O Globo
A exatos 12 meses da eleição presidencial, já
não há mais tempo para gestos nobres, nem complacência com os adversários.
A derrota do governo na Câmara, onde o Centrão controla os movimentos, é mais uma demonstração de que o governo Lula, em seu último ano de mandato, enfrentará uma disputa acirrada contra a maioria parlamentar. A melhora na popularidade do governo, constatada pela recente pesquisa Quaest, acirrou a confrontação, e o governo não conseguiu, no primeiro embate, transformar o êxito popular em votos de parlamentares. Chegou a parecer que os ministros recalcitrantes que insistem em permanecer no cargo, mesmo contra a orientação de seus partidos, anteviam uma mudança de rumo a favor de Lula, mas era pura ilusão de ótica.
Os partidos de centro-direita não estão mais
dispostos a dar ao governo o apoio eventual com que ajudaram a aprovar muitas
pautas. A exatos 12 meses da eleição presidencial, já não há mais tempo para
gestos nobres, nem complacência com os adversários. Logo, logo, Bolsonaro
também sentirá esse bafo na nuca e terá de decidir que candidato da direita
será ungido por ele. O prazo está se esgotando também para o ex-presidente, que
já não tem tempo suficiente para adiar a questão. Ele já estaria convencido de
que seu sobrenome pesa mais do que ajuda uma chapa de oposição, por culpa de
seu filho Zero Três.
Eduardo Bolsonaro e seu assecla Paulo
Figueiredo são os responsáveis por uma surpresa que Lula não esperava receber.
Os bolsonaristas deram um presente ao presidente Lula, que se refletiu nos
números favoráveis na pesquisa Quaest divulgada ontem. A tentativa de
intervenção americana no julgamento de Bolsonaro e as sanções impostas aos
ministros trabalham a favor de Lula, que reagiu muito bem. Em vez de fazer
bravatas, ele se defendeu, e à soberania brasileira, sempre querendo o diálogo
com Trump. Era muito fácil um governo de esquerda atacar o presidente
americano, mas as consequências vêm depois, como diria o Conselheiro Acácio, e
seriam piores.
O governo brasileiro deixou de lado a questão
Bolsonaro, não tentou fazer com que Trump mudasse de ideia e se concentrou nos
negócios. Trump fez as contas, foi avisado por empresários do Brasil e dos
Estados Unidos de que dava prejuízo também aos americanos, e tudo confluiu para
um acordo. Não uma relação política entre os dois governos, que não haverá
nunca, mas uma relação comercial é perfeitamente possível, aceitável e
necessária aos dois países. O Itamaraty agiu bem, e deu certo.
É interessante constatar que, quando chega a
hora de os adultos entrarem na sala para negociar, o profissionalismo do
Itamaraty entra em ação e deixa as coisas mais claras. Muitas vezes isso não
acontece, porque os petistas ansiosos estão ávidos para marcar presença a favor
de algum tema delicado no panorama internacional e acabam obstruindo o caminho
dos profissionais, muitas vezes prejudicando o próprio governo. O mesmo
acontecia com o governo Bolsonaro, aquele que ansiava por ser um pária no
concerto das nações.
Sem dúvida, a posição brasileira — diante do
que ainda é a maior crise internacional em que o país já se meteu em tempos
recentes — foi fundamental para a mudança de percepção dos brasileiros sobre o
governo Lula. Mesmo assim, e sem Bolsonaro como chamariz, a direita continua um
adversário difícil de bater. A pesquisa Quaest sugere que a direita estará
unida contra o petismo seja qual for o candidato, retirando do ex-presidente a
capacidade única de escolhê-lo e deixando aos políticos profissionais a tarefa
de encaminhar a escolha para o candidato mais viável, o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas.
A derrota do governo ontem na Câmara foi uma
vitória dele, do presidente do PSD, Gilberto Kassab, e do Centrão como um todo.
Mostra que, unidos, podem ter atuação consistente na campanha eleitoral.
Principalmente agora, que Lula recupera a popularidade, será preciso essa ação
conjunta para derrotá-lo nas urnas no ano que vem. Lula retoma o lugar de
favorito, por ser quem é e por estar no governo.
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