sábado, 23 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC da Blindagem não tem o menor cabimento

O Globo

É um erro acelerar proposta que foi exigência de quem fez motim na Câmara

Não é exatamente uma surpresa que haja deputados ávidos por se livrar de processos na Justiça. Mas é um erro o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), querer acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Prerrogativas, mais conhecida como PEC da Blindagem. O objetivo da medida é apenas tornar os parlamentares na prática imunes a decisões judiciais. Nos últimos dias, Motta entregou a relatoria da PEC ao deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) e deu sinais de que poderá pôr em votação a urgência da pauta na próxima semana.

A PEC é repleta de equívocos. Além de exigir aval do Congresso até para que os parlamentares sejam investigados, estabelece que deputados e senadores não poderão ser suspensos ou afastados por determinação da Justiça. Autoriza prisão em flagrante apenas no caso de crimes hediondos ou inafiançáveis e, mesmo nesses casos, determina que fiquem sob custódia das Casas Legislativas até que o plenário decida sobre a prisão. Estipula que congressistas não podem ser responsabilizados civil nem penalmente por opiniões, palavras e votos — já há leis que protegem a atividade parlamentar. E exige que qualquer decisão com impacto no mandato, como prisão domiciliar, só terá efeito após confirmação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, a PEC transforma parlamentares em intocáveis.

Não bastasse o conteúdo nefasto, o contexto torna a situação ainda mais absurda. A PEC da Blindagem repousava nas gavetas do Congresso desde 2021 por falta de consenso. Só ganhou impulso em razão da chantagem lamentável dos oposicionistas que promoveram o motim de mais de 30 horas paralisando os plenários da Câmara e do Senado em protesto contra a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para desobstruir os trabalhos, os amotinados exigiram a tramitação da pauta. De pouco adianta o relator alegar que o texto não será o mesmo apresentado em 2021. O propósito é idêntico. Acelerar a tramitação significa capitulação diante de um grupo que tentou impor sua vontade à força. Abre-se precedente perigoso.

Embora o motim tenha a digital da oposição, a PEC da Blindagem reúne apoio ecumênico no Congresso. Parlamentares ouvidos pelo GLOBO dizem que a pauta conta com forte apelo interno, independentemente de orientação ideológica. Na hora de salvar a própria pele, os parlamentares não encontram dificuldade para formar consenso, ainda que em detrimento da sociedade.

O Brasil tem um vasto rol de prioridades a tratar. Entre elas certamente não está a blindagem de deputados contra decisões judiciais. É um acinte que eles coloquem seus próprios interesses acima das demandas mais urgentes da população. Com potencial para deteriorar ainda mais as relações já tensas entre Legislativo e Judiciário, a PEC da Blindagem não pode prosperar no Congresso. Primeiro, porque sua tramitação repentina é fruto de uma barganha que deveria envergonhar seus defensores. Segundo, porque o projeto é descabido, ao tentar blindar cidadãos que não estão acima da lei. Terceiro, porque não é do interesse da sociedade brasileira. Se os parlamentares desejam se precaver do alcance da Justiça, a melhor blindagem é agir dentro da lei.

Envio de navios americanos à Venezuela traz riscos ao Brasil

O Globo

Não faz sentido, no século XXI, Trump querer ressuscitar intervencionismo militar dos EUA na América Latina

É temerário o envio de uma frota de navios de guerra americanos, com fuzileiros navais e aviões de reconhecimento, em direção à Venezuela. As razões alegadas estão em decreto assinado por Donald Trump em janeiro, declarando os cartéis do narcotráfico “organizações terroristas estrangeiras e terroristas globais” e, com base nisso, autorizando intervenções militares para combatê-los. “Os cartéis estão engajados numa campanha de violência e terror pelo Hemisfério Ocidental que não só desestabiliza países, com significativa importância para nossos interesses, mas também inunda os Estados Unidos com drogas mortais e perigosas gangues”, afirma o documento.

