolsonaristas que temem punições da Justiça.
Irmanados, dedicam-se a articular um projeto de mudança de foro para
parlamentares.
Lula 3 sempre foi minoritário no Parlamento.
A articulação política é inoperante ou falha. A exacerbação política provocada
pelo caso Bolsonaro aumenta a tensão. É um cenário de insegurança para projetos
do governo.
Fome em Gaza é componente extra a pressionar
Israel
Folha de S. Paulo
Ao declarar que há carência alimentar extrema
na região, ONU acusa Tel Aviv de 'obstrução sistemática' de suprimentos
Imagens de crianças esquálidas e esfaimados disputando comida e saqueando caminhões não deixam dúvidas sobre as dimensões do inaceitável flagelo
A catástrofe humana que por meses a fio
assola a Faixa de Gaza fez
a ONU declarar
nesta sexta-feira (22) o que, a olhos vistos, já se tornara evidente: a fome grassa
na região, sobretudo entre crianças.
O reconhecimento
oficial veio após seguidos alertas de especialistas, incluindo
os da própria entidade, e é inédito em todo o Oriente Médio.
Nada menos que 500 mil pessoas estariam enfrentando variados níveis de
privações.
A fase 5 do pesadelo famélico, a pior na
escala de classificação das Nações Unidas, abrange a Cidade de Gaza —onde nova
ofensiva de Israel está
em curso após a convocação de
60 mil reservistas. Outras áreas estão na fase 4, mas caminham a
passos largos para a 5, segundo a organização.
Enquanto a ONU vê "obstrução
sistemática" para as ações de ajuda humanitária, com os suprimentos se
acumulando na fronteira, o premiê israelense, Binyamin
Netanyahu, classificou o relatório de "mentira descarada".
Autoridades de Israel apontam abordagens
tendenciosas, motivadas por fontes ligadas ao Hamas,
e lacunas metodológicas na elaboração do documento. Tel Aviv culpa
ainda as próprias entidades de assistência por falhas logísticas e o boicote
dos terroristas que controlam o território.
É sob esse cenário funesto que a Guerra
Israel-Hamas deve completar dois anos em outubro, aparentemente
ainda longe de entendimento ou mesmo de um cessar-fogo. Pelo contrário: o plano
atual é de ocupação total de Gaza.
Foi no dia 7 daquele mês que um ataque
terrorista arquitetado pelo Hamas em território israelense
matou cerca de 1.200 pessoas e fez dezenas de reféns, muitos de paradeiro
incerto até hoje.
A reação fulminante de Netanyahu, certamente
desproporcional ao atingir milhares de civis inocentes, já teria deixado um
saldo de quase 60 mil mortos, segundo a contagem da facção.
Como em todo conflito, a guerra de versões é
estratégica para a batalha, mas as recorrentes imagens de crianças esquálidas
e esfaimados disputando restos de comida e saqueando caminhões
não deixam dúvidas sobre as dimensões do inaceitável flagelo.
Diante do impasse, a comunidade internacional
começa a dar seus recados —como Reino Unido e França, que afirmaram recentemente
que vão reconhecer um Estado palestino. Até mesmo o
aliado Donald Trump já admitiu não estar convencido de que não
exista fome na Faixa de Gaza.
Resta saber agora se Israel de fato ampliará a ofensiva ou se cederá, ao menos em parte, a apelos humanitários diante da escalada alarmante da iniquidade.
Juro real de 10% não é fruto do acaso
O Estado de S. Paulo
Somente reformas que reduzam gastos,
contenham a dívida e conduzam ao reequilíbrio fiscal serão capazes de gerar
condições para a queda dos juros, que voltaram a ficar 10% acima da inflação
O tarifaço imposto pelos Estados Unidos
domina o noticiário, mas os problemas econômicos brasileiros são mais antigos,
maiores e estruturais que as incertezas geradas pela política comercial de
Donald Trump. Reportagem do Estadão mostrou
que as taxas de juros reais voltaram a ficar próximas dos 10% ao ano, produto
de uma Selic em 15% ao ano menos a inflação.
Não é preciso ser um especialista para
perceber o quanto isso inibe o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Em
vez de aplicar os recursos na expansão da infraestrutura ou da atividade
produtiva, quem tem dinheiro sobrando prefere apostar em títulos do Tesouro
Nacional ou investimentos com rendimentos semelhantes com muita segurança.
