O Globo
Depois de uma onda de boas notícias, o
governo Lula sofreu
ontem uma derrota na batalha em torno da Medida Provisória que aumentaria a
arrecadação de impostos em R$ 17 bilhões para compensar a perda com o IOF. Na
última hora, as negociações de bastidores para ajustar o texto de acordo com os
interesses dos diversos lobbies envolvidos foram descartadas pelos deputados,
que votaram pela retirada de pauta e mataram a MP.
Deu-se, a partir de então, um embate sobre o tamanho do prejuízo e de quem foi a responsabilidade. Se da oposição que — surpresa! — decidiu atrapalhar a vida do governo, se do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que jogou pesado para cortar o barato de Lula, ou se do próprio Planalto, que calibrou mal o texto e confiou demais nos adversários. Independentemente do diagnóstico, porém, não há dúvida de que as bets saíram ganhando.
Quando o texto começou a ser elaborado, a
ideia no Ministério da Fazenda era aumentar a taxa das bets dos atuais 12% para
25%. Temendo a ofensiva de um lobby poderoso, já de saída o governo reduziu sua
ambição para 18%. Mesmo assim, quando foi se aproximando o fim do prazo de
validade da MP, que venceu ontem, o relator, Carlos
Zarattini (PT-SP),
abriu mão de qualquer aumento e voltou aos 12%.
E não só. Também incluiu no texto da MP um
regime especial para permitir às bets repatriar recursos mantidos ilegalmente
no exterior, com direito a perdão dos crimes e à promessa de que não seriam
investigadas. Segundo Zarattini, o recuo na taxação foi uma condição imposta
pelo Centrão, e o regime especial uma ideia do próprio governo para tentar
recuperar algum dinheiro, mesmo que à custa da impunidade geral. Que partidos
do Centrão? “Todos”, ele resume.
Esse mesmo Centrão, com integrantes da base
governista da oposição e da base governista, conseguiu que fosse mantida a
isenção total de impostos a produtos financeiros como Letras de Crédito
Agrícola (LCA) e Imobiliário (LCI). Além de discutível, a isenção causa
desequilíbrio, já que os investidores tendem a migrar de produtos que pagam
taxas para os que não pagam nada, diminuindo a arrecadação. Ainda assim, o
agro, a construção civil e os bancos podem argumentar que criam bens ou prestam
serviços reais. As bets, nem isso.
Seus efeitos nocivos às finanças e à saúde
mental dos brasileiros foram amplamente debatidos nos últimos tempos. O vício
em apostas on-line corrói a renda das famílias, especialmente as mais
vulneráveis. De acordo com o Banco Central,
só em agosto de 2024, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram
R$ 3 bilhões em apostas usando Pix.
Os gastos descontrolados com a jogatina
virtual foram o principal argumento do conselho curador do FGTS para a decisão
anunciada ontem de limitar os empréstimos feitos com base na antecipação do
saque-aniversário. Estudos citados no relatório final da CPI das Bets do
Congresso constataram que cassinos e caça-níqueis on-line, como o jogo do
Tigrinho, causam alta dependência entre os adolescentes e já começaram a ter
impacto na rede pública, com mais atendimentos por ansiedade e depressão.
Para além de todos esses problemas, a CPI
expôs também o alto nível de promiscuidade dessas empresas com artistas e
influenciadores, políticos e até um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Até o final melancólico, com a rejeição do relatório final pela maioria, serviu
como atestado de que as bets tinham se tornado poderosas demais.
Depois de sete meses de trabalho e revelações
escandalosas, a comissão foi extinta em julho passado sem produzir nenhum
resultado. Ou melhor, quase nenhum. Nesta quarta-feira, quando questionei um
operador experiente dos bastidores do Congresso sobre a vitória das bets, ele
me explicou que, nos últimos meses, elas “se aproximaram mais” do Congresso e
do Judiciário e “trabalharam para amarrar as pontas soltas” que ficaram
evidentes durante a CPI.
Não é preciso ser muito esperto para saber o
que esses eufemismos significam. Quando perguntei a Zarattini se ele tinha
levado em conta o potencial nocivo das bets ao fazer as mudanças em seu
relatório, ele foi sincero.
Disse que fez tudo em acordo com o governo
Lula, porque “o objetivo era aprovar a MP e focar no principal”, já que a
arrecadação perdida com as bets seria menor do que o ganho com os outros
impostos que permaneceram no projeto. Com a morte da MP, foi tudo para o
vinagre. O Tigrinho, porém, permanece firme e forte. Hoje, não há páreo para
ele em Brasília.
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