O combate ao tráfico de drogas é meritório, e o regime de Nicolás Maduro é uma ditadura que só tem trazido prejuízo à Venezuela (há fartas evidências de que o vencedor da última eleição venezuelana foi o oposicionista Edmundo González). Mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja simpatizante do chavismo, nem o Brasil reconheceu a vitória de Maduro. Também é verdade que organizações criminosas se fortaleceram na Venezuela, entre elas a facção Tren de Aragua, com grande presença em território americano. Mas o combate a cartéis de traficantes ou ao regime ditatorial não pode justificar agressão à soberania de nenhum país. Entre outros efeitos negativos, a ação de Trump fortalece o discurso populista de Maduro, fazendo dele um herói aos olhos da população.

Em contraste com a Venezuela, o México — onde também atuam poderosos cartéis de drogas — impôs limites às tentativas de intervenção americanas. Pelos termos negociados pela presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, qualquer atuação de tropas dos Estados Unidos em solo mexicano só poderá ocorrer mediante estreita coordenação entre os dois governos. É princípio básico para qualquer país.

O Brasil também deve se preocupar com a movimentação de forças americanas na Venezuela, país com que faz mais de 2 mil quilômetros de fronteiras. A depender dos desdobramentos, poderá aumentar o fluxo migratório de venezuelanos para Roraima. Outro problema serão as restrições impostas à liberdade de navegação. “As relações da Marinha do Brasil com as Forças Armadas dos Estados Unidos decorrem de um alinhamento estratégico há séculos. Naturalmente, um eventual distanciamento diplomático entre Brasil e Estados Unidos acarretaria dificuldades e impactos sensíveis para os interesses e o adequado cumprimento das atribuições das Forças, de parte a parte, em diversos campos de atuação, o que não é desejável”, afirmou ao GLOBO o almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha.

Não faz qualquer sentido, a esta altura do século XXI, Trump querer ressuscitar a Doutrina Monroe, instaurada no século XIX pelo presidente James Monroe, com o propósito de reforçar a libertação das Américas dos colonialismos inglês, espanhol e português. Tal doutrina foi o pretexto para um longo período de intervenções militares americanas na América Latina. É um tempo que deveria ficar no passado.

Uma derrota para o governo e outra para o país

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas conseguem comando da CPI do INSS e incluem no projeto de novo Código Eleitoral a volta de votos impressos

Os objetivos últimos da oposição bolsonarista são a anistia de Bolsonaro e o impeachment de Moraes, mas há outros motivos de fundo, como as emendas parlamentares

Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência da tramitação do projeto de lei que prevê a isenção do Imposto de Renda para aqueles que recebem até R$ 5.000 mensais. É medida que pode ser de grande importância para as pretensões eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em certo aspecto, trata-se de uma vitória do governo. Mas, de todo modo, é difícil imaginar que parlamentares de qualquer parte do espectro político se arriscassem a perder votos negando um benefício de tamanha monta. Quanto ao mais, o andamento dos trabalhos do Congresso indica dificuldades para o governo e mesmo para seus aliados no comando do Parlamento.

Também na semana que passou, a oposição bolsonarista ficou com os cargos-chave de presidente e de relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito criada para investigar o escândalo de desvios no INSS.

O comando da CPI deveria ter ficado com parlamentares simpáticos a Lula, por acordo entre governo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP), aliado também por ter cargos relevantes no Planalto.

Além de inabilidades bisonhas e negligência, a derrota do governo se deveu a uma ofensiva da oposição para abafar os efeitos negativos do tarifaço. A organização oposicionista impôs outra derrota ao governo —e, nesse caso, mais ao país— ao incluir no projeto do novo Código Eleitoral a obrigação de que os votos sejam também impressos.

Trata-se de norma tumultuária e por duas vezes declarada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal. O governo teme ainda pela tramitação da emenda que prevê o parcelamento e adiamento do pagamento de precatórios.

Os objetivos últimos da oposição bolsonarista são a anistia de Jair Bolsonaro (PL) e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, campanha retomada com a baderna ilegal que bloqueou o Congresso faz duas semanas. Seria o suficiente para perturbar o ambiente. Mas há outros motivos de fundo.

A farra do pagamento de emendas parlamentares foi corretamente dificultada por Flávio Dino, também do Supremo. Por causa do atraso na aprovação do Orçamento, o ritmo de execução de despesas do governo no primeiro semestre diminuiu, o que afeta também as verbas de interesse de deputados e senadores.