Culpar o Banco Central (BC) por esse cenário
seria simplório. Mais difícil é compreender como o IPCA permanece em 5,31% no
acumulado de 12 meses e as expectativas de inflação resistem a se aproximar da
meta mesmo com a Selic no maior nível desde 2006 e sem perspectiva de queda no
curto prazo.
Com a experiência de quem já esteve na
direção do BC, o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos
Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV
Ibre), foi taxativo ao afirmar que isso é resultado da ausência de coordenação
de política econômica – ou seja, entre a política fiscal, conduzida pelo
governo, e a política monetária, executada pelo BC.
São muitos os exemplos desse desalinhamento.
Enquanto o BC aperta os juros para conter a atividade econômica e,
consequentemente, a inflação, o governo amplia gastos obrigatórios para
incentivar o consumo e lança linhas de crédito direcionado com juros
subsidiados para manter a demanda elevada – o que exige juros ainda mais altos.
Enquanto o desemprego nas mínimas históricas
e salários com ganhos reais acima da produtividade sugerem atividade econômica
aquecida e preocupam o BC, o Executivo atrela as medidas de auxílio a
exportadores prejudicados pelo tarifaço norte-americano ao compromisso de
manutenção de empregos.
Esse descompasso não é recente. Antes mesmo
de tomar posse, o governo de Lula da Silva já patrocinava a Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) da Transição. A título de reconstruir as políticas
públicas destruídas pelo bolsonarismo, o Executivo, com apoio do Legislativo,
garantiu quase o dobro do valor necessário para recompor o Orçamento, o que
dificultou, já de saída, a busca do déficit zero e de taxas de juros mais
civilizadas.
Foi também a aliança entre governo e Congresso
que permitiu o retorno dos pisos constitucionais da Saúde e Educação e a
política de valorização do salário mínimo, que impulsionou os gastos com
aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O
Judiciário também contribuiu com esse movimento ao decidir que o
salário-maternidade deve ser pago a autônomas que tenham contribuído uma única
vez com o INSS.
Por mais que o governo trabalhe diuturnamente
para arrecadar mais, as despesas crescem de maneira mais acelerada, o que
resulta, de um lado, em mais dinheiro circulando na economia e mais inflação,
e, de outro, em aumento da dívida da União e juros mais altos. Há anos o País
resiste a quebrar esse ciclo que só prejudica a si mesmo.
Não foi por acaso que a taxa de investimento
na proporção do PIB, que era de pouco mais de 20% em 2010, caiu para 17,8% no
primeiro trimestre deste ano, índice baixo comparado à média mundial. Com uma
taxa real de juros de 9,8% ao ano, não há como esperar que ela volte aos
patamares registrados da década anterior, que dirá atingir os 25% que
especialistas apontam como necessário para um crescimento econômico
sustentável.
Quando tentou manter juros artificialmente
baixos na expectativa de que eles incentivassem investimentos, o País colheu
inflação, desemprego e recessão. Somente reformas estruturais que reduzam
gastos, contenham o avanço da dívida pública e conduzam ao reequilíbrio fiscal
serão capazes de gerar condições que permitam a queda dos juros. Enquanto isso
não ocorrer, seguiremos bem posicionados no ranking dos países com os maiores
juros reais no mundo.
A desigualdade se aprofunda
O Estado de S. Paulo
Fosso entre a renda de ricos e pobres cresce
no pós-pandemia, e a concentração avança mesmo no topo da pirâmide, com
tributação regressiva e incentivos e distorções genuinamente nacionais
O País ainda tem um longo caminho a percorrer
para reduzir a desigualdade e tornar a carga tributária mais justa e
progressiva. É o que mostra um estudo de autoria dos economistas Sérgio
Gobetti, Priscila Kaiser Monteiro e Frederico Nascimento Dutra publicado no
site FiscalData, hub de publicações sobre política fiscal e tributária, sobre o
avanço da concentração de renda nos últimos anos.
A nota técnica elaborada pelos pesquisadores
tem muitos méritos, entre os quais se basear em dados estatísticos da Receita
Federal a partir da declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física, e não
apenas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, por seu
caráter autodeclaratório, tende a subestimar a renda das classes mais
abastadas.
