A posição de líder da extrema-direita está em aberto e o clã Bolsonaro, desesperado, sabe disso
É comum que se faça referência à ultradireita
brasileira inteira como sendo “o” bolsonarismo. Este, contudo, é só parte dela.
Pense-se, por exemplo, no MBL, que, embora por vezes se articule com o
movimento político do ex-presidente, frequentemente atrita com ele, inclusive
porque, exatamente por também integrar a direita extremista, disputa apoio
social e votos com o bolsonarismo.
A confusão se dá por alguns motivos. Primeiro, porque hoje o bolsonarismo hegemoniza a ultradireita, ofuscando os demais segmentos e se tornando o mais visível deles nesse lado do espectro político-ideológico. Ter o bolsonarismo como sendo toda a ultradireita é tomar a parte pelo todo, equívoco similar ao de achar que tudo que está à esquerda é petista.
O segundo motivo é o sucesso do bolsonarismo
em ocupar um espaço eleitoral para o qual, ao menos desde 2013, havia demanda
social, que, contudo, nenhum ator político-partidário conseguia atender
satisfatoriamente. As malfadadas jornadas de junho deflagraram, e a Operação
Lava Jato aprofundou, um forte sentimento antipolítico que se disseminou pela
sociedade brasileira. Seus primeiros efeitos eleitorais foram em 2016, nas
disputas municipais, quando autênticos ou pretensos outsiders de discurso
antipolítico conquistaram prefeituras em municípios importantes, tais como São
Paulo, Belo Horizonte e Betim.
Em 2018, o humor social já não era só
antipolítico, mas também antissistema. Nesse contexto, nenhum candidato
presidencial se sairia melhor do que Jair Bolsonaro, cujo physique du rôle era perfeito
para a função. Como disse Victor Hugo, nada mais poderoso do que uma ideia cujo
tempo chegou.
O quadriênio bolsonarista no governo federal
não foi o ápice da ultradireita, mas seu instrumento de consolidação,
aprofundando a radicalização de parcela significativa da sociedade brasileira,
exacerbando a polarização político-ideológica e propiciando novas lideranças
extremistas. Agora, com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e seu virtual
encarceramento, as contradições e divisões internas da direita radical têm, no
entanto, espaço para aflorar.
Uma dessas contradições advém do forte
familismo do projeto político bolsonarista, o qual explicita, inclusive, o
porquê de Bolsonaro ter sido um político marginal, mas não um outsider. Apesar
de sua trajetória de lobo solitário, que os norte-americanos denominariam
maverick, Jair construiu sólido empreendimento político familiar, guindando
todos os filhos a cargos eletivos, tendo antes, ademais, conseguido também
eleger a esposa da época.
O ocaso de Bolsonaro e a situação complicada
dos familiares deflagraram a disputa pelo espólio. Eduardo, o mais talhado
para substituir o pai em 2026, abraçou a tática camicase de ir para os EUA e,
de lá, extorquir o próprio País na tentativa de livrar das garras da Justiça o
patriarca e outros golpistas. Carlos, o filho alucinado, investigado no
inquérito das milícias digitais por capitanear o gabinete do ódio, não reúne
capacidades necessárias para tal papel, inclusive psíquicas. Flávio, o menos
histriônico dos irmãos, cujo extremismo se camufla sob a fleuma do pragmatismo,
é desprovido de carisma e de credenciais administrativas (como as de Tarcísio
ou Caiado), além de correr o risco de ver exumado o inquérito das rachadinhas,
hoje sepultado por decisão monocrática de Gilmar Mendes. Michelle, que goza de
carisma, capacidade de comunicação e popularidade, não tem a confiança dos
próprios filhos nem sequer do marido para assumir tal lugar. Assim, o
bolsonarismo propriamente dito fica acéfalo na disputa nacional de 2026, abrindo
espaço para lideranças alternativas.
Cientes da situação e desesperados, os mais
estridentes do clã vociferam contra aliados que postulem substituir o patriarca
ou familiares na disputa presidencial e, a depender do resultado, na liderança
da ultradireita pelos próximos anos. O clã desconfia da lealdade dos
correligionários, percebendo-os como oportunistas, preocupados em não ser
vetados pelo ex-presidente e, quem sabe, contar com seu beneplácito. A falta de
um partido estruturado e orgânico do bolsonarismo, cujas lideranças estão
espalhadas por diversas agremiações, fragiliza os nexos de lealdade para com o
líder. Situação bem distinta daquela de Lula dentro do PT, mesmo preso e sem
direitos políticos. O bolsonarismo é um movimento, não uma organização
partidária. Com isso, se por um lado desfruta da flexibilidade que amarras
partidárias restringem, por outro carece da força institucional que só partidos
coesos têm.
Publicado na edição n° 1376 de CartaCapital, em 27 de agosto de 2025.
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