Além do mais, parte relevante do Congresso está preocupada justamente com inquéritos a respeito do uso do dinheiro das emendas. Aliam-se assim a bolsonaristas que temem punições da Justiça. Irmanados, dedicam-se a articular um projeto de mudança de foro para parlamentares.

Lula 3 sempre foi minoritário no Parlamento. A articulação política é inoperante ou falha. A exacerbação política provocada pelo caso Bolsonaro aumenta a tensão. É um cenário de insegurança para projetos do governo.

Fome em Gaza é componente extra a pressionar Israel

Folha de S. Paulo

Ao declarar que há carência alimentar extrema na região, ONU acusa Tel Aviv de 'obstrução sistemática' de suprimentos

Imagens de crianças esquálidas e esfaimados disputando comida e saqueando caminhões não deixam dúvidas sobre as dimensões do inaceitável flagelo

A catástrofe humana que por meses a fio assola a Faixa de Gaza fez a ONU declarar nesta sexta-feira (22) o que, a olhos vistos, já se tornara evidente: a fome grassa na região, sobretudo entre crianças.

reconhecimento oficial veio após seguidos alertas de especialistas, incluindo os da própria entidade, e é inédito em todo o Oriente Médio. Nada menos que 500 mil pessoas estariam enfrentando variados níveis de privações.

A fase 5 do pesadelo famélico, a pior na escala de classificação das Nações Unidas, abrange a Cidade de Gaza —onde nova ofensiva de Israel está em curso após a convocação de 60 mil reservistas. Outras áreas estão na fase 4, mas caminham a passos largos para a 5, segundo a organização.

Enquanto a ONU vê "obstrução sistemática" para as ações de ajuda humanitária, com os suprimentos se acumulando na fronteira, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, classificou o relatório de "mentira descarada".

Autoridades de Israel apontam abordagens tendenciosas, motivadas por fontes ligadas ao Hamas, e lacunas metodológicas na elaboração do documento. Tel Aviv culpa ainda as próprias entidades de assistência por falhas logísticas e o boicote dos terroristas que controlam o território.

É sob esse cenário funesto que a Guerra Israel-Hamas deve completar dois anos em outubro, aparentemente ainda longe de entendimento ou mesmo de um cessar-fogo. Pelo contrário: o plano atual é de ocupação total de Gaza.

Foi no dia 7 daquele mês que um ataque terrorista arquitetado pelo Hamas em território israelense matou cerca de 1.200 pessoas e fez dezenas de reféns, muitos de paradeiro incerto até hoje.

A reação fulminante de Netanyahu, certamente desproporcional ao atingir milhares de civis inocentes, já teria deixado um saldo de quase 60 mil mortos, segundo a contagem da facção.

Como em todo conflito, a guerra de versões é estratégica para a batalha, mas as recorrentes imagens de crianças esquálidas e esfaimados disputando restos de comida e saqueando caminhões não deixam dúvidas sobre as dimensões do inaceitável flagelo.

Diante do impasse, a comunidade internacional começa a dar seus recados —como Reino Unido e França, que afirmaram recentemente que vão reconhecer um Estado palestino. Até mesmo o aliado Donald Trump já admitiu não estar convencido de que não exista fome na Faixa de Gaza.

Resta saber agora se Israel de fato ampliará a ofensiva ou se cederá, ao menos em parte, a apelos humanitários diante da escalada alarmante da iniquidade.

Juro real de 10% não é fruto do acaso

O Estado de S. Paulo

Somente reformas que reduzam gastos, contenham a dívida e conduzam ao reequilíbrio fiscal serão capazes de gerar condições para a queda dos juros, que voltaram a ficar 10% acima da inflação

O tarifaço imposto pelos Estados Unidos domina o noticiário, mas os problemas econômicos brasileiros são mais antigos, maiores e estruturais que as incertezas geradas pela política comercial de Donald Trump. Reportagem do Estadão mostrou que as taxas de juros reais voltaram a ficar próximas dos 10% ao ano, produto de uma Selic em 15% ao ano menos a inflação.