O estudo comprova o que já se esperava: a
distância entre a renda dos mais ricos e a dos mais pobres avançou nos últimos
anos. A renda do 1% mais rico, que corresponde a uma média mensal de R$
103.807, ou R$ 1.245.681 anuais, cresceu 4,4% ao ano entre 2017 e 2023, bem
mais que o rendimento médio das famílias brasileiras, que avançou 1,4% ao ano no
período.
Mas a desigualdade aumentou mesmo no topo da
pirâmide. A parcela do 0,1% mais rico viu sua renda aumentar 6,9% ao ano no
mesmo período, enquanto os ganhos do 0,01% mais rico tiveram alta ainda maior,
de 7,9% ao ano – nos dois casos, mais que o Produto Interno Bruto (PIB) da
China, que cresceu 6,5% ao ano.
Na pesquisa, os economistas optaram por
excluir o patrimônio, como casas, automóveis e fazendas, e fatores
extraordinários que poderiam ampliar ainda mais essa diferença, caso dos
investimentos em fundos fechados e offshore,
recentemente alvo de mudanças na forma de tributação.
Foi uma maneira de reduzir a gama de
hipóteses que poderiam explicar os achados e que é reveladora sobre incentivos
e distorções genuinamente nacionais. Restaram, entre outros, os efeitos da
chamada pejotização e a isenção de lucros e dividendos distribuídos por
empresas a seus sócios.
Entre o 0,1% mais rico, a pejotização, regime
adotado por profissionais liberais para fugir de custos que consomem os ganhos
de empregados com carteira assinada, foi responsável por 66% do crescimento de
sua renda. Investimentos financeiros igualmente isentos ou subtributados também
ajudam a explicar esse fenômeno.
Outra razão que pode explicar o avanço da
desigualdade de renda nos últimos anos é o aumento dos preços das commodities
após a pandemia. De um lado, isso reforça o quanto a inflação corrói a renda
dos mais pobres, que gastam uma proporção maior de sua renda com a aquisição de
alimentos. De outro, isso explica por que a concentração de renda subiu mais em
Estados da Região Centro-Oeste, nos quais o agronegócio é a atividade econômica
que se destaca. No Mato Grosso, por exemplo, a parcela de renda apropriada pelo
1% mais rico aumentou de 20,3% em 2017 para 30,5% em 2023.
Não é novidade para ninguém que o Brasil é
uma das nações mais desiguais do mundo, mas o fato de que a diferença entre a
renda dos mais ricos e dos mais pobres continuou a avançar mesmo quando houve
aumento expressivo de gastos com programas sociais – as despesas do Executivo
com o Bolsa Família aumentaram mais de seis vezes entre 2019 e 2023, tanto em
razão do aumento do valor do benefício como pelo crescimento no número de
famílias vulneráveis – atesta que o País engatinha no enfrentamento de sua
histórica e gritante desigualdade.
Ou seja, aumentar o gasto social e dar ganho
real ao salário mínimo pode aliviar a pobreza e dar votos, mas não é suficiente
para mudar substancialmente a realidade. Pelo contrário: o aumento do gasto
público decorrente dessas políticas ajuda a aprofundar o desequilíbrio fiscal,
que demanda taxas de juros permanentemente altas para conter a inflação e
financiar o déficit – situação que estimula o investimento no mercado
financeiro, e não na produção. Como resultado, a base da pirâmide, cada vez
mais numerosa, é condenada à informalidade, reduzindo sua mobilidade
socioeconômica. Tudo isso poderia começar a mudar se houvesse uma
reestruturação dos gastos públicos e se houvesse uma reforma ampla da renda.
Infelizmente, nada disso parece estar no horizonte.
PGR pede o óbvio no caso do INSS
O Estado de S. Paulo
Estranhamente, Toffoli requereu a relatoria
do caso. Agora, Gonet solicita sorteio
O procurador-geral da República, Paulo Gonet,
pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a relatoria das investigações sobre
a fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) seja distribuída entre os ministros por sorteio, e não
concentrada no gabinete de Dias Toffoli por prevenção, como até então. O
parecer de Gonet não é apenas correto, é necessário para a garantia da
transparência e da efetividade da Justiça.
Não há motivo fático ou jurídico que
justifique a permanência do caso no gabinete de Toffoli, como entendeu o
ministro inicialmente. Quando um ministro do STF requer para si a relatoria de
um inquérito sem apresentar fundamentos claros, pois Toffoli impôs sigilo à sua
decisão, autoriza suspeitas que só servem para tisnar a credibilidade da Corte
na condução de um caso de repercussão nacional e que prejudicou milhões de
brasileiros.
