Folha de S. Paulo
A aprovação do PL 2628 demonstra que somos
capazes de superar a insensatez que a polarização nos impõe
O que parecia impossível aconteceu. Nesta
semana, a polarização visceral cedeu e os deputados federais deram uma pausa na
defesa de seus próprios interesses para aprovar
um projeto de lei voltado à proteção de crianças e adolescentes no
ambiente digital.
O documentário produzido pelo influenciador Felca escancarou os fatos. Estado, sociedade, assim como famílias, não têm sido capazes de assegurar, no contexto do universo digital, a segurança e os direitos mais elementares de nossas crianças e adolescentes, colocando-as a salvo de toda a forma de "negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
Nossas legislação e políticas públicas,
embora abrangentes, têm se demonstrado insuficientes. As condutas de muitas
plataformas, quando não deficientes, são deliberadamente negligentes. As
famílias, por seu lado, encontram-se atônitas e impotentes para proteger seus
filhos na intimidade das redes.
Os depoimentos prestados por juízas,
delegadas de polícia, professoras e especialistas foram essenciais para expor a
violência, a exploração e o aliciamento a que estão expostos os jovens nas
redes, quebrando as resistências de parlamentares capturados pelos interesses
de plataformas ou abduzidos por uma concepção distorcida e liberticida de liberdade de
expressão.
O presidente Hugo Motta,
há poucos dias emparedado
por um grupo extremista de deputados, obcecados por anistiar golpistas,
soube galvanizar uma ampla maioria parlamentar, que uniu esquerda, centro e
direita, na defesa dos interesses de crianças e adolescentes.
A aprovação de um projeto de lei maduro e
consistente foi, no entanto, o resultado de uma ampla aliança da sociedade
civil, em que organizações como Instituto Alana, Chilhood Brasil e Instituto
Liberta, Legal Grounds e Desconecta exerceram um protagonismo compartilhado, na
realização de pesquisas, apresentação de notas técnicas, mobilização da opinião
pública e incansável luta para proteger os direitos de crianças e adolescentes
no ambiente digital.
Assim como a recente aprovação de leis
estaduais que proibiram o uso de celulares
nas escolas, a aprovação do PL 2628 demonstra que somos capazes de superar
a insensatez que a polarização nos impõe.
O novo ECA Digital tem potencial para
promover importantes avanços, ao impor medidas como a proibição de uso de dados
pessoais de crianças e adolescentes para fins comerciais, prática que, quando
permitida, costuma ampliar o tempo de uso e permanência online desses grupos;
proibição de perfilamento comportamental e a análise de emoções para fins de
direcionamento de publicidade personalizada para este público, na linha de
proteção já garantida na Europa.
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Por outro lado, combate a violência e a
exposição de conteúdo ilegal ou inadequado por faixa etária, como pornografia,
que pode induzir comportamentos de risco e danos emocionais. Proíbe monetização
de impulsionamento de conteúdos que retratem crianças e adolescentes de forma
erotizada ou sexualmente sugestiva, ou em contexto próprio do universo sexual
adulto, porta de entrada para abusos, como aliciamento e exploração por parte
de criminosos. Proíbe também a promoção e comercialização de jogos de azar
(bets, loterias) para jovens, prevenindo vícios futuros e protegendo o
desenvolvimento cognitivo e emocional saudável.
O ECA Digital não elimina todos os riscos
decorrentes da intensa imersão de nossos jovens nas redes sociais. Há espaço
para aperfeiçoamentos. Mais do que isso, imporá um enorme desafio de
implementação. Não se deve negar, no entanto, que a aprovação do PL 2628
constitui um passo fundamental na construção de um ambiente digital mais seguro
para nossas crianças e adolescentes.
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