Não é preciso ser um especialista para perceber o quanto isso inibe o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Em vez de aplicar os recursos na expansão da infraestrutura ou da atividade produtiva, quem tem dinheiro sobrando prefere apostar em títulos do Tesouro Nacional ou investimentos com rendimentos semelhantes com muita segurança.

Culpar o Banco Central (BC) por esse cenário seria simplório. Mais difícil é compreender como o IPCA permanece em 5,31% no acumulado de 12 meses e as expectativas de inflação resistem a se aproximar da meta mesmo com a Selic no maior nível desde 2006 e sem perspectiva de queda no curto prazo.

Com a experiência de quem já esteve na direção do BC, o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), foi taxativo ao afirmar que isso é resultado da ausência de coordenação de política econômica – ou seja, entre a política fiscal, conduzida pelo governo, e a política monetária, executada pelo BC.

São muitos os exemplos desse desalinhamento. Enquanto o BC aperta os juros para conter a atividade econômica e, consequentemente, a inflação, o governo amplia gastos obrigatórios para incentivar o consumo e lança linhas de crédito direcionado com juros subsidiados para manter a demanda elevada – o que exige juros ainda mais altos.

Enquanto o desemprego nas mínimas históricas e salários com ganhos reais acima da produtividade sugerem atividade econômica aquecida e preocupam o BC, o Executivo atrela as medidas de auxílio a exportadores prejudicados pelo tarifaço norte-americano ao compromisso de manutenção de empregos.

Esse descompasso não é recente. Antes mesmo de tomar posse, o governo de Lula da Silva já patrocinava a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. A título de reconstruir as políticas públicas destruídas pelo bolsonarismo, o Executivo, com apoio do Legislativo, garantiu quase o dobro do valor necessário para recompor o Orçamento, o que dificultou, já de saída, a busca do déficit zero e de taxas de juros mais civilizadas.

Foi também a aliança entre governo e Congresso que permitiu o retorno dos pisos constitucionais da Saúde e Educação e a política de valorização do salário mínimo, que impulsionou os gastos com aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O Judiciário também contribuiu com esse movimento ao decidir que o salário-maternidade deve ser pago a autônomas que tenham contribuído uma única vez com o INSS.

Por mais que o governo trabalhe diuturnamente para arrecadar mais, as despesas crescem de maneira mais acelerada, o que resulta, de um lado, em mais dinheiro circulando na economia e mais inflação, e, de outro, em aumento da dívida da União e juros mais altos. Há anos o País resiste a quebrar esse ciclo que só prejudica a si mesmo.

Não foi por acaso que a taxa de investimento na proporção do PIB, que era de pouco mais de 20% em 2010, caiu para 17,8% no primeiro trimestre deste ano, índice baixo comparado à média mundial. Com uma taxa real de juros de 9,8% ao ano, não há como esperar que ela volte aos patamares registrados da década anterior, que dirá atingir os 25% que especialistas apontam como necessário para um crescimento econômico sustentável.

Quando tentou manter juros artificialmente baixos na expectativa de que eles incentivassem investimentos, o País colheu inflação, desemprego e recessão. Somente reformas estruturais que reduzam gastos, contenham o avanço da dívida pública e conduzam ao reequilíbrio fiscal serão capazes de gerar condições que permitam a queda dos juros. Enquanto isso não ocorrer, seguiremos bem posicionados no ranking dos países com os maiores juros reais no mundo.

A desigualdade se aprofunda

O Estado de S. Paulo

Fosso entre a renda de ricos e pobres cresce no pós-pandemia, e a concentração avança mesmo no topo da pirâmide, com tributação regressiva e incentivos e distorções genuinamente nacionais

O País ainda tem um longo caminho a percorrer para reduzir a desigualdade e tornar a carga tributária mais justa e progressiva. É o que mostra um estudo de autoria dos economistas Sérgio Gobetti, Priscila Kaiser Monteiro e Frederico Nascimento Dutra publicado no site FiscalData, hub de publicações sobre política fiscal e tributária, sobre o avanço da concentração de renda nos últimos anos.

A nota técnica elaborada pelos pesquisadores tem muitos méritos, entre os quais se basear em dados estatísticos da Receita Federal a partir da declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física, e não apenas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, por seu caráter autodeclaratório, tende a subestimar a renda das classes mais abastadas.