Sob o argumento da prevenção, Toffoli
requisitou à Polícia Federal informações sobre todas as investigações a
respeito das fraudes no INSS em curso no País e, na prática, paralisou
diligências. Com justo receio de ver seus atos anulados por eventual violação
de competência, policiais Brasil afora cruzaram os braços esperando a decisão
final do STF. Ou seja, em vez de prover segurança jurídica, Toffoli, com seu
despacho obscuro, lançou dúvidas sobre a imparcialidade do trâmite e ameaçou
comprometer a mais ampla investigação de que se teve notícia contra um esquema
de rapinagem de benefícios previdenciários no País.
A fraude obrigou o governo Lula da Silva a
abrir crédito extraordinário para ressarcir as vítimas, em operação que custará
pelo menos R$ 3,3 bilhões aos cofres públicos. Essa solução imediata, por
óbvio, não substitui a obrigação dos responsáveis de restituir cada centavo
desviado. Trata-se de um crime de extrema gravidade, cometido contra a
população mais vulnerável – idosos aposentados e pensionistas que dependem de
seus benefícios para uma vida digna. Não se trata, portanto, de uma fraude
qualquer, mas de um ataque direto à confiança dos cidadãos na Previdência
Social e na própria capacidade do Estado de proteger seus contribuintes.
Sabe-se que a eventual participação de
parlamentares no esquema exige a atuação do STF. Mas esse fato, por si só, não
justifica a atração de toda a investigação para Toffoli apenas porque ao ministro
coube relatar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.236, por
meio da qual foi firmado o acordo de ressarcimento inicial entre União, INSS,
Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e Ordem dos Advogados
do Brasil, ajuizada pela Presidência da República.
O argumento central de Gonet – de que a
distribuição do caso entre os ministros da Corte deve seguir o sorteio regular
– reforça um princípio republicano. É no sorteio que reside a garantia contra
manipulações, favorecimento de interesses obscuros ou direcionamentos
indevidos.
A fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do INSS deve ser investigada com rigor, tanto no âmbito político, na CPMI recém-instalada no Congresso, como na esfera judicial. Só assim será possível reparar não só o dano financeiro, como também a confiança da sociedade na integridade de suas instituições.
Proteção infantil nas redes sociais é dever
de todos
Correio Braziliense
É importante salientar que uma proteção real
de vulneráveis ainda está distante, apesar de toda a comoção que se formou com
as denúncias do influenciador Felca.
Apesar da resistência de setores da direita
que aferram-se a uma distorção do conceito de liberdade de expressão, a Câmara
dos Deputados aprovou o projeto sobre a adultização de crianças e adolescentes
nas redes sociais. A matéria foi protocolada em 2022, mas somente sensibilizou
o Parlamento depois da denúncia do youtuber Felipe Bressanin Pereira, conhecido
como Felca.
A adultização, a erotização e a sexualização
de menores nas plataformas não são fenômeno recente. Nos últimos anos, desde o
momento em que o senador Alessandro Vieira apresentou o projeto de lei à
votação no meio desta semana, muitos abusos foram cometidos contra indivíduos
que deveriam estar protegidos pelo conjunto da sociedade. É razoável questionar
por que deputados e senadores demoraram tanto para dar atenção para um problema
de escala global e de tamanha urgência que ameaça o bem-estar de crianças e
adolescentes.
É importante salientar que uma proteção real
de vulneráveis ainda está distante, apesar de toda a comoção que se formou com
as denúncias do influenciador Felca. O Legislativo deu um passo esta semana,
mas não está assegurado que as redes sociais se tornarão um ambiente em que os
excessos e crimes catalogados no Código de Processo Penal sejam coibidos. As
plataformas resistem em moderar os abusos e têm no Congresso uma bancada fiel,
disposta a emperrar qualquer proposta de regulação.