O estudo comprova o que já se esperava: a distância entre a renda dos mais ricos e a dos mais pobres avançou nos últimos anos. A renda do 1% mais rico, que corresponde a uma média mensal de R$ 103.807, ou R$ 1.245.681 anuais, cresceu 4,4% ao ano entre 2017 e 2023, bem mais que o rendimento médio das famílias brasileiras, que avançou 1,4% ao ano no período.

Mas a desigualdade aumentou mesmo no topo da pirâmide. A parcela do 0,1% mais rico viu sua renda aumentar 6,9% ao ano no mesmo período, enquanto os ganhos do 0,01% mais rico tiveram alta ainda maior, de 7,9% ao ano – nos dois casos, mais que o Produto Interno Bruto (PIB) da China, que cresceu 6,5% ao ano.

Na pesquisa, os economistas optaram por excluir o patrimônio, como casas, automóveis e fazendas, e fatores extraordinários que poderiam ampliar ainda mais essa diferença, caso dos investimentos em fundos fechados e offshore, recentemente alvo de mudanças na forma de tributação.

Foi uma maneira de reduzir a gama de hipóteses que poderiam explicar os achados e que é reveladora sobre incentivos e distorções genuinamente nacionais. Restaram, entre outros, os efeitos da chamada pejotização e a isenção de lucros e dividendos distribuídos por empresas a seus sócios.

Entre o 0,1% mais rico, a pejotização, regime adotado por profissionais liberais para fugir de custos que consomem os ganhos de empregados com carteira assinada, foi responsável por 66% do crescimento de sua renda. Investimentos financeiros igualmente isentos ou subtributados também ajudam a explicar esse fenômeno.

Outra razão que pode explicar o avanço da desigualdade de renda nos últimos anos é o aumento dos preços das commodities após a pandemia. De um lado, isso reforça o quanto a inflação corrói a renda dos mais pobres, que gastam uma proporção maior de sua renda com a aquisição de alimentos. De outro, isso explica por que a concentração de renda subiu mais em Estados da Região Centro-Oeste, nos quais o agronegócio é a atividade econômica que se destaca. No Mato Grosso, por exemplo, a parcela de renda apropriada pelo 1% mais rico aumentou de 20,3% em 2017 para 30,5% em 2023.

Não é novidade para ninguém que o Brasil é uma das nações mais desiguais do mundo, mas o fato de que a diferença entre a renda dos mais ricos e dos mais pobres continuou a avançar mesmo quando houve aumento expressivo de gastos com programas sociais – as despesas do Executivo com o Bolsa Família aumentaram mais de seis vezes entre 2019 e 2023, tanto em razão do aumento do valor do benefício como pelo crescimento no número de famílias vulneráveis – atesta que o País engatinha no enfrentamento de sua histórica e gritante desigualdade.

Ou seja, aumentar o gasto social e dar ganho real ao salário mínimo pode aliviar a pobreza e dar votos, mas não é suficiente para mudar substancialmente a realidade. Pelo contrário: o aumento do gasto público decorrente dessas políticas ajuda a aprofundar o desequilíbrio fiscal, que demanda taxas de juros permanentemente altas para conter a inflação e financiar o déficit – situação que estimula o investimento no mercado financeiro, e não na produção. Como resultado, a base da pirâmide, cada vez mais numerosa, é condenada à informalidade, reduzindo sua mobilidade socioeconômica. Tudo isso poderia começar a mudar se houvesse uma reestruturação dos gastos públicos e se houvesse uma reforma ampla da renda. Infelizmente, nada disso parece estar no horizonte.

PGR pede o óbvio no caso do INSS

O Estado de S. Paulo

Estranhamente, Toffoli requereu a relatoria do caso. Agora, Gonet solicita sorteio

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a relatoria das investigações sobre a fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) seja distribuída entre os ministros por sorteio, e não concentrada no gabinete de Dias Toffoli por prevenção, como até então. O parecer de Gonet não é apenas correto, é necessário para a garantia da transparência e da efetividade da Justiça.

Não há motivo fático ou jurídico que justifique a permanência do caso no gabinete de Toffoli, como entendeu o ministro inicialmente. Quando um ministro do STF requer para si a relatoria de um inquérito sem apresentar fundamentos claros, pois Toffoli impôs sigilo à sua decisão, autoriza suspeitas que só servem para tisnar a credibilidade da Corte na condução de um caso de repercussão nacional e que prejudicou milhões de brasileiros.

Sob o argumento da prevenção, Toffoli requisitou à Polícia Federal informações sobre todas as investigações a respeito das fraudes no INSS em curso no País e, na prática, paralisou diligências. Com justo receio de ver seus atos anulados por eventual violação de competência, policiais Brasil afora cruzaram os braços esperando a decisão final do STF. Ou seja, em vez de prover segurança jurídica, Toffoli, com seu despacho obscuro, lançou dúvidas sobre a imparcialidade do trâmite e ameaçou comprometer a mais ampla investigação de que se teve notícia contra um esquema de rapinagem de benefícios previdenciários no País.

A fraude obrigou o governo Lula da Silva a abrir crédito extraordinário para ressarcir as vítimas, em operação que custará pelo menos R$ 3,3 bilhões aos cofres públicos. Essa solução imediata, por óbvio, não substitui a obrigação dos responsáveis de restituir cada centavo desviado. Trata-se de um crime de extrema gravidade, cometido contra a população mais vulnerável – idosos aposentados e pensionistas que dependem de seus benefícios para uma vida digna. Não se trata, portanto, de uma fraude qualquer, mas de um ataque direto à confiança dos cidadãos na Previdência Social e na própria capacidade do Estado de proteger seus contribuintes.

Sabe-se que a eventual participação de parlamentares no esquema exige a atuação do STF. Mas esse fato, por si só, não justifica a atração de toda a investigação para Toffoli apenas porque ao ministro coube relatar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.236, por meio da qual foi firmado o acordo de ressarcimento inicial entre União, INSS, Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e Ordem dos Advogados do Brasil, ajuizada pela Presidência da República.

O argumento central de Gonet – de que a distribuição do caso entre os ministros da Corte deve seguir o sorteio regular – reforça um princípio republicano. É no sorteio que reside a garantia contra manipulações, favorecimento de interesses obscuros ou direcionamentos indevidos.

A fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do INSS deve ser investigada com rigor, tanto no âmbito político, na CPMI recém-instalada no Congresso, como na esfera judicial. Só assim será possível reparar não só o dano financeiro, como também a confiança da sociedade na integridade de suas instituições.

Proteção infantil nas redes sociais é dever de todos

Correio Braziliense

É importante salientar que uma proteção real de vulneráveis ainda está distante, apesar de toda a comoção que se formou com as denúncias do influenciador Felca.

Apesar da resistência de setores da direita que aferram-se a uma distorção do conceito de liberdade de expressão, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto sobre a adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais. A matéria foi protocolada em 2022, mas somente sensibilizou o Parlamento depois da denúncia do youtuber Felipe Bressanin Pereira, conhecido como Felca.

A adultização, a erotização e a sexualização de menores nas plataformas não são fenômeno recente. Nos últimos anos, desde o momento em que o senador Alessandro Vieira apresentou o projeto de lei à votação no meio desta semana, muitos abusos foram cometidos contra indivíduos que deveriam estar protegidos pelo conjunto da sociedade. É razoável questionar por que deputados e senadores demoraram tanto para dar atenção para um problema de escala global e de tamanha urgência que ameaça o bem-estar de crianças e adolescentes.

É importante salientar que uma proteção real de vulneráveis ainda está distante, apesar de toda a comoção que se formou com as denúncias do influenciador Felca. O Legislativo deu um passo esta semana, mas não está assegurado que as redes sociais se tornarão um ambiente em que os excessos e crimes catalogados no Código de Processo Penal sejam coibidos. As plataformas resistem em moderar os abusos e têm no Congresso uma bancada fiel, disposta a emperrar qualquer proposta de regulação.