Saliente-se que as redes sociais se tornaram
um instrumento de ação política, muito apreciada em particular por setores da
direita. Não interessa a esse grupo, portanto, a aplicação de instrumentos que
possam impedir excessos como extremismo, desinformação, discurso do ódio e
ataques às instituições. Políticos que surgiram nesse território livre, em meio
a um vácuo regulatório, alegam liberdade de expressão para aplicar uma espécie
de "vale-tudo". Abrem brecha, assim, às gigantes da tecnologia mais
preocupadas com os lucros de seus negócios do que com os horrores cometidos
contra setores vulneráveis da sociedade. Ajudam, ainda, toda sorte de
criminosos que aproveitam a lacuna regulatória para agir nas sombras.
Tudo considerado, conclui-se que o Parlamento
deu uma contribuição rumo à civilidade na internet. Há poucos meses, o
Judiciário também marcou um ponto, ao determinar a retirada de conteúdos
inadequados nas redes sociais sem necessidade de decisão judicial. O Executivo,
por sua vez, tem mantido um combate permanente contra a atuação criminosa de
grupos.
A sociedade, particularmente na figura da família, também tem sua responsabilidade nesse contexto. É fundamental vigiar a vida digital de crianças e adolescentes. E cobrar das autoridades providências para impedir que poderosos e criminosos ajam em torno de um nefasto interesse comum: a exploração de inocentes.
Semana positiva para o Congresso
O Povo (CE)
É preciso reconhecer que, em meio às disputas
radicalizadas, do ridículo histrionismo de alguns parlamentares — e até de um
motim na Câmara dos Deputados, promovido por aliados do ex-presidente Jair
Bolsonaro, a semana terminou com saldo positivo
Existe uma "bancada" de
parlamentares que prefere a balbúrdia como método de trabalho, mas essa
disfunção não pode ser impeditivo para que o parlamento enfrente os
temas de relevância para o desenvolvimento do País, e que pedem urgência.
Críticas procedentes ao Congresso brasileiro
não faltam, e vão desde o custo abusivo das instituições e os privilégios que
desfrutam os parlamentares, até a dificuldade em votar temas de interesse
nacional. São os assuntos que estão a merecer debate mais aprofundado, para uma
necessária correção de rumos.
Mas é preciso reconhecer que, em meio às
disputas radicalizadas, do ridículo histrionismo de alguns
parlamentares — e até de um motim na Câmara dos Deputados, promovido por
aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, a semana terminou com saldo positivo.
Casos recentes são exemplos de como
o Congresso pode trabalhar em sintonia com as demandas da sociedade. Um deles
foi a aprovação do "ECA Digital", legislação que trata da proteção de
crianças e adolescentes nas redes sociais. O outro, a decisão para a tramitação
com urgência do projeto que isenta do imposto de renda (IR) pessoas com renda
até R$ 5 mil.
Em ambas as situações, houve compreensão de
que as questões partidárias precisavam ser afastadas, em nome do interesse
maior da sociedade. É louvável que a maioria dos parlamentares, dos mais
diversos partidos e ideologias, tenha tido a compreensão de que a
convivência entre situação e oposição é possível, sem que qualquer parte abra
mão de seu papel.
No caso do ECA Digital, deu-se um freio de
arrumação na verdadeira terra de ninguém que tornaram as redes
sociais um espaço livre para o cometimento dos piores crimes.
Sobre o imposto de renda, se o projeto for
aprovado, como tudo indica, o número de pessoas com direito à isenção do IR irá
dobrar. Estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) avalia que a mudança deve ampliar de 10
milhões para 20 milhões o total de trabalhadores isentos do IR.
Os dois projetos são de grande alcance
social e o Congresso acertou em encaminhar com urgência as duas
proposições, uma já aprovada na Câmara, o ECA digital, que seguirá para o
Senado — onde não deve sofrer objeções —, com o IR preparado para ir a voto na
próxima semana na Câmara.
Pode-se ainda acrescentar nessas pautas
positivas a aprovação do pacote de ajuda aos setores prejudicados pelo tarifaço
de Trump. Apesar das grandes divergências que cercam o tema, conseguiu-se
encontrar uma solução para evitar um abalo mais profundo nas empresas
brasileiras que exportam para os Estados Unidos.
É certo que existe uma "bancada" de
parlamentares que prefere a balbúrdia como método de trabalho, contribuindo
para o descrédito do Congresso — e que precisam ser enquadrados de acordo com
as normas da Casa. No entanto, essa disfunção não pode ser impeditivo para que
o parlamento enfrente os temas de relevância para o desenvolvimento do País, e
que pedem urgência.
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