Saliente-se que as redes sociais se tornaram um instrumento de ação política, muito apreciada em particular por setores da direita. Não interessa a esse grupo, portanto, a aplicação de instrumentos que possam impedir excessos como extremismo, desinformação, discurso do ódio e ataques às instituições. Políticos que surgiram nesse território livre, em meio a um vácuo regulatório, alegam liberdade de expressão para aplicar uma espécie de "vale-tudo". Abrem brecha, assim, às gigantes da tecnologia mais preocupadas com os lucros de seus negócios do que com os horrores cometidos contra setores vulneráveis da sociedade. Ajudam, ainda, toda sorte de criminosos que aproveitam a lacuna regulatória para agir nas sombras.

Tudo considerado, conclui-se que o Parlamento deu uma contribuição rumo à civilidade na internet. Há poucos meses, o Judiciário também marcou um ponto, ao determinar a retirada de conteúdos inadequados nas redes sociais sem necessidade de decisão judicial. O Executivo, por sua vez, tem mantido um combate permanente contra a atuação criminosa de grupos.

A sociedade, particularmente na figura da família, também tem sua responsabilidade nesse contexto. É fundamental vigiar a vida digital de crianças e adolescentes. E cobrar das autoridades providências para impedir que poderosos e criminosos ajam em torno de um nefasto interesse comum: a exploração de inocentes.

Semana positiva para o Congresso

O Povo (CE)

É preciso reconhecer que, em meio às disputas radicalizadas, do ridículo histrionismo de alguns parlamentares — e até de um motim na Câmara dos Deputados, promovido por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, a semana terminou com saldo positivo

Existe uma "bancada" de parlamentares que prefere a balbúrdia como método de trabalho, mas essa disfunção não pode ser impeditivo para que o parlamento enfrente os temas de relevância para o desenvolvimento do País, e que pedem urgência.

Críticas procedentes ao Congresso brasileiro não faltam, e vão desde o custo abusivo das instituições e os privilégios que desfrutam os parlamentares, até a dificuldade em votar temas de interesse nacional. São os assuntos que estão a merecer debate mais aprofundado, para uma necessária correção de rumos.

Mas é preciso reconhecer que, em meio às disputas radicalizadas, do ridículo histrionismo de alguns parlamentares — e até de um motim na Câmara dos Deputados, promovido por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, a semana terminou com saldo positivo.

Casos recentes são exemplos de como o Congresso pode trabalhar em sintonia com as demandas da sociedade. Um deles foi a aprovação do "ECA Digital", legislação que trata da proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais. O outro, a decisão para a tramitação com urgência do projeto que isenta do imposto de renda (IR) pessoas com renda até R$ 5 mil.

Em ambas as situações, houve compreensão de que as questões partidárias precisavam ser afastadas, em nome do interesse maior da sociedade. É louvável que a maioria dos parlamentares, dos mais diversos partidos e ideologias, tenha tido a compreensão de que a convivência entre situação e oposição é possível, sem que qualquer parte abra mão de seu papel.

No caso do ECA Digital, deu-se um freio de arrumação na verdadeira terra de ninguém que tornaram as redes sociais um espaço livre para o cometimento dos piores crimes.

Sobre o imposto de renda, se o projeto for aprovado, como tudo indica, o número de pessoas com direito à isenção do IR irá dobrar. Estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) avalia que a mudança deve ampliar de 10 milhões para 20 milhões o total de trabalhadores isentos do IR.

Os dois projetos são de grande alcance social e o Congresso acertou em encaminhar com urgência as duas proposições, uma já aprovada na Câmara, o ECA digital, que seguirá para o Senado — onde não deve sofrer objeções —, com o IR preparado para ir a voto na próxima semana na Câmara.

Pode-se ainda acrescentar nessas pautas positivas a aprovação do pacote de ajuda aos setores prejudicados pelo tarifaço de Trump. Apesar das grandes divergências que cercam o tema, conseguiu-se encontrar uma solução para evitar um abalo mais profundo nas empresas brasileiras que exportam para os Estados Unidos.

É certo que existe uma "bancada" de parlamentares que prefere a balbúrdia como método de trabalho, contribuindo para o descrédito do Congresso — e que precisam ser enquadrados de acordo com as normas da Casa. No entanto, essa disfunção não pode ser impeditivo para que o parlamento enfrente os temas de relevância para o desenvolvimento do País, e que pedem urgência. 

 

 

 

 